Aos cinco anos de idade, quando viu uma semente se desprender de uma árvore e cair no chão, o menino Wyn Dan ficou encantado com o fenômeno e foi perguntar para a irmã o que era aquilo, assim começa a história de ‘Putakaryy Kakykary, o sopro da vida’, livro de Kamuu Dan Wapichana, lançado no ano de 2019 pela Editora Expressão Popular.
Agora, o livro ganha uma versão teatral, em que a história do menino é narrada por uma guardiã de sementes, uma mulher que viaja há muito tempo trocando sementes e memórias entre as comunidades por onde passa.
Com direção de direção de Fernanda Machado que também experimenta direção de vídeo, dramaturgia da artista Sofia Boito e atuação de Paula Klein Flecha Dourada, a montagem tem o intuito de chamar a atenção para a preservação das florestas como meio fundamental de existência da vida na terra. A narrativa também nos convida a olhar para as sementes doentes, ou seja, sementes geneticamente modificadas e estéreis, patenteadas por empresas bilionárias. A evasão das zonas rurais nas últimas décadas e a superpopulação das grandes metrópoles, fez com que uma parcela menor da população se atente à origem dos alimentos, preferindo pagar pelo que consome, retirando das prateleiras dos supermercados.
No entanto, ao observar o desenvolvimento de uma semente em planta, é possível se conectar novamente com esse processo de vida e entender que o alimento que nutre nosso corpo é oferecido pela terra, sem nenhum custo. A vida é abundante em sua essência e todos os seres humanos têm o direito de desfrutar de seus frutos, mas também cabe a nós a responsabilidade de cuidar dos elementos que permitem sua continuidade para as futuras gerações. Provocando reflexões como essa e nos fazendo olhar para as sementes como elementos que carregam o passado e o futuro em si, nos atentamos à vida ainda em formação das crianças e o quanto a pandemia da Covid-19 fez com que elas ativassem os núcleos familiares das maneiras mais diversas. A encenação pretende, por meio de Wyn Dan, adentrar nossas residências e conversar poeticamente sobre a realidade da comunidade humana e a urgência na preservação dos meios naturais. Num momento de vida tão difícil para a população trabalhadora e principalmente para os povos ancestrais de nossa terra, a história narrada no livro se apresenta como urgente e necessária.
Desde o século XVI estabeleceu-se no Brasil, segundo o escritor e ambientalista Kaká Werá, um modelo econômico baseado no latifúndio, escravização de povos e na exploração indiscriminada da terra para gerar o que ele chama de uma “suposta riqueza” e esse é o modelo que permanece até hoje.
A história que Kamuu Dan escreveu, toca no assunto da progressão geométrica e dos problemas causados pelo desmatamento de maneira lúdica e mágica, e tem o poder de nos transportar de uma maneira muito sensível para o universo da comunidade Wapichana. Inclusive, como diz o próprio autor, é um livro destinado às crianças da cidade, por isso o interesse desse coletivo de artistas em adaptar essa obra para o teatro on-line. Com imagens captadas ao ar livre, a encenação tem figurino de Silvana Marcondes, que se encanta com as sementes e as coloca nas vestes da guardiã, a trilha sonora é assinada por Eva Figueiredo que experimenta sonoridades diversas para ambientar a história.
“É curioso que a gente saiba mais de cultura estrangeiras como Halloween e Papai Noel, do que sobre a cosmovisão de alguns povos originários da nossa terra. O interesse com esse projeto é que um pouquinho dessa cultura chegue até as casas de nossos pequenos. É uma história sem super-heróis, com um tipo de narrativa que passa ao largo da saga do herói, encantando e envolvendo nossos sentidos”, explica Paula Klein Flecha Dourada.
A oportunidade de ter contato com histórias oriundas dos povos ancestrais é uma maneira de ressignificar simbolicamente a diversidade da nação brasileira que tem ainda impressa em sua topografia nomes em Tupi, Guarani e Wapichana, além de muitos outros que vem de distintas línguas ainda faladas nos mais de 350 povos espalhados pelo país.
“Em 2020 conheci o livro ‘Putakaryy Kakykary, o sopro da vida’ e fiquei maravilhada! Uma escrita tão sensível e tão poderosa, que conta com beleza e maestria a história dos povos ancestrais na luta pela terra. Além disso, ter acesso a história contada na sua língua Wapichana é de extrema importância, num momento em que há um evidente programa de extinção por parte das lideranças políticas. Logo que tive contato com essa história tive certeza de que ela tinha que ganhar vida. Sinto que o livro chegou até minhas mãos como mágica, ele me encontrou,” comenta Fernanda Machado, diretora do espetáculo e idealizadora do projeto junto com Paula Klein Flecha Dourada, que também da vida a Guardiã de Sementes.
Serviço “Putakaryy Kakykary, o sopro da vida”:
– 19/04 – às 17 h – Centro Cultural da Penha
– 21/04 – às 20h – Comunidade Cultral Quilombaque
– 23/04 – Teatro Flávio Império
– 24 e 25/04 – às 16 h – Teatro Paulo Eirós
Classificação Indicativa: Livre
Duração: 30 minutos
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Sinopse: Baseada no livro infantil homônimo do autor Kamuu Dan Wapichana, a peça conta a história de um menino Wapichana, Wyn Dan, que descobre a importância das sementes e a magia do sopro. Nesta adaptação teatral, a narrativa está na voz de uma personagem fantástica e misteriosa, a Guardiã de Sementes que, no meio da mata, utiliza elementos da natureza para construir sua história.
Ficha Técnica:
Direção: Fernanda Machado
Assistente de direção: Renata Borges e Francisco Klein
Dramaturgia: Sofia Boito
Elenco: Paula Klein Flecha Dourada
Figurino: Silvana Marcondes
Trilha sonora: Eva Figueiredo
Vídeo: Fernanda Machado
Designer: João Batista Corrêa
Produção: Oriri Agência Cultural – Nathália Fernandes