A fim de justificar sua atuação, mineradoras prometem levar prosperidade, empregos e bem estar às regiões onde atuam. Mas qual é, de fato, a situação de quem vive, se alimenta e produz alimentos nos municípios que são atingidos pela mineração?
“A minha alimentação piorou”
Na comunidade de Ilha Brava, em Governador Valadares (MG), não havia extração de minério, mas, a 270 km dali, em Mariana, uma barragem da Samarco (Vale e BHP) rompeu em 2015, lançando mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos na bacia do Rio do Doce. A comunidade, que dependia do rio para a pesca e agricultura, teve sua vida alterada de maneira abrupta.
A ilheira Joelma Fernandes faz o cultivo agroecológico de mandioca, batata-doce, legumes, verduras, limão, manga e carambola para o consumo próprio e para a venda em uma feira de agricultura familiar da cidade. A maior parte do plantio ocorre em uma ilha fluvial, sem uso de agrotóxicos. “A cada enchente que tinha, a água subia e vinha um composto orgânico que renovava a terra”, recorda.
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Com o rompimento da barragem da Samarco, o solo foi contaminado, as áreas de plantio diminuíram, a produção caiu e os custos aumentaram. “A gente gasta gasolina para irrigar a ilha. A conta de luz também aumentou e produzir ficou mais caro. Onde vendia 100, passamos a vender 40, 30 unidades. A gente vende mandioca pra comprar arroz!”, reclama Joelma.
Após o crime, a Samarco e o Ministério Público de Minas Gerais assinaram um acordo prevendo o pagamento, aos que perderam sua fonte de renda, de um auxílio mensal de um salário mínimo mais 20% por dependente, além do valor de uma cesta básica. No começo de 2021, a Justiça Federal estendeu o pagamento do auxílio até o fim deste ano.
Antes, Joelma vivia com uma renda familiar de mais de R$ 6 mil mensais. Hoje, somando o auxílio e o que ela tira da produção, a renda caiu pela metade, para o sustento de Joelma, quatro filhos e três netos. Outra perda foi não poder mais pescar. “Antes, a gente comia peixe durante a semana e só comprava carne bovina para fazer churrasco no fim de semana. Hoje, minha alimentação piorou e eu pago mais caro”.
“Mineração quebra a cadeia alimentar”
Mesmo onde barragens não foram rompidas, a produção e o consumo de alimentos sofrem os impactos da mineração desde que o empreendimento é instalado. O tema foi discutido em documento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2017, o “Atlas: mapeando os objetivos do desenvolvimento sustentável na mineração”.
“As empresas de mineração devem considerar o impacto das operações nos meios de subsistência dos seus vizinhos e identificar maneiras de construir a confiança e evitar ou minimizar os impactos negativos”, defende o texto das Nações Unidas, convidando as empresas a adotarem como metas a manutenção de terras e gado livres de contaminações, melhorar a gestão das bacias hidrográficas, promover o aumento produtividade agrícola e combater a desnutrição infantil e a fome.
Não tem sido essa, porém, a prática das mineradoras na maioria dos casos.
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“A mineração quebra a cadeia alimentar, comprometendo a sobrevivência das pessoas”, avalia Marta de Freitas, da coordenação do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Segundo ela, frequentemente, os empreendimentos expulsam a agricultura familiar e de subsistência, seja porque competem com os agricultores pela posse da terra, seja porque geram escassez de água, o que é comum em cidades mineradas.
A engenheira agrônoma Anna Crystina Alvarenga, integrante da Articulação Mineira de Agroecologia (AMA), observa que a produção agrícola tem sido profundamente afetada.
“Percebe-se uma alteração nos recursos hídricos e também no clima. Há contaminação do solo, alteração das características físicas. Há um impacto muito grande na garantia de uma produção agrícola efetiva ou aquela a que os agricultores estavam acostumados, na capacidade quantitativa de produção”, explica.
Dependência, migração e carestia
Governos constroem infraestruturas para as mineradoras. No curto prazo, torna-se mais rentável para quem tem algum dinheiro prestar serviços à mineração do que investir em outras atividades. O setor passa a ser, então, a principal fonte de ocupação e renda no município.
“Ou você trabalha para a mineração ou você trabalha para quem presta serviços à mineração ou você não tem emprego”, afirma Marta de Freitas.
Em busca de emprego, trabalhadores de outras regiões do estado ou do país migram para as cidades mineradas. Os preços do aluguel e dos alimentos sobem.
Como a mineração não dá duas safras, tempos depois, os postos de trabalho são fechados e não restam outras opções para grande parte dos empregados.
Tem sido assim em Parauapebas, na região Sudeste do Pará. Ex-funcionário da Vale e morador do assentamento de reforma agrária Palmares Sul, Evaldo Fideles conta que a implementação dos projetos da empresa na região causou uma explosão populacional na comunidade. “Agora, tem gente de todo o Brasil aqui”.
De acordo com Evaldo, a mineração também fez migrar para o meio urbano parte da mão de obra do campo.
“A nossa juventude voltou muito a sua visão para a prestação de serviços nesses empreendimentos. O cara ganha entre R$ 1.100 e R$ 1.600 para trabalhar muito. Depois, fica desempregado e vai para a fila do Sine [o Sistema Nacional de Emprego]. Quando vão fazer a implantação de um projeto, a construção civil emprega 1 mil pessoas. Só que, com seis meses, a obra acaba e reduz para 200. O outros 800 vão para onde?”, questiona.
A carestia é outro efeito sentido pela população. “Aqui, para fazer uma compra básica do mês, se gasta R$ 800. O custo de vida é muito alto. Trabalhando em Carajás, conheci vários operadores que vieram de Ouro Preto e, com três meses, pediam para serem mandados de volta ou ser mandados embora porque, com o salário que viviam bem na sua cidade, não viviam bem aqui”, argumenta.
Adoecimento
Algo semelhante ocorre no município de Barão de Cocais, na Região Central de Minas Gerais. Há anos, a cidade recebe trabalhadores de outras regiões, em busca de emprego na Vale ou em suas prestadoras de serviços. Eles vão viver em alojamentos, tentam economizar o que recebem e mandar algum dinheiro para a família.
O psicólogo Júnior Vilhena diz que a alimentação em Cocais é muito mais cara do que em outras cidades onde já morou. “A compra que eu fazia para um mês e meio em Viçosa não chega ao fim do mês aqui”.
Vilhena, que atende em um abrigo da prefeitura, afirma que são frequentes os casos de funcionários com problemas de adoecimento mental, alcoolismo e perda do emprego.
“A pessoa às vezes sabe que vai comer aqui e agora. O amanhã depende da empresa, se vai conseguir trabalhar ou não. Se está em situação de rua, não há nenhuma certeza. No abrigo, a prefeitura fornece a alimentação.”
Em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, mais de 4 mil moradores de outras cidades chegaram para trabalhar em obras de reconstrução de infraestruturas destruídas pelo rompimento de uma barragem da Vale, há dois anos.
Reinaldo Fernandes, editor do jornal De Fato e integrante da articulação Somos Todos Atingidos, organizou, com o movimento popular e sindical, uma campanha de solidariedade para distribuir alimentos a esses trabalhadores na pandemia.
“Nós chegamos a ajudar um grupo aqui em Brumadinho que alugou uma casa, mas, dentro da casa, não tinha panela, não tinha nada”, recorda.
A reportagem tentou contato com alguns dos trabalhadores de Parauapebas, Barão de Cocais e Brumadinho, mas eles não aceitaram dar entrevista.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida