A lacuna que está pronta para ser preenchida por Petrúcio Ferreira

Diário Carioca

Com a aposentadoria de Daniel Dias, o lugar de maior figura do esporte paralímpico brasileiro em atividade está vago. Porém, se existe algo próximo de uma corrida por ocupar esse posto, Petrúcio Ferreira está na liderança. Não era para parecer uma metáfora ou algo assim pelo fato de que o paraibano é velocista (e dos melhores). Mas agora que os caracteres já foram gastos, assumo que a ideia central desse texto casou bem com a imagem de uma corrida pela honra de ser a cara – e O cara – do movimento paralímpico. Mas faz sentido porque ele fez fazer.

Em Tóquio, foram dois pódios – sendo um ouro e um bronze – que, somados aos três alcançados na estreia no Rio, há cinco anos, dão a ele cinco medalhas em duas participações em Jogos Paralímpicos com apenas 24 anos de idade. São dois ouros, duas pratas e um bronze. Desempenho alcançado sem que Petrúcio estivesse nem perto da ponta dos cascos.

Ele admite que a prova dos 400 metros não é a sua principal e, até mesmo por exigir outro tipo de capacidade do que uma de 100 metros, não foi o foco da preparação dele. Mesmo assim, terminou em terceiro, com tempo melhor do que a prata na mesma prova em 2016. Ele desceu uma posição muito por conta do avanço dos adversários: o compatriota Thomaz Moraes e o marroquino Ayoub Sadni correram abaixo dos 48 segundos, com o estrangeiro inclusive registrando o novo recorde mundial (47s38).

“Fiquei feliz por ele. Quando um colega chega na pista e consegue desempenhar bem assim, é bom para o movimento paralímpico e para a nossa classe”, diz Petrúcio, atleta da T47, para amputados de membros superiores.

Já nos 100 metros, especialidade dele, distância na qual chegou a Tóquio como campeão paralímpico, bicampeão mundial, recordista paralímpico e mundial, o brasileiro teve que derrotar as limitações do próprio corpo, que uma semana antes sofreu com uma ruptura grau 2 na coxa esquerda. Petrúcio correu e venceu em 10s53, novo recorde paralímpico mas ainda abaixo da melhor marca dele, 10s42.

“A lesão me deixou muito inseguro, pensando se conseguiria entrar lá e fazer o que eu sabia. Foi uma briga constante entre mente e corpo. A meta era melhorar meu tempo, mas infelizmente não consegui. Mas dei o meu melhor e venci. Além disso, continuo sendo o atleta paralímpico mais rápido do mundo”, destacou.

Petrúcio tem razão, mas o reinado dele é ameaçado pelo congolês naturalizado norueguês Salem Ageze Kashafali, da classe T12 (atletas com deficiência visual), que em Tóquio registrou uma nova marca literalmente um centésimo mais alta que a do brasileiro (10s43). Porém, Petrúcio aposta que os melhores anos dele ainda estão por vir.

Em Paris, evitando lesões, ele deve chegar no auge da forma física, aos 27 anos, em condições praticamente ideais para derrubar o próprio recorde. Ele acredita que consegue correr na casa dos 10s20.

Se conseguir, muito provavelmente permanecerá como o homem mais rápido do mundo no esporte paralímpico e alcançará o tricampeonato paralímpico nos 100 metros. O feito não seria o único motivo de comparação com Usain Bolt (guardadas as devidas proporções e um pouco mais, claro). Petrúcio é conhecido pela irreverência antes e depois das provas e às vezes até durante. E essa característica, junto com a capacidade de quase voar e de ganhar muitas medalhas, é o que o torna o grande candidato a nova face do esporte paralímpico no país.

Petrúcio encara bem as câmeras, mantendo o bom humor mas também passando sua mensagem de positividade e autoconfiança, que tem força em quem quer que o ouça. Ele esbanja carisma. Depois de vencer os 100 metros em Tóquio, o paraibano mostrou que tem orgulho das raízes e colocou um chapéu de cangaceiro na cabeça ainda na pista do Estádio Olímpico de Tóquio. Com ele permaneceu ao dar entrevistas para veículos do mundo todo.

A combinação de carisma e competência pode levá-lo à posição que Daniel ocupou por tantos anos, obviamente com outras feições. O paraibano não foge da proposição, mas também destaca que talvez ainda tenha chão para correr para ser comparado ao nadador.

“Quando eu comecei, ele foi uma das pessoas que me motivou pelo carisma e pelo talento. Não sei se vou chegar à altura dele. Para mim, ele é surreal. Sempre será o melhor do mundo. Se eu puder ser espelho e motivar tantas pessoas quanto ele eu serei muito feliz. Eu tenho meu jeito, o jeito de quem saiu do mato mas o mato não saiu dele. Sempre tento levar a alegria e a felicidade para todo mundo”, opina.

Petrúcio, com razão, optou por dar um passo de cada vez. Mas, na velocidade que corre, talvez ele chegue lá antes do que imagina.

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Equipe de jornalistas, colaboradores e estagiários do Jornal DC - Diário Carioca