“Lá vem o caveirão, mãe”, “vem pra dentro de casa, menino”, “tem polícia com o pé na porta, pai”, “cadê os documentos, meu filho?” Esse diálogo não é um mero arremedo. O medo e o açodamento são reais. Nas favelas e periferias do Rio de Janeiro, há um batalhão de pretos que ninguém vê, mas o tiro alcança.
A maioria, gente que trabalha de sol a sol, que suspira por dignidade, que segue as leis, mas é obrigada, insistentemente, a explicar que sua existência é honesta e, nem assim, tem seu direito básico e fundamental à vida respeitado.
A morte de Kathlen Romeu, aos 24 anos e grávida, na zona norte da cidade, causou furor nas redes sociais, ganhou destaque nos jornais e fez ecoar vozes indignadas de parte da sociedade, mas, amanhã, terá sido esquecida. Até quando nos sujeitaremos ao eterno retorno do sacrifício de crianças e jovens, as vítimas mais frequentes das atrocidades que se avolumam ano após ano?
Que futuro o estado planeja se insiste em exterminar aquelas que deveriam ser as faixas etárias mais promissoras e produtivas?
Os governos do estado do Rio vem tratando assim as suas populações. A estratégia e execução da política de segurança no estado revelam um quadro cruel e ao arrepio da lei, já que os dados dos órgãos de pesquisa apresentam um número expressivo de mortes violentas em decorrência da intervenção policial, mas que não apresenta igual volume quando o assunto é a redução do crime organizado ou do tráfico de armas e drogas.
Seriam então as mortes violentas a própria finalidade dessa política?
Quando defensoras e defensores de direitos humanos nomeiam a política de segurança do estado como desastrosa, estão dizendo em alto e bom som que esta política deveria garantir a vida.
Mas há pouco mais de uma década, o que é possível perceber da execução dos planos da segurança pública para parte da população fluminense, é que existe um plano em desenvolvimento, e que este pode ser caracterizado como “exitoso”, pelas práticas e pronunciamentos de quem está à frente do Executivo estadual. Contudo, parece que o que já era ruim, tem se demonstrado pior.
Nas favelas e periferias há bandidos, o que também não falta na zona sul ou na Barra da Tijuca, nos condomínios de luxo como o Vivendas da Barra, onde vivia o presidente da República até assumir o Palácio do Planalto. O que nos difere – quem tem origem favelada e quem vive entre os túneis e o mar – é o tratamento dado pelo estado. Se o ex-governador Wilson Witzel ameaçava “mirar na cabecinha”, o seu substituto, Cláudio Castro, acerta. E comemora, enquanto as famílias choram seus mortos.
Por que mesmo os pretos e favelados são alvos preferenciais de blindados e equipamentos bélicos e seus disparos autorizados por sucessivos governos?
Por que a insistência em nos repartir como sociedade como se formássemos uma casta inferior e não merecedora do mesmo cuidado e da mesma atenção que são dados aos privilegiados por sua cor e sua condição social e econômica além-túnel? É urgente, portanto, que os direitos humanos pautem as ações do estado.
Mas não chegaremos a nenhuma mudança sem que todos entendam que as mortes precoces e violentas precisam de um basta sonoro e definitivo. Pelo presente, para que cessem as dores. Pelo futuro, para que sejamos uma sociedade melhor.
*Dani Monteiro é presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Edição: Mariana Pitasse