O Dia Internacional da Agricultura Familiar, 25 de julho, vai ser comemorado com a partilha de alimentos da reforma agrária no Paraná. Nove comunidades rurais da região centro do estado vão antecipar as ações em referência à data para esta sexta-feira, dia 23. Elas se mobilizam para doar pelo menos 50 toneladas de alimentos e sete mil litros de leite a quem enfrenta dificuldades de garantir comida na mesa neste período de crise econômica e pandemia da covid-19.
:: Feijão agroecológico produzido pelo MST no Paraná alimenta também a solidariedade ::
Arroz, feijão, mandioca, batata, abóbora, frutas, legumes e verduras diversas estão entre os itens que chegarão a famílias urbanas de Quedas do Iguaçu e Espigão Alto do Iguaçu, na manhã do dia 23. Cerca de mil famílias do povo kaingang da Terra Indígena Rio das Cobras, do município de Nova Laranjeiras, também vão receber as doações, na tarde do mesmo dia. Boa parte dos alimentos têm origem agroecológica, produzidos sem uso de agrotóxicos.
Imagem da doação de alimentos realizada na Terra Indígena Rio das Cobras, em julho de 2020 / Foto: Breno Thomé Ortega
Jonas Natan, camponês integrante da coordenação da comunidade Dom Tomás Balduíno e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), faz parte do grupo que organiza a atividade. Ele enfatiza o papel da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar na produção dos alimentos que chegam à mesa da população. “O MST, além de fazer essa ação solidária, quer deixar uma alternativa para sociedade para superar a fome e a desigualdade. Este caminho é a reforma agrária”, diz.
“A gente quer compartilhar aquilo que produzimos com a população da cidade. Espero que eles recebam a nossa contribuição que vem do fundo do coração do camponês, que tem a alma solidária, para que a gente possa passar por esse momento difícil junto”, completa o agricultor.
Praça São Pedro em Quedas do Iguaçu, na abertura da ação de solidariedade realizada pelas famílias Sem Terra em julho de 2020 / Foto: Breno Thomé Ortega
Oito das nove comunidades que participam da ação integram o MST, somando mais de duas mil famílias: em Quedas do Iguaçu são os assentamentos Celso Furtado e Rio Perdido; e os acampamentos Vilmar Bordin, Dom Tomás Balduíno, Fernando de Lara e Leonir Orbach. Já em Espigão Alto do Iguaçu estão o acampamento Segunda Conquista (conhecido como Solidor) e o assentamento Primeira Conquista (conhecido como Bracatinga). Também participa da mobilização a comunidade Araucária, de Quedas Iguaçu, não integrante do Movimento.
Conquista do CAD/PRO
Além do gesto de solidariedade e protesto contra o crescimento da fome, a iniciativa será uma forma de comemoração da conquista do Cadastro de Produtor Rural (CAD/PRO) por mais de 800 famílias acampadas em Quedas do Iguaçu. As emissões ocorreram nas últimas semanas, respondendo a uma reivindicação antiga das famílias camponesas acampadas, e também a uma nota técnica emitida pelo Ministério Público do Paraná, publicada em março.
Leni Alves de Campos, moradora do acampamento Dom Tomás Balduíno / Foto: Márcio Luiz Zanetti
O órgão orienta que as prefeituras incluam no CAD/PRO famílias acampadas, que vivem em pré-assentamentos, posseiros e filhos de assentados. Com a medida, os produtores acampados têm suas atividades agropecuárias reconhecidas, passam a ter o direito de venderem formalmente os alimentos que produzem e a pagar tributos ao município.
A origem da comida farta
As mais de duas mil famílias envolvidas na mobilização têm em comum a luta pelo direito à terra para produzir alimentos e conquistar uma vida digna. A maior parte das comunidades onde hoje vivem as famílias camponesas já estiveram sob domínio de um dono, a madeireira Giacomet Marodin, atual Araupel. Pelo menos 83 mil hectares de terras públicas, que abrange diferentes municípios da região, foram adquiridos de forma grilada pela empresa em 1972.
Doações em Quedas do Iguaçu / Foto: Juliana Barbosa/MST-PR
A primeira ocupação em áreas exploradas pela madeireira ocorreu em 17 de abril de 1996, em Rio Bonito do Iguaçu, e iniciou a luta para denunciar e cobrar reforma agrária nas áreas griladas. Em agosto do ano seguinte, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) formalizou a criação do assentamento Ireno Alves dos Santos, com 900 famílias – maior assentamento do Brasil até 2002, quando foi criado em Quedas do Iguaçu o assentamento Celso Furtado, com 1200 famílias. Nos anos seguintes, novos acampamentos e assentamentos foram criados na região.
A confirmação da prática de grilagem veio em agosto de 2017, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) declarou nulos os títulos de propriedade da madeireira Araupel ocupada pelo MST. A determinação foi resultado de uma ação judicial movida pelo Incra, em 2014. Há dez anos, o Instituto contestava a validade dos títulos do imóvel localizado entre os municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu.
Ações de solidariedade do MST na pandemia
As ações fazem parte da campanha nacional do MST em solidariedade a quem enfrenta o desemprego e a fome neste período de crise sanitária aprofundada pelo governo Bolsonaro. Mais de 116,8 milhões de pessoas não têm o suficiente para se alimentar ou passam fome – segundo pesquisa feita em dezembro de 2020 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Esse número representa mais da metade da população brasileira.
Em todo o país, já foram partilhadas mais de cinco mil toneladas de alimentos e um milhão de marmitas. As famílias Sem Terra do Paraná partilharam mais de 700 toneladas de alimentos saudáveis desde o início da pandemia – de março até agora. Somente as famílias camponesas de Quedas do Iguaçu e Espigão já compartilharam mais de 65 toneladas de alimentos, para além da ação desta sexta. Foram pelo menos 120 ações de doação de alimentos in natura e industrializados, com participação de mais de 60 acampamentos e 130 assentamentos do estado.
Famílias Sem Terra de assentamentos e acampamentos fizeram a doação no dia 1 de maio de 2021 / Foto: Juliana Barbosa/MST-PR
Desde maio de 2020, o MST também coordena a ação Marmitas da Terra, que produz e distribui refeições a pessoas em situação de rua e moradoras da periferia de Curitiba e Região Metropolitana. Pelo menos 1.100 marmitas são doadas todas as quartas-feiras, num total de mais de 66 mil refeições até agora, produzidas principalmente com alimentos vindos de áreas da Reforma Agrária.
Além das mobilizações na região Centro, o Coletivo Marmitas da Terra produziu e doou duas mil marmitas na última quarta-feira (21), em Curitiba e região. Outras 300 cestas de alimentos foram doadas para famílias da comunidade urbana Vila União, localizada no Tatuquara, também na capital. A ação é organizada desde junho de 2020 por um grupo de entidades, pastorais, sindicatos e movimentos, entre eles o MST.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini