Desinformação climática: do negacionismo a fatalismo e greenwashing

Diário Carioca

Ramiro Fuente.

Madri, 29 out (EFE).- Embora as evidências da mudança climática sejam agora imparáveis, a COP26, em Glasgow, enfrenta o desafio apresentado por inúmeras crenças falsas, que evoluíram do negacionismo puro de anos atrás até o fatalismo para “salvar a economia” e campanhas de desinformação como o chamado “greenwashing”, ou “lavagem verde”.

Desde a saída de Donald Trump da Casa Branca, a hipótese que nega a existência do aquecimento global perdeu força além de círculos radicais, como o do presidente brasileiro Jair Bolsonaro ou os de partidos políticos extremistas. Porém, abriu-se caminho para um negacionismo mais sutil e camuflado, que considera a mudança climática inevitável.

Essa advertência foi feita por Fernando Valladares, pesquisador do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha (CSIC). Em entrevista à Agência Efe, ele afirmou que os atuais negacionistas “camuflados” alegam que é melhor “não fazer nada” em relação à mudança climática, porque “não há ninguém que a conserte” ou porque ela está ligada a um sistema socioeconômico que “ninguém pode mudar”.

Negacionistas frontais como Bolsonaro e Trump “estão a caminho da extinção”, porque as evidências científicas e o acúmulo de informações “tornam muito difícil” defender que o aquecimento global não existe, ressaltou Valladares, mas os argumentos dos que se opõem a combatê-lo “foram refinados”, e agora há “muitos negacionistas camuflados”.

Por um lado, há aqueles que colocam a culpa em “cientistas que não são claros” ou em “políticos, já que cada um tem uma ideia diferente”. Por outro lado, há quem argumente que, como a origem do problema é um sistema energético ligado a um sistema socioeconômico que ninguém será capaz de mudar, é impossível consertar a crise climática.

As campanhas de desinformação também são muito diferentes daquelas de anos atrás. Dos tradicionais relatórios de companhias petrolíferas para defender suas atividades, elas passaram para operações de “greenwashing”, ou “lavagem verde”, que tentam fazer as pessoas acreditarem que as coisas estão mudando quando “quase nada está mudando”, afirmou o pesquisador.

Nos Estados Unidos sob Trump, foram criados lobbies no Senado, financiados por “filantropos e fundações bem identificadas”, para diminuir a prioridade das medidas climáticas e semear incertezas, mas agora predominam as campanhas de lavagem de imagem de empresas e grandes corporações com supostas ações contra a mudança climática.

Esta, segundo Valladares, é “uma forma de adoçar a realidade” das próprias empresas e das políticas nacionais e internacionais, a fim de “permitir atividades muito intensivas em carbono”, pois são empresas de energia, transporte ou infraestrutura que “teriam muito a perder se o negócio da queima de combustíveis fósseis fosse reorientado”.

Para o pesquisador, esse tipo de campanha provêm mais do mundo dos negócios do que do mundo político, exceto, possivelmente, em caso de governos muito conservadores. E em seguida há as “opções radicais de extrema-direita”, que “fazem muito barulho” e geram “um efeito cascata bastante pernicioso”, mas são opiniões populistas “numericamente pequenas”.

José Manuel Moreno, professor de Ecologia da Universidade de Castilla-La Mancha, também enfatizou que, como os negacionistas não podem mais basear suas hipóteses em argumentos supostamente científicos, eles estão agora travando a batalha em bases puramente ideológicas.

O acúmulo de evidências científicas fez com que os mitos negacionistas mais tradicionais tenham perdido força, de modo que praticamente ninguém nega o aquecimento global ou acredita que seus efeitos são positivos para os seres humanos. Da mesma forma, a falsa crença de que não há consenso científico sobre a crise climática foi limitada a setores muito extremos.

FALSO DILEMA ENTRE SALVAR O PLANETA OU A ECONOMIA.

A hipótese de que o aquecimento global não ocorre por culpa do homem também tem perdido peso. É claro que somente os gases de efeito estufa explicam a extensão deste fenômeno, e não as causas naturais da variabilidade climática: manchas solares, mudanças nos ciclos orbitais da Terra ou distúrbios de erupções vulcânicas.

Mas, enquanto os mitos clássicos do negacionismo estão desinflando, ganhou terreno com força, na esteira da pandemia de covid-19, uma fake news generalizada: a de que a mudança climática não pode ser combatida porque há uma escolha entre cuidar do planeta e cuidar da economia.

Valladares advertiu sobre o perigo desta “miragem”, pois alguns países promovem uma economia intensiva em carbono, e para isso usam “o escudo da necessidade social, do problema gerado na economia pela covid”.

Este é um argumento falso, segundo ele, porque se baseia em comparações impossíveis entre medidas de curto prazo para “pagar as contas” e “sair da crise”, ações de longo prazo para mudar o sistema energético e ações de muito longo prazo para mitigar a mudança climática.

RIDICULARIZANDO GRETA PARA DESACREDITAR CRISE CLIMÁTICA.

Além disso, esse argumento se baseia na falsa premissa de que os recursos do planeta são ilimitados, quando não são. E, justamente por esta razão, as empresas sustentáveis são as mais competitivas, pois, além dos cuidados ambientais, promovem a eficiência na gestão de recursos escassos, em oposição a um modelo consumista inviável.

“Guiar o mundo contra a ciência não é um bom negócio”, advertiu, por sua vez, José Moreno, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

A avalanche de falsidades atribuídas a Greta Thunberg, destinadas a ridicularizar a jovem ativista sueca como meio de desacreditar a luta contra a mudança climática, merece um capítulo à parte.

Essa é a campanha mais difícil de neutralizar, uma “sangria” quase inevitável “com a qual temos que viver”, comentou Valladares, com resignação.

De qualquer forma, para José Moreno, embora Thunberg não seja uma cientista, mas uma ativista, suas convicções são fundamentadas na ciência, de modo que não importa o quanto a ataquem como mensageira, jamais serão capazes de “derrubar a ciência da mudança climática” desta forma. EFE

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