O descumprimento da sentença do caso Damião Ximenes Lopes por parte do Estado brasileiro é alvo de audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), na manhã desta sexta-feira (23), às 11h. O evento é transmitido pelo canal da CorteIDH no Youtube.
Em 2006, a Corte determinou que o estado brasileiro indenizasse a família de Damião Ximenes Lopes, que foi torturado e morreu, em de outubro de 1999, nas dependências da Casa de Repouso Guararapes, conveniada ao Sistema Único de Saúde, em Sobral, no Ceará.
O caso estimulou a reforma psiquiátrica no Brasil, com a criação da Lei 10.216, de abril de 2001, que dispõe sobre os direitos e a proteção de pessoas portadoras de transtornos mentais, além de redirecionar o modelo assistencial à saúde mental. Além da indenização, o Estado brasileiro ficou obrigado a implementar um programa de formação e capacitação para profissionais de saúde mental.
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No entanto, 15 anos após a condenação e 20 após a criação da lei da reforma psiquiátrica, o Brasil não só não cumpriu as medidas estabelecidas pela sentença, como tem trilhado o caminho inverso, do desmonte da política de saúde mental no país.
O pedido para a realização da audiência faz parte de um trabalho realizado pela Justiça Global, entidade que atua como representante das vítimas. A solicitação destaca “os retrocessos nas políticas públicas de saúde mental no país, as condições desumanas e degradantes dos hospitais psiquiátricos e ressalta a importância da implementação integral da sentença”, conforme informou em nota.
“Maus tratos e tortura contra pessoas com transtorno mental é realidade em hospitais psiquiátricos do Brasil. As constantes violações dos direitos das pessoas com sofrimento ou transtorno mental escancara o desrespeito do Brasil com a dignidade da pessoa humana.”
Saúde mental sob demonte
A partir de 2016, os avanços da reforma psiquiátrica foram postos em xeque. Primeiro, com o Teto de Gastos, que congelou o investimento acima da inflação por vinte anos. Depois, por pressões para mudanças normativas sobre o tema.
Segundo Ana Paula Guljor, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), uma série de pequenas alterações vêm sendo realizadas desde então, envolvendo desde a redução do financiamento e do número da habilitação.
“Para se montar um serviço de atenção psicossocial, é preciso habilitá-lo. Isso envolve um procedimento técnico e burocrático. Em um determinado momento, se você não tiver alguma assinatura, não há a liberação do recurso. Muitos municípios brasileiros necessitam do fomento do governo para que os seus serviços funcionem”, explica Guljor.
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“Em 2017, uma reunião com representantes do governo federal e secretários estaduais de saúde pautou uma mudança muito grave na política de saúde mental. É uma nova legislação que aconteceu sem qualquer discussão ampliada, seja com os órgãos do controle social, com o conselho nacional de saúde, com a estrutura local de movimentos sociais ou com integrantes da academia – que, historicamente, dialogam na construção participativa e democrática dessa política”, afirma.
Damião Ximenes Lopes, vítima do Estado
Lopes foi internado na Casa de Repouso Guararapes com quadro de depressão grave. Na instituição, foi submetido à tortura física, comprovada pela necrópsia que constatou golpes, escorações no rosto, ombros, joelhos, pés e equimoses. Em uma das visitas à clínica, sua mãe, dona Albertina Viana Lopes encontrou o filho caído, nu, de mãos amarradas e desacordado. A um dos médicos, dona Albertina pediu ajuda e disse que o filho morreria ali se nada fosse feito. À ela, o médico respondeu: “todos vamos morrer” e se recusou a ajudar Lopes.
Em dezembro de 1999, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) iniciou o processo de investigação solicitado pela irmã de Damião, Irene Ximenes Lopes. Cinco anos depois, em 2004, a Justiça Global passou a atuar como peticionária no caso.
Edição: Vinícius Segalla