“Se eu pudesse falar alguma coisa para as pessoas que não lêem, diria que elas não sabem o que estão perdendo”, é o que defende Rhayanne Ketyne, estudante e moradora do Alto José Bonifácio, bairro da zona norte do Recife. Leitora assídua e frequentadora da Bliblioteca Comunitária Amigos da Leitura, que fica na rua da sua casa, ela é um exemplo de que quando garantido o acesso ao livro, ele se torna item presente no cotidiano da vida das pessoas.
E é o livro o melhor amigo de Jadilson Rodrigues, que tem 13 anos e está terminando de ler uma série de sete romances de fantasia, Harry Potter, escrita pela autora britânica J. K. Rowling. Jadilson prefere ler quadrinhos e crônicas e teve acesso aos livros desde muito cedo.
“Na creche, que eu estudava tinha um dia na semana que a tia levava a gente e lia histórias muito legais. Eu gosto de ler porque fico imerso naquela história e sinto todos os sentimentos dos personagens”, conta. O adolescente é freqüentador da Biblioteca Lar Meimei, que fica localizada em Bairro Novo, em Olinda.
::Aplicativo conecta leitores e bibliotecas comunitárias em todo o país::
Ainda que o Brasil ocupe a 60ª posição entre 70 países de baixa média mundial em leitura, histórias como a de Rhayanne e a de Jadilson são possíveis pelo incessante trabalho das Bibliotecas Comunitárias espalhadas pelos bairros de todo o país. Muitas delas nascem da necessidade de garantir atividades para as crianças e os adolescentes moradoras das periferias e passam a ser referência de mobilizações e lutas, como é o caso da Amigos da Leitura.
Criada para entreter os alunos no intervalo das aulas de futebol, a Amigos da Leitura começou sendo uma mala de livros aberta na quadra em que acontecia o projeto social da comunidade. Agora, com uma sede no Alto José Bonifácio, coordenada pela Associação Cultural Esportiva Social Amigos, a Biblioteca muda a vida de muita gente.
Durante a pandemia a biblioteca está funcionando de forma diferente, fazendo encontros online e levando sacolas com alguns exemplares para as casas dos leitores. “Deixamos nas casas e eles depois devolvem com 1 mês ou 15 dias. Aí esses livros são guardados por um tempo para depois voltarem ao uso novamente, para não contribuir com a circulação do coronavírus”, conta Fábio Rogério Rodrigues, que é gestor e articulador da Amigos da Leitura.
Contexto pandêmico escancara ainda mais a falta de políticas eficazes para o fortalecimento das bibliotecas comunitárias / Divulgação
E é também nesse momento de pandemia que a Biblioteca vem construindo atividades de solidariedade, como forma de garantir a vida. “Estamos também e com foco na arrecadação de alimentos. Ano passado nós distribuímos milhares de cestas básicas e dentro delas tinham sempre um livro. Nós somos uma biblioteca que luta para garantir o acesso humano à literatura, o acesso aos livros, mas, também entendemos as muitas faces que precisamos garantir para que as pessoas consigam ler”, diz Fábio.
O contexto pandêmico também escancara ainda mais a falta de políticas eficazes para o fortalecimento das bibliotecas comunitárias. Em Pernambuco, está em vigor o Plano Estadual do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas de Pernambuco desde Agosto de 2020.
Entre as diretrizes do Plano estão o reconhecimento da literatura e da leitura como direitos humanos, por seu valor simbólico na construção de subjetividades, dos saberes e das identidades culturais; a democratização de acesso ao livro e à leitura como instrumento transformador da sociedade e mecanismo de exercício pleno da cidadania e a valorização e fortalecimento das bibliotecas públicas, escolares e comunitárias como equipamentos culturais dinâmicos, potencializadores de práticas de leitura e de vivências culturais numa perspectiva solidária. Mas, na realidade há pouco investimento público neste sentido.
Para o pesquisador Gabriel Santana, que desenvolveu um trabalho de mapeamento de bibliotecas comunitárias em Pernambuco, dividido em 4 etapas, o plano cumpre um papel importante no quesito da narrativa, mas, pouco na efetividade.
“O Estado tem uma política que discute o acesso ao livro, tem agentes mobilizados, mas, ele ainda atribui pouquíssimo recurso. Pra gente ver efetivamente a implementação da política, basta ver a quantidade de recurso que está sendo investido. Se formos ver na pasta de cultura do estado o que está sendo investido em biblioteca, é uma quantia pífia. Inclusive na biblioteca pública do estado. Em termos de política, legal, mas a realidade ainda mantém um cenário muito precário para as bibliotecas”, defende.
Gabriel também ressalta que os sujeitos que têm construído a resistência da política de acesso aos livros, e também a manutenção desses espaços, que não são públicos, mas, de uso público, que são as bibliotecas comunitárias, têm sido a sociedade civil organizada. “Se você for às bibliotecas comunitárias na cidade do Recife você vai encontrar os melhores acervos da literatura infanto-juvenil, sem sombra de dúvidas. Em detrimento até das bibliotecas públicas do estado e do município”.
Rede
Para conseguirem construir ainda mais possibilidades de funcionamento, mas não só, as bibliotecas têm se organizado em redes. A começar pela Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, até as redes estaduais, como é o caso das Biblioteca Amigos da Leitura e Lar Meimei, que é faz compõem a “Releitura – Bibliotecas comunitárias em Rede”.
A Releitura além de aglutinar bibliotecas pernambucanas, promove diversas ações de incentivo à leitura e dos direitos humanos, como mediações de leitura, cortejo poético, correio poético, mala de leitura, leitura em espaços públicos e debates que envolvem a cultura, direitos humanos e literatura.
A Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) reúne 11 redes de bibliotecas, como a Releitura e mais de 115 bibliotecas comunitárias, além também de produzir conteúdos sobre o cenário e os desafios dessas instituições. Além disso, a RNBC desenvolveu um aplicativo que conecta bibliotecas comunitárias entre si e com leitores, voluntários, colaboradores e parceiros. O Mapa da Leitura também indica a Biblioteca mais perto da sua localização.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga