*Matéria atualizada em 9 de março, às 9h50. Mais informações abaixo.
A eleição presidencial deste ano deverá ter a participação feminina mais discreta desde 2002. Daquele ano em diante, pelo menos duas mulheres fizeram campanha para ocupar a Presidência, e pelo menos uma delas obteve mais de 6% das intenções de voto durante a disputa eleitoral. Neste ano, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) é a única política pré-candidata a presidenta que aparece em pesquisas de intenções de voto, mas com menos de 2% da preferência do eleitorado --pelo menos até aqui.
Além de Tebet, a professora Sofia Manzano é pré-candidata à Presidência pelo PCB e Vera Lúcia, pelo PSTU. Nenhuma delas pontuou nas principais pesquisas de intenções de voto realizadas até então.
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Em 2006, por exemplo, Ana Maria Rangel (PRP) e Heloísa Helena (Psol) disputaram a eleição presidencial. Heloísa Helena, aliás, teve quase 7% dos votos válidos e, com isso, consolidou-se como uma política de relevância nacional, chegando a ser especulada como candidata a presidenta também em 2010 –acabou candidatando-se ao Senado por Alagoas.
Na eleição seguinte, em 2010, Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV) disputaram a eleição. Marina obteve 19,3% dos votos no primeiro turno; e Dilma, quase 47%. Ela acabaria eleita no segundo turno, tornando-se a primeira mulher presidenta do Brasil.
Em 2014, Dilma reelegeu-se disputando a eleição contra Marina (já no PSB) e Luciana Genro (Psol), além de candidatos homens.
Marina também foi uma das duas candidatas a presidenta da eleição de 2018, ao lado de Vera Lúcia. Marina chegou a ter cerca de 20% das intenções de voto durante a campanha, mas obteve só 1% dos votos válidos.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a ambientalista disse que é ruim para o país que poucas mulheres sejam cotadas para assumir à Presidência a partir do ano que vem, pelo menos até o momento.
“É lamentável porque o mundo tem vivido experiências muito positivas com mulheres no poder nessa crise da covid-19, como com a primeira-ministra da Nova Zelândia [Jacinda Ardern] e com Angela Merkel, ex-primeira-ministra da Alemanha, mostrando a competência e capacidade das mulheres de manejar situações complexas”, afirmou Marina (hoje na Rede).
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Contexto atrapalha
O Brasil de Fato questionou Marina se ela pretende ser novamente candidata, mas Marina desconversou. De toda forma, afirmou que o momento político que o Brasil atravessa, com o crescimento do conservadorismo, atrapalha candidaturas femininas.
“Existe um contexto que faz com que o acolhimento de candidaturas femininas tenha perdido força nessa realidade brutal de hoje”, disse.
A professora universitária Karolina Roeder, doutora em Ciência Política, também acredita que a ascensão de figuras como o presidente Jair Bolsonaro (PL) reduziu a participação de mulheres no governo e tirou as chances de elas chegarem à Presidência.
Roeder lembrou que Dilma, antes de ser presidenta, foi ministra de Minas e Energia e ministra-chefe da Casa Civil durante o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo ela, no atual governo, só as ministras Damares Alves (Direitos Humanos) e Tereza Cristina (Agricultura) ocupam cargos com relevância. Ainda assim, mulheres não têm destaque ao se credenciarem a uma disputa presidencial.
“A Simone Tebet aparece como candidata por conta de sua atuação na CPI da Covid”, ressaltou Roeder. “Temos menos figuras em nível máximo no Executivo Nacional, nos ministérios, por exemplo. Esse conservadorismo e a quase inexistência de ministras mulheres também impacta nas poucas candidaturas de mulheres”.
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Polarização entre homens
Manuela D’Ávila foi pré-candidata à Presidência em 2018, ano da eleição de Bolsonaro. Acabou disputando aquela eleição como vice na chapa de Fernando Haddad (PT), o qual tornou-se candidato após a prisão de Lula.
Ela afirmou que a polarização existente entre Lula e Bolsonaro contribui para que menos mulheres assumam uma candidatura. Ela mesmo disse estar comprometida em fortalecer um projeto de esquerda para evitar a reeleição do atual presidente. O mesmo compromisso foi assumido por outros partidos do mesmo campo ideológico e que historicamente têm mais espaço para mulheres em seus quadros.
“Nós estamos num momento de unidade de setores mais amplos para barrar retrocessos muito grandes no nosso país provocados por um governo como o de Bolsonaro. E esse esforço tem um nome bem mais forte, que é o do ex-presidente Lula.”
Roeder também vê na polarização Lula-Bolsonaro um motivo extra para o baixa relevância de candidaturas femininas à Presidência. Reforçou, porém, que o dado de 2022 está muito mais ligado a questões históricas do que circunstanciais.
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Partidos patriarcais
A cientista política Ana Prestes, autora do livro “100 Anos da Luta das Mulheres pelo Voto”, destaca que mulheres são historicamente excluídas de posições de chefia dos partidos brasileiros, ocupadas por homens. Fora da direção, elas dificilmente conseguem construir uma trajetória política que as coloquem em destaque para uma disputa presidencial.
Para Prestes, essa situação vem melhorando de “forma arrastada, mas contínua" com o passar dos anos. Contudo, ainda precisa melhorar, visto que, em 2022, só um grande partido político, o MDB, considera que uma mulher seja seu quadro mais preparado para assumir o Executivo.
“Mostra que as mulheres não estão em posição de poder nos partidos”, disse Prestes. "Estão lá os homens, brancos, de meia idade", aponta.
Dados tabulados pela professora Roeder indicam que mais da metade dos partidos políticos tem até 30% de sua executiva nacional e financeira composta por mulheres.
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Invisibilidade política
Marina Silva concorda que a estrutura da política brasileira atrapalha a ascensão de mulheres. Para ela, inclusive, isso está tão arraigado na sociedade brasileira que homens que nem manifestam sua intenção de concorrer à Presidência têm suas intenções de voto aferidas em pesquisas eleitorais. Já as mulheres credenciadas para o cargo são ignoradas.
“A baixa quantidade de candidaturas e até mesmo de mulheres eleitas é um processo que está nas escrituras da sociedade brasileira em todos os níveis. Na política, não é diferente. Não por acaso, somos 53% da população. Na Câmara, temos 15% de representação; e no Senado, 14%”, contabiliza.
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O parlamento brasileiro
O Brasil ocupa a posição 145 das 187 possíveis no ranking de fevereiro sobre participação de mulheres em parlamentos nacionais, lançado pela União Inter Parlamentos. Essa posição mudou pouco nos últimos anos, segundo as estudiosas que acompanham esses estudos.
Simone Tebet ratificou que mulheres ainda enfrentam dificuldades na política, mas disse que elas estão avançando. “Um grande exemplo é a Lei de combate à violência política de gênero, que entrou em vigor no ano passado. Preconceito e misoginia na campanha eleitoral serão rigorosamente punidos”, afirmou.
Para Tebet, o fato de ser a única pré-candidata mulher citada em pesquisas aumenta sua responsabilidade “de levar o olhar feminino para o debate dos maiores problemas nacionais”. Segundo ela, são eles: economia, fome, desemprego, moradia e desigualdades sociais.
Embora apareça com até 2% de intenções de voto em pesquisas eleitorais, ela considera sua candidatura “viável e com grande potencial de crescimento”.
“Ainda sou pouco conhecida e isso explica o resultado das pesquisas até aqui. Confio na minha trajetória”, justifica. “Já estou na política há mais de 20 anos, com mandatos consecutivos. Além disso, tenho a convicção de que o brasileiro não quer voltar ao passado, nem continuar com o presente”, pontua.
Nota da redação: a versão original desta reportagem informava erroneamente que Simone Tebet (MDB) era a única mulher pré-candidata à Presidência em 2022. A professora Sofia Manzano é pré-candidata à Presidência pelo PCB e Vera Lúcia, pelo PSTU. Essas duas pré-candidaturas não constavam do texto original. A reportagem foi atualizada para inclusão dessas informações.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
Eleições presidenciais devem ter participação feminina mais discreta em 20 anos
Equipe de jornalistas, colaboradores e estagiários do Jornal DC - Diário Carioca