O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) “minou os esforços” para basear a reação brasileira à covid-19 em diretrizes científicas e “obstruiu uma resposta efetiva nas políticas de saúde”. As conclusões estão no livro Coronavirus Politics (Políticas do Coronavírus, em tradução literal), lançado nesta semana pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.
Em mais de 600 páginas, a publicação avalia a postura de 34 países frente à pandemia do coronavírus e analisa como decisões governamentais afetaram a saúde e a vida da população dessas nações. No caso do Brasil, o sistema de saúde consolidado poderia ter garantido a melhor resposta da América Latina, mas a política bolsonarista interrompeu esse processo.
Entre as nações da América Latina, o Brasil tem a melhor pontuação no Global Health Security Index, um sistema internacional que mede a preparação dos países para lidar com emergências de saúde pública. O desempenho brasileiro se deve à rede já consolidada de prevenção, presença de laboratórios de pesquisa e sistema de vacinação para todos, entre outros indicadores.
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“O Brasil possui um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Ele respondeu com sucesso a epidemias HIV / AIDS, hepatite C e H1N1 (Fonseca et al., 2019; Nunn, 2008).”, afirma o livro no capítulo dedicado ao país. A publicação destaca ainda o sistema de vigilância sanitária bem desenvolvido, infraestrutura adequada e leis apropriadas para o enfrentamento da emergência sanitária.
“Por que, então, um país que estava relativamente bem preparado para crises de saúde pública, que havia atuado de forma exemplar em epidemias anteriores, e que tem uma das maiores infraestruturas de saúde no mundo não é capaz de responder pronta e eficazmente à pandemia? O que deu errado?” , questiona o texto.
O peso da má liderança
É possível ter um vislumbre da resposta a esses questionamentos na postura política adotada pelo governo federal em meio à crise sanitária. O livro Coronavirus Politics avalia não apenas a capacidade dos sistemas de saúde, mas também a influência do autoritarismo, populismo e negacionismo na elaboração de respostas contra a pandemia.
Os 70 pesquisadores de saúde pública e da ciência política concentraram-se no que os gestores fizeram, “para o bem e para o mal”. Nessa análise, líderes de nações com forte capacidade estatal não foram competentes no uso dessa estrutura. Entre os exemplos, além de Bolsonaro no Brasil, estão Donald Trump (Estados Unidos), Sebastián Pinera (Chile) e Boris Johnson (Reino Unido).
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Trump e Bolsonaro se colocaram ao lado de um discurso anticiência e negaram a gravidade do problema. O presidente brasileiro insistiu na retórica de que a economia não poderia parar para o isolamento social, defendeu tratamentos falsos para a covid-19 e não conseguiu coordenar uma resposta nacional.
Para os autores da análise, é incoerente que Bolsonaro tenha impedido ações eficazes por supostamente temer consequências na economia, mas ao mesmo tempo tenha usado a concessão do auxílio emergencial para beneficar sua imagem. Ao não defender o isolamento, ele deixou o desgaste das medidas impopulares para governadores e prefeitos.
“Paradoxalmente, o presidente que obstruiu uma resposta eficaz da política de saúde acabou colhendo os benefícios de gastos sociais adicionais (…) Em um sistema federal, com serviço de saúde descentralizado, provou ser estratégico para o presidente evitar a culpa por medidas de saúde impopulares, equanto reivindicava o crédito pela provisão de políticas sociais que beneficiaram populações vulneráveis.”
Países felizes e países infelizes
No capítulo de conclusão do livro, os autores fazem referência à frase que abre a obra “Anna Karenina” de Leon Tolstói, “As famílias felizes são todas iguais; cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. Adaptada ao contexto da covid-19, a sentença é taxativa “Todos os países felizes são semelhantes em suas respostas ao COVID-19; cada país infeliz é infeliz à sua maneira”.
Para os pesquisadores e estudiosos que colaboraram com a publicação, “Um país feliz, no final de 2020, era aquele que usava intervenções não farmacêuticas, como máscaras ou fechamento de negócios, para conter a onda inicial da epidemia e, depois, construíram um suporte de testagem, rastreio e isolamento com sucesso”.
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São esses sistemas que permitiram que “uma variedade intrigante de nações”, como Canadá, Vietnã, Mongólia, Coreia do Sul e Nova Zelândia conseguissem voltar aos poucos à vida normal, mesmo antes da imunização.
O livro sugere que escolher essa opção demanda coragem política, capacidade de diálogo e trabalho coletivo, “Nenhum outro caminho para controlar ou eliminar COVID-19 antes das vacinas tornou-se disponível. Infelizmente, esse caminho era estreito e difícil de seguir”, conclui a obra.
Edição: Vinícius Segalla