“Reconhecer-se com as dores e sonhos do Bernardo e do Enrico não transforma o leitor em LGBT, apenas mostra que, no final de tudo, somos todos seres humanos incompletos e imperfeitos, em busca da felicidade”. É assim que o escritor e roteirista premiado Saulo Sisnando define sua obra. O autor de Terra das Paixões, livro de estreia da série Infinita Coleção, defende que o amor é único e universal.
Embora a literatura LGBT tenha destaque nos últimos anos, o autor acredita que o protagonismo gay pode e deve estar à frente de mais gêneros literários. “Uma parte de mim gosta de ser classificado como “escritor queer”, mas protagonistas LGBT podem estar à frente de fantasias, histórias de terror, dramas, fanfics, romances. Quando escrevo, por exemplo, “Terra de Paixões” sigo os moldes de qualquer romance romântico, mas, por acaso, o amor é entre dois homens”, finaliza Saulo Sisnando.
Por que você decidiu entre tantos gêneros escrever literatura queer?
O primeiro leitor de um livro é o próprio autor. Não sou um escritor que escreve para agradar os outros ou para ganhar prêmios. Sempre escrevo o livro que eu gostaria de ler e torço para que, como eu, existam outros leitores compartilhando o mesmo desejo de leitura. Sendo assim, como homem gay, é natural escrever algo que me represente, que reflita a minha verdade, as minhas vivências, os meus sonhos. Cresci sonhando em ler histórias de amor entre homens, romances intensos, com fortes protagonistas. Então, após mais de 20 anos escrevendo para teatro e, naquela mídia, também discutindo o amor entre homens, me senti pronto para publicar meu primeiro romance.
Teve algum escritor ou escritora como inspiração?
Eu cresci lendo escritores best-sellers como Sidney Sheldon, Janet Dailey, Danielle Steel, Barbara Cartland. Com o passar dos anos fui me aproximando de outros autores considerados mais eruditos, autores que temos mais “orgulho” de citar. Porém, durante tessitura de todos os meus textos ao longo de mais de 20 anos, tenho percebido a influência muito maior dos autores que me fizeram amar a literatura: os grandes autores de best-sellers. Além destes, talvez o maior produto artístico brasileiro sejam as telenovelas. O folhetim faz parte da essência do nosso povo, portanto é natural que, em meus romances românticos, eu encontre referências nos folhetins televisivos, e em seus maiores autores, Janet Clair, Gilberto Braga e Gloria Perez.
Você é um premiado roteirista de teatro, a transição para escrever livros foi uma consequência?
A principal diferença entre a dramaturgia e a literatura é o fato de o romance conseguir se encerrar em si mesmo. Embora seja inteiramente possível ler uma peça de teatro, seu auge é ser apresentado em um palco, movimentando uma longa rede de profissionais, em especial, os atores. No romance, por outro lado, a ação transcorre totalmente na imaginação do leitor. Ao acompanhar a história de um romance, o leitor sempre terá os melhores atores em cada papel, os melhores cenários. Em um romance não há limitações de qualquer tipo, o leitor sempre lê o livro como se fosse o maior e mais caro espetáculo da Broadway.
Como surgiu a inspiração para criar a Infinita Coleção?
É uma homenagem a uma das mais emblemáticas autoras românticas do século XX: Barbara Cartland. Ao longo de sua prolífica carreira, a escritora inglesa escreveu mais de 700 livros e todos fazem parte de uma coleção romântica chamada “Eterna Coleção”. Durante os anos 80 e 90, os romances históricos da Eterna Coleção de Barbara Cartland eram vendidos em bancas de revista com grande sucesso. A minha “Infinita Coleção”, nesse viés, pretende revisitar grandes temas românticos, dentre eles as tramas de Natal, os romances históricos, mas desta vez com total protagonismo LGBT.
Já está escrevendo o próximo livro da série?
Sim, em 2022 sairão dois novos volumes da Infinita Coleção, são eles, “Baile de Máscaras”, um romance com irmãos gêmeos e troca de identidade e, “O tempo de Amar”, que transitará pelo universo das comédias românticas natalinas.
Será uma continuação ou outras histórias com outros personagens?
Não descarto totalmente a ideia de escrever continuações ou spin-offs, porém a ideia da Infinita Coleção é entregar ao público 10 romances LGBT inspirados no universo dos livros de Banca, como Sabrina, Bianca, Julia.
Você escreveu essa obra pensando em um público mais maduro e que não se via representado em romances de bancas LGBT?
Atualmente a literatura brasileira e mundial está se permitindo protagonistas LGBT e isso é uma conquista fabulosa. No entanto, eu sempre me deparava com romances adolescentes ou voltados para os jovens adultos e romances mais quentes e sensuais. Eu sentia falta de um grande romance como Pássaros Feridos, Casablanca, As Pontes de Madison, Lendas da Paixão, etc., que não são sobre a descoberta e o despertar da sexualidade, não são sobre primeiros amores, mas histórias sobre pessoas formadas, adultas. Tramas nas quais o sexo não é o objetivo, mas uma etapa da felicidade. Por isso tive a ideia de tentar fechar essa lacuna e dar histórias açucaradas e muito românticas para um público mais maduro.
Quais são os desafios de ser escritor LBGT no Brasil?
Meu maior desafio é fazer o leitor entender e sentir que o amor entre dois homens não é “amor-gay”, mas apenas “amor”. O mercado editorial desde sempre gosta de rotular as obras e definir os possíveis leitores: esse livro é para mulheres, esse outro é para homens. Pouquíssimas vezes nós tivemos livros destinados aos LGBT, sempre tentávamos encontrar em histórias heteronormativas, camadas que falassem conosco. Hoje nós temos livros LGBT, escritos por escritores LGBT, para o público LGBT e é bom demais ter essa representatividade. Porém eu sonho ainda com o tempo em que heterossexuais consigam transpor a orientação sexual dos protagonistas e entendam que são histórias de pessoas fortes, às vezes felizes, às vezes tristes, que trabalham, pagam as contas, entram no tinder, assistem netflix, saem para conversar com amigos. Terra de Paixões é uma história romântica sobre uma paixão avassaladora que, por acaso, possui dois homens como protagonistas. Reconhecer-se com as dores e sonhos do Bernardo e do Enrico não transforma o leitor em LGBT, apenas mostra que, no final de tudo, somos todos seres humanos incompletos e imperfeitos, em busca da felicidade.
Sobre o autor: escritor premiado de diversas peças de teatro, Saulo Sisnando constrói histórias engraçadas e românticas com total protagonismo gay. Atualmente, mora em Belém do Pará com seus milhares de cachorros. Fã de livros de banca, Terra de Paixões é o seu primeiro romance para a Infinita Coleção.