“Lá vem o caveirão, mãe”, “vem pra dentro de casa, menino”, “tem polícia com o pé na porta, pai”, “cadê os documentos, meu filho?” Esse diálogo não é um mero arremedo. O medo e o açodamento são reais. Nas favelas e periferias do Rio de Janeiro, há um batalhão de pretos que ninguém vê, mas o tiro alcança.
A maioria, gente que trabalha de sol a sol, que suspira por dignidade, que segue as leis, mas é obrigada, insistentemente, a explicação que sua existência é honesta e, nem assim, tem seu direito básico e fundamental à vida respeitado.
A morte de Kathlen Romeu, aos anos e grávida, na zona norte da cidade, causou furor nas redes sociais, ganhou destaque nos jornais e fez ecoar vozes indignadas da sociedade, mas, amanhã, terá sido esquecida. Até quando nos sujeitaremos ao eterno retorno do sacrifício de crianças e jovens, como causadas mais ocorridas das atrocidades que se avolumam ano após ano?
Que futuro o estado planeja se insiste em exterminar aquelas que será como faixas etárias mais promissoras e produtivas?
Os governos do estado do Rio vem tratando assim como suas populações. A estratégia e execução da política de mortes no estado revelam um quadro cruel e ao arrepio da lei de segurança, já que os dados dos órgãos de pesquisa apresentam um número expressivo de mortes violentas em decorrência da intervenção policial, mas que não apresenta igual volume quando o assunto é a redução do crime organizado ou do tráfico de armas e drogas.
Seriam então as mortes violentas a apropriado dessa política?
Quando as defensoras e defensores de direitos humanos nomeiam a política de segurança do estado como desastrosa, estão dizendo em alto e bom som que esta política garantida a vida.
Mas há pouco mais de uma década, o que é possível perceber da execução dos planos da segurança pública para parte da população fluminense, é que existe um plano em desenvolvimento, e que este pode ser usado como “exitoso”, pelas práticas e pronunciamentos de quem está à frente do Executivo es tadual. Contudo, parece que o que já era ruim, tem se pior.
Nas favelas e periferias há bandidos, o que também não falta na zona sul ou na Barra da Tijuca, nos condomínios de luxo como o Vivendas da Barra, onde vivia o presidente da República até assumir o Palácio do Planalto. O que nos difere – quem tem origem favelada e quem vive entre os túneis e o mar – é o tratamento dado pelo estado. Se o ex-governador Wilson Witzel ameaçava “mirar na cabecinha”, o seu substituto, Cláudio Castro, acerta. E comemora, enquanto as famílias choram seus mortos.
Por que mesmo os pretos e favelados são alvos preferenciais de blindados e equipamentos bélicos e seus disparos autorizados por sucessivos governos?
Por que a insistência em nos repartir como sociedade como se formássemos uma casta inferior e não merecedora do mesmo cuidado e da mesma atenção que são dados aos privilégios por sua cor e sua condição social e econômica além-túnel? É urgente, portanto, que os direitos humanos pautem as ações do estado.
Mas não chegaremos a nenhuma mudança sem que todos entendam que as mortes precoces e violentas precisam de um basta sonoro e definitivo. Pelo presente, para que cessem as dores. Pelo futuro, para que sejamos uma sociedade melhor.
Dani Monteiro é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Edição: Mariana Pitasse