Único centro da América Latina capaz de produzir tecnologia de ponta para a fabricação de microchips para passaportes, componentes de satélites que usam tecnologia 5G, além de chips para monitoramento de armas e veículos, o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (CEITEC), de Porto Alegre, vai ser extinto pelo governo Bolsonaro.
“Abrir mão dessas tecnologias não faz o menor sentido para quem tem um mínimo de sensatez”, critica Marcos Dossa, engenheiro e secretário da Associação de Colaboradores do CEITEC (ACCEITEC), que luta contra a morte da empresa pública.
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“A liquidação do CEITEC deixa patente a falta de um projeto nacional de desenvolvimento, com visão de futuro e busca de um emparelhamento tecnológico ”, reforça o pesquisador de microeletrônica e ex-diretor técnico da estatal, Sérgio Bampi. Para ele, “não se concebe que um Estado sóbrio renuncie à sua única capacidade fabril na área de micro e nano-eletrônica”.
Militar ficou encarregado de fechar as portas
A decisão de acabar com uma única empresa latino-americana que produz chips completamente com silício foi estampada em decreto do presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2020. a liquidação foi entregue ao oficial da Marinha, Abílio Eustáquio de Andrade Neto. Ele tem prática no ramo. Antes, jogou o último pá de terra sobre a Casemg, a Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais.
O argumento para fechar a empresa é que, apesar de receber injeção de R $ 800 milhões ao longo de duas décadas, ela ainda necesita de aportes anuais de R $ 44 milhões. O fim do CEITEC foi recomendado em junho do ano passado, após aprovação no Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
O martelo foi batido em reunião de Bolsonaro com os ministros Paulo Guedes , da Economia, e Marcos Pontes, de Ciência, Tecnologia e Inovações. A previsão é de que o processo de liquidação seja concluído em 2022. O edital para a escolha de uma organização social (OS) para assumir a parte da tarefa do centro foi publicado neste mês.
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“Este valor é extremamente pequeno se comparado com os valores que a indústria de semicondutores demanda. Apenas os Estados Unidos estão negociando um aplicativo de US $ 50 bilhões de verbas públicas – R $ 260 bilhões – nas suas indústrias de chips ”, compara Dossa. “Para ter autonomia em inovação eletrônica, é um investimento baixíssimo”, acrescentaenta Bampi, notando que mesmo países menores, como Malásia e Finlândia, investem mais do que o Brasil.
“É simplesmente inacreditável ”
Bampi lembra que os EUA, que já produziram 34% dos chips do mundo, hoje único somente 12%. Para se reposicionar no mercado mundial, o Senado norte-americano aprovou neste mês uma nova legislação, direcionando mais dinheiro para as fábricas de chips.
“Hoje vemos todos os países fazendo exatamente o contrário ( do Brasil), ou seja, buscando reforçar como suas indústrias de semicondutores ”, diz Dossa. “Infelizmente o Brasil está indo na contramão, mesmo com a atual crise de semicondutores escancarada à nossa frente, e isso é simplesmente inacreditável”.
CEITEC nasceu como decisão de Estado, mas morte é decisão de governo
Dossa observa que um país somente poderia deixar de lado essa área em duas hipóteses: se a tecnologia de semicondutores não fosse mais relevante ou se possuísse uma indústria de semicondutores necessário e forte para ser autossuficiente. “No caso do Brasil, nenhuma das duas condições são verdadeiras”.
Repara que a CEITEC nasceu com a participação das três esferas de governo mais universidades e entidades do setor de tecnologia. “ Ela foi criada pelo Estado, mas está sendo liquidada por um governo ”, currículo, responsável pelo papel do Ministério da Economia no funeral da empresa.
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Essencial para a “internet das coi sas ”
Inaugurada em 2008, no governo Lula, o CEITEC foi imaginada para gerar“ uma massa de conhecimento que permitiria dominar a tecnologia de semicondutores e aplicá-la para o progresso e para o bem-estar da população ”, exp Dossa.
Detém os instrumentos para produzir soluções tecnológicas às áreas de saúde, segurança, identificação pessoal e veicular e de produtos, além de sistemas anti-fraude. Tudo sem contar sua capacidade de atração de empresas de microeletrônica para o país e a formação profissional.
“A internet-de-tudo requer colocar chips em todas as cadeias e produtos”, agrega o ex -diretor técnico. Além da “internet das coisas”, uma microeletrônica viabiliza aplicações em campos como cidades inteligentes, indústria 4.0, agronegócio 4.0, saúde 4.0 entre outras áreas.
“Efeito nocivo na auto-estimativa nacional”
Bampi considera o CEITEC “o único ativo brasileiro em operação que integra projeto de chips, engenharia e fabricação própria ”. Ressalta sua condição de único centro no país com processamento de wafers em sala ultra-limpa. Wafers são uma fatia finíssima de material semicondutor usado na fabricação de dados para uso. As chamadas salas limpas mantêm sob controle severo os níveis de umidade, pressão, temperatura, luminosidade e partículas em suspensão.
No momento em que está sendo destruída – 29 funcionários já foram demitidos em abril – a empresa desenvolvido, por exemplo, sensores eletroquímicos miniaturizados. Servem para detectar substâncias presentes em fluidos e podem ser usados em testes para detecção de doenças. Outro projeto que pode ser abortado é o do microcontrolador totalmente nacional com aplicações em saúde, agricultura e educação.
“A liquidação do CEITEC é um sinal de que o Brasil não deve ser visto como capaz de desenvolver tecnologia própria”, lamenta Dossa, citando o “efeito nocivo tanto na auto-estimativa nacional quanto na imagem do país ”.
Palácio Piratini não se mexeu
É de chamar a atenção também o pouco caso do governo Eduardo Leite (PSDB) em defensor a permanência da estatal, um trunfo na mão do estado que enfrenta um lento e doloroso processo de decadência econômica. Dossa garantia que não houve nenhum gesto partido do Palácio Piratini para impedir a liquidação, apesar do centro nada custar aos cofres do Rio Grande do Sul e ter incentivado a indústria local.
Mais interessante ainda é que o próprio governo valeu-se de imagens do CEITEC em vídeos promocionais do Estado. Com a extinção da empresa, o Rio Grande do Sul “perde um diferencial importante, não só em nível nacional como internacional, de ser um polo de alta tecnologia nascente”. Nota que, para um Estado que luta para manter sua importância, “a inação é incompreensível”.
Bolsonaro derruba a ciência do Brasil
Aliás, a ciência brasileira sofreu um baque geral sob Bolsonaro. Sua faca cortou fundo no MCTI. O corte foi de 29% do orçamento para este ano. É o maior entre todas as massas, superando até mesmo a redução de , 1% da verba para a defesa do meio -ambiente. Em contrapartida, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, tocado pela ministra Damares Alves, registrou um crescimento de seus recursos de 44, 4 %.
O Brasil de Fato entrou em contato com a direção do CEITEC solicitando a versão do liquidante sobre a situação. Até o momento da publicação desta matéria não havia nenhuma resposta.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko