A culpa não é da Xuxa

Diário Carioca

Quando Paulo Guedes sugeria na Reforma da Previdência o BPC (benefício de prestação continuada) de R$400,00, apertar as regras para a pensão por morte, ou as regras de idade mínima para aposentadoria, ele seguia uma lógica.

A lógica professada pelo capitalismo global que nos conduziu à crise de 2008 e, na Covid-19, a sofrer todas as consequências do trabalho precário com a concentração de todo processo produtivo na China. Alguma responsabilidade dos chineses? Não. A China não acumularia todo o capital e parque industrial sozinha. O mundo concentrou tudo o que tinha na China.

Há muito tempo o capitalismo ultraliberal perdeu qualquer vergonha ou pudor em desprezar seres humanos “não produtivos”. Nessa categoria vemos idosos, viúvas, presos, crianças, deficientes etc. Todo aquele que não produz lucros perde parte ou toda humanidade, torna-se um estorvo. Assim, necessitou-se criar limites legais para legislar sobre a obviedade de proteger essas pessoas das mãos desse estado que vive simbiótica relação com o mercado.

Mais uma vez tratamos do ser humano descrito no homo sacer de Agambem. O ser humano objeto de discussão da sua própria humanidade. Se na Grécia antiga o cidadão discutia política, pois reconhecido como cidadão, hoje a política discute quem merece ser cidadão. É o biopoder exercido, agora travestido de necropolítica.

Quando apenas em março de 2021 discute-se se esse ser humano em estado de miserabilidade merece R$250,00 como auxílio emergencial, quando não há programas de distribuição de alimentos ou não há vacinas para todos, estamos diante dessa lógica.

Evidente que em 2020 as autoridades não acreditavam que a Covid-19 passasse de 2020. Por que gastar com uma cara vacina europeia, então? Afinal, a Covid-19, preponderantemente, matava idosos. Idosos que recebem da previdência. Essa ideia fora divulgada por volta de abril de 2020 por meio da imprensa. Certa autoridade do governo argumentava que a Covid-19 aliviaria as contas do INSS.

O que Xuxa fala, em razão de sua tolice, ou de tantos outros com espaço na mídia para divulgar terraplanices (a própria “teoria”), em TV, lives, rádio, e outros meios, é apenas fruto dessa lógica que está impregnada na sociedade. Logo, inserido no intelecto de Xuxa e de tantos outros, está o fato de existirem seres humanos abaixo do conceito da própria humanidade.

O que Xuxa professou foi apenas a discussão, ainda que rasa, de quem tem a vida sagrada ou a vida nua, quem seria o homo sacer. Não foi diferente nos campos de concentração nazistas. As pessoas ali presas não eram humanas para os nazistas. Não estamos afirmando que Xuxa seria nazista, mas que a ideologia é a mesma.

Isso se repete quando muitos afirmam que os jovens trabalhadores deveriam ser vacinados em razão da falta de vacinas para todos, já que idosos nada mais produzem. Assim agem, no lugar de exercer um papel político mais intenso de retirar do poder quem sabotou a vacinação das pessoas.

Nem em naufrágios se vê tamanha aberração. Xuxa é apenas mais uma de nós na sociedade do salve-se quem puder.

Cássio Faeddo. Advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais – FGV/SP

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