A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) divulgou na quarta (1) em seu portal uma nota pública, denominada Manifesto pela Liberdade, em que endossa o coro bolsonarista contra o Supremo Tribunal Federal (STF). A nota teria sido compartilhada pelo próprio presidente da República em grupos do WhastApp.
Mais de 200 empresários soltaram manifesto oposto ao da Fiemg
Na avaliação do professor Juarez Guimarães, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a nota da Fiemg é “escandalosa” e o fato “é uma das páginas das mais vergonhosas” da entidade. “Penso que essa nota é historicamente vergonhosa sob todos os pontos de vista. Em primeiro lugar porque ela parece dar um passo além no respaldo a uma tentativa de provocar um golpe de Estado através de manifestações violentas patrocinadas pelo governo Bolsonaro, que está no seu momento de maior crise e impopularidade”, comenta.
A nota vai em sentido contrário do posicionamento de outas entidades empresariais nacionais e mineiras. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tem sinalizado a defesa pela harmonia entre os poderes, movimento liderado pelo próprio presidente da entidade, Paulo Skaf. O manifesto, que teria sido assinado por 200 entidades, acabou tendo sua divulgação adiada.
“Fica claro que cabe às oposições democráticas e populares defender a democracia”
Inclusive, a adesão da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) ao manifesto pacificador da Fiesp gerou uma crise interna, com ameaça de saída do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal da federação.
Frente a esse contexto, para o pesquisador Juarez Guimarães, resta saber qual a representatividade da nota da Fiemg no empresariado mineiro e, além disso, como o governo de Romeu Zema (Novo) reagirá ao posicionamento da entidade. “Em várias circunstâncias vimos o governo Zema respaldar Bolsonaro, buscar com ele uma relação especial”, comenta.
“Fica claro que cabe às oposições democráticas e populares do nosso Estado, aos setores progressistas, aos movimentos sociais e às representações políticas da esquerda defender a democracia neste momento tão dramático e tão difícil”, completa.
::Assista: O que as manifestações bolsonaristas sinalizam para a democracia brasileira?::
Uma manifestação contra o governo Bolsonaro está agendada para o dia 7 de setembro em todo o país, no tradicional Grito dos Excluídos. Em Belo Horizonte, a ação está marcada para às 10h, na Praça da Liberdade.
Empresariado mineiro
O manifesto bolsonarista da Fiemg também vai em sentido contrário da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas), que lançou, na quarta (1), uma nota em defesa da democracia que articula mais de 200 empresários e lideranças mineiros. O documento, denominado Segundo Manifesto dos Mineiros ao Povo Brasileiro, pede união do povo brasileiro e rejeita a ruptura pelas armas.
“A ruptura pelas armas, pela confrontação física nas ruas, é sinônimo de anarquia, que é antônimo de tudo quanto possa compreender uma caminhada serena, cidadã e construtiva. A democracia não pode ser ameaçada, antes, deve ser fortalecida e aperfeiçoada”, diz o texto.
Além disso, o manifesto defende uma “verdadeira” reforma do Estado e afirma a necessidade de “construir (na verdade, reconstruir) um projeto de Nação para o Brasil, dando sentido novo ao que seja patriotismo, de modo a fazer do povo brasileiro uma gente mais feliz”. A expectativa é que o documento seja entregue às autoridades no próximo dia 7 de setembro.
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Em suas redes sociais, as ex-deputada federal pelo PCdoB Jô Moraes comparou o manifesto do empresariado mineiro com o da Fiemg. “Mais de 200 empresários mineiros lançam manifesto que rejeita a ruptura pelas armas e prega a necessidade de reforma do Estado. A Fiemg, solitariamente, divulga manifesto contra exacerbação de interpretação do STF no inquérito contra as fake news. E o sentimento de mineiridade?”, escreveu.
Jornalistas e profissionais do audiovisual repudiam Fiemg
Na quinta (2), o Sindicato da Indústria do Audiovisual de Minas Gerais (Sindav), a Agência de Desenvolvimento do Polo Audiovisual da Zona da Mata MG, o Fórum dos Festivais, a Brasil Audiovisual Independente (Bravi) e a ONG Contato, entidades integrantes da Câmara da Indústria da Comunicação e Audiovisual da Fiemg lançaram uma nota de repúdio à manifestação da federação. No texto, essas organizações ressaltam que não foram consultadas ou sequer comunicadas a respeito do conteúdo da nota da Fiemg.
“Não concordamos com as ideias expressas no manifesto, por não considerarmos liberdade de expressão as ameaças contra o STF e seus integrantes e a atuação criminosa de redes de Fake News, estas sim antagônicas aos pilares fundamentais de um Estado Democrático de Direito. Nos colocamos na firme defesa da democracia, de nossas instituições, da Constituição Brasileira e da verdadeira liberdade de expressão, princípio fundamental de nossa atividade profissional”, diz o texto.
Jornalistas mineiros também se posicionaram contra a nota da Fiemg, considerada como “nefasta”, por confundir liberdade de expressão com as fake news e com a disseminação do ódio. “A posição da Fiemg envergonha Minas Gerais e sua história tricentenária de resistência a opressões de qualquer natureza e que sempre exaltou a liberdade como valor fundamental de sua formação cívica, política e de cidadania”, diz o texto.
Ainda, o texto assinado pela Casa do Jornalista afirma que a nota da Fiemg “revela visão retrógrada, tosca e primária do momento histórico brasileiro” e ainda que todas as instituições livres, organizações sociais, sindicatos, universidades, pensadores, artistas manifestam sua preocupação com a escalada de autoritarismo, de claro caráter golpista e antidemocrático.
O que diz o manifesto da Fiemg
O texto critica posicionamentos do Poder Judiciário, “que acabam por tangenciar, de forma perigosa, o cerceamento à liberdade de expressão no país. Falamos de investigações e da possibilidade de desmonetização de sites e portais de notícias que estão sendo acusados em inquéritos contra as fake news”.
Ainda, o manifesto diz que a Fiemg “espera que a exacerbação desta interpretação por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) seja revisada” e cita o ministro Marco Aurélio Mello que teria relembrado uma fala do professor Adilson Abreu Dallari, que afirma que o “Supremo não é sinônimo de absoluto”.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida