Nesta segunda-feira (5), a Venezuela completa 210 anos da sua independência, um processo que representou uma mudança de paradigma não só para o país, mas para toda a região. O venezuelano Simón Bolívar libertou a Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Panamá, promovendo pensamento de integração da América.
Desde que o ex-presidente Hugo Chávez assumiu o poder, a Venezuela passou a carregar Bolívar no seu nome: República Bolivariana da Venezuela, e no seu processo de transformações: Revolução Bolivariana.
“A visão de Bolívar sempre representou um impulso para que o povo latino-americano busque uma vida melhor. Sem independência não há liberdade e sem liberdade não pode haver independência”, defende a historiadora e internacionalista Diana Pérez.
:: O legado de Simón Bolívar na América Latina de hoje ::
“O projeto da Gran Colômbia foi paralisado em 1830, quando Bolívar faleceu. Durante todo o século XIX e XX, a Venezuela teve sua soberania limitada a interesses estrangeiros. Éramos um provedor de materiais agrícolas e depois de hidro carburantes. Com a vitória de Chávez e a aprovação popular de uma nova constituição iniciou um grande resgate do processo histórico que define nossa soberania, nossa identidade cultural, nosso território e a unidade nacional”, analisa o presidente do Instituto Simón Bolívar, Alejandro López.
No Congresso de Angostura (1819-1820), Simon Bolívar fundou a Segunda República, defendendo um projeto que garantizasse a ‘máxima soma de felicidade’ ao povo – Nawseas / Nawseas
Nos seus discursos, Chávez defendia a autodeterminação dos povos, o fortalecimento da soberania do país e a integração regional. A “árvore de três raízes” seria o sustento da revolução: pensamento de Simón Rodríguez, tutor de Bolívar, que propõe uma educação emancipadora para a criação de repúblicas de mulheres e homens livres; as ideias de Simon Bolívar, que buscava unir todos os povos americanos em torno a um projeto de igualdade, justiça e liberdade; e de Ezequiel Zamora, outro líder da independência venezuelana, que representava a rebeldia e luta pela dignidade dos povos.
:: Artigo | Nós e a revolução bolivariana ::
Com esta base, o processo bolivariano promoveu internamente a escrita de uma nova constituição, aprovada em plebiscito popular, a criação de missões e programas sociais, que erradicaram o analfabetismo no país, em 2005, sendo a segunda nação a atingir essa menta na região, logo depois de Cuba; de 1999 a 2019 reduziram pela metade a taxa de desemprego; e 31% a taxa de pobreza, entre 2003 e 2014. Também construíram mais de 3 milhões de casas entre 2011 e 2021, como parte da Missão Vivenda e, apesar da crise econômica, permanecem destinando 76% do orçamento público em programas sociais.
Já no âmbito internacional, Chávez foi protagonista na promoção de novos mecanismos de integração regional, como a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), a União das Nações do Sul (Unasul) e a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba-TCP).
No entanto, os últimos seis anos constituíram uma das etapas mais críticas do processo revolucionário venezuelano. A aplicação do bloqueio econômico, em 2015, provocou cerca de US$ 130 bilhões de dólares em perdas, reduzindo em 60% o PIB do país e a produção petroleira – carro chefe da economia, considerando que o país possui a maior reserva de petróleo do mundo.
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Depois de reduzir a desnutrição infantil de 25% a 8,7% no início dos anos 2000, o país voltou a conviver com a fome.
Com a limitação de crédito internacional, de transações no mercado petroleiro, geradas pelo embargo, a Venezuela começou a depender ainda mais das relações estratégicas com alguns aliados, como Rússia e China. A dependência abriu o debate dentro do chavismo sobre as capacidades do Estado de manter intacta a soberania nacional.
“Apesar das dificuldades que o bloqueio nos impõe, o povo pode continuar tomando as decisões com independência. E é porque estamos mantendo esses elementos, que a agressão continua”, defende López.
As mulheres representam 80% da liderança de organizações comunitárias na Venezuela e também assumem a tarefa de defesa do país, compondo as Forças Armadas e a Milícia Bolivariana / Nawseas
Como resposta aos limites impostos pelo sistema capitalista, Chávez, em 2021, no seu discurso intitulado Golpe de Timón declarou “comuna ou nada”, como uma nova forma de autogoverno, autogestão e de poder popular capaz de contrapor o modelo hegemônico.
Hoje existem cerca de 3 mil comunas registradas em todo o país. As comunas representam a organização popular no território. Tanto no campo, como na cidade, os venezuelanos se unem para produzir alimento, para reivindicar o direito à saúde e educação, para eleger seus próprios representantes políticos e agora também deverão ser capazes de se autogovernar.
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“Podemos considerar o poder comunal como uma visão de transformação do Estado, que leva em conta muitos aspectos históricos latino-americanos. Busca mudar a ordem estabelecido, é uma nova modalidade política e tem sido criticada por isso”, afirma Diana Pérez.
A Assembleia Nacional debate o projeto de criação de 200 cidades comunais e de regulamentação dos parlamentos comunais. A lei daria maior independência financeira às comunas, que passariam a governar territórios, podendo captar impostos e destinar recursos públicos com base no autogoverno.
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Através do fortalecimento do poder popular, a Venezuela busca driblar as dificuldades impostas pelas potências capitalistas e construir um novo modelo social, econômico e político.
“Os povos mostram que apesar dos bloqueios é possível desenvolver uma convivência política econômica com autonomia. A 210 anos da sua independência a Venezuela está em pleno desenvolvimento de construção da sua soberania sob o princípio da autodeterminação”, conclui o historiador Alejandro López.
Edição: Vivian Virissimo