A era digital tem proporcionado novas experiências artísticas e museológicas. De um lado, há museus tradicionais disponibilizando acesso aos seus acervos por meio da internet. De outro, novas exposições já nascem convidando o público para uma experiência no ambiente virtual. A pandemia de covid-19, que levou ao fechamento temporário de diversos espaços culturais, ampliou ainda mais as provocações aos artistas acerca do potencial da internet.
Produzida nesse contexto, a galeria multimídia virtual Centennials, que será lançada hoje (8), busca estimular reflexões a partir da expressão de adolescentes que estão crescendo em meio às oportunidades e pressões da cibercultura. São jovens que não chegaram a conhecer o mundo sem a internet.
“Não acho que seja um retrato de uma geração, porque cada geração tem várias camadas. Mas é um trabalho sobre aquilo que está sempre muito presente na adolescência, que é a necessidade de rompimento, de reinvenção, de renascimento, de desconstrução. Precisamos cada vez mais aprender a lançar o olhar para o outro sem julgamentos, sem querer interpretar o outro a partir da nossa própria caixinha. Então, propomos um encontro com estes limiares múltiplos”, explica a fotógrafa mineira Márcia Charnizon, que assina o trabalho.
Usando fotografias, áudios, vídeos, desenhos e poesia, a galeria multimídia busca explorar, de forma poética, imagens e discursos de jovens entre 16 e 19 anos que destoam dos padrões de estética, de comportamento e de sexualidade estabelecidos pela sociedade.
“Escolhi me encontrar com mulheres cis, transgêneros e pessoas não binárias e deixá-las aparecer. Meus trabalhos têm essa dinâmica. É como eu entendo a fotografia. Deixar o outro aparecer para ver como a pessoa ressoa dentro da gente. Acredito nesse movimento”, diz Márcia.
O lançamento ocorrerá às 18h com a apresentação online de um minidocumentário sobre a produção da galeria e, em seguida, haverá uma live no Instagram com a presença de adolescentes que participaram do projeto.
A galeria, no entanto, já está no ar. Pessoas com deficiência auditiva ou visual também podem ter acesso ao conteúdo por libras e por descrições.
Márcia conta que o projeto nasceu de uma inquietação pessoal diante da entrada de seus filhos na adolescência.
“É um sentimento interno que mistura um pouco de abandono com o desconhecido e com o descontrole. Essa percepção de que eu não controlo mais e que eu preciso me reinventar. É como se eu estivesse entrando em um outro planeta. E aí eu via as amigas coloridas dos meus filhos. Coloridas em todos os sentidos da palavra. Tinha muita vontade de escutar essas pessoas, saber o que elas pensam”, disse.
“E é um período onde há um hiato: a gente quer conversar com os filhos, mas os filhos não querem conversar com a gente. É um momento da vida que é bonito, que é justamente um momento de rompimento e que é necessário”, avalia.
Para a fotógrafa, os discursos desses jovens imersos na cibercultura revelam que mudanças de paradigmas estão em andamento. “Há pouquíssimo tempo, não sabíamos, por exemplo, o que era um relacionamento tóxico. A gente vive dentro de uma estrutura patriarcal. Mas há uma desconstrução acontecendo e, quando ouvimos essas pessoas, percebemos isso. É muito forte”.
Plataforma virtual
Explorar artisticamente as plataformas virtuais é algo que abre novas oportunidades na visão de Márcia. Segundo ela, a galeria Centennials será como um livro colocado no mercado e ficará disponível aos interessados por tempo indeterminado.
“Eu pensei esse trabalho inicialmente como uma instalação multimídia presencial, mas eu precisaria de um patrocinador. Não é barato. Aí apareceu o edital e eu consegui um recurso, que era limitado, mas me possibilitava fazer a galeria virtual. E foi um desafio, veio uma enxurrada de novidades”, conta a fotógrafa.
Márcia, que tem no currículo a conquista do XIII Prêmio Funarte de Fotografia, desenvolveu o projeto através da Lei Aldir Blanc, recebendo verba do Ministério do Turismo e do governo de Minas Gerais. “Deu uma força em um momento difícil. Sem esse apoio, não faria a galeria”, avalia.
A Lei Aldir Blanc ganhou esse nome em homenagem ao compositor que faleceu devido a complicações com a covid-19 no ano passado. Trata-se de uma ação emergencial específica para apoiar o setor cultural em meio à pandemia.
Demandada pelos artistas, ela foi aprovada no Congresso Nacional com apoio de parlamentares da base do governo e da oposição. A União ficou responsável por repassar aos estados e municípios R$ 3 bilhões, que poderiam ser empregados de diferentes formas: renda emergencial aos artistas, subsídios para manutenção de espaços, empresas e instituições culturais, editais para realização de eventos ou para produção cultural, entre outros.