As declarações do ministro da Educação Milton Ribeiro de que o governo federal prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados por dois pastores que não têm cargo no governo podem ser enquadradas em quatro crimes: corrupção passiva, tráfico de influência, usurpação de função pública e improbidade administrativa. “São crimes graves e esse vazamento pode ensejar uma investigação não só contra o ministro, mas também contra os outros autores citados no áudio, como o presidente da República e os dois pastores”, explica a jurista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles.
Reportagens divulgadas pela imprensa revelaram que dois pastores que intermediavam a liberação de verbas do Ministério da Educação tinham prioridade no recebimento de recursos públicos. No áudio, o ministro afirma que essa era uma orientação do presidente da República. Após o escândalo, o ministro negou ter falado em nome de Jair Bolsonaro.
Em um dos casos que se tornou público, prefeito de uma cidade do Maranhão afirmou que um dos pastores citados pelo ministro chegou a cobrar R$ 15 mil para protocolar as demandas da cidade junto ao Ministério da Educação. De acordo com a reportagem, ele pediu 1 quilo de ouro como pagamento após a liberação dos recursos. “Se houver comprovação de que algum prefeito ou gestor público participou do esquema, ele também poderá ser investigado e processado”, completa a criminalista.
O crime mais grave apontado pela jurista é o de corrupção passiva, previsto no artigo 317 do Código Penal, que estabelece uma pena que varia de 2 a 12 anos de reclusão a quem “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, em razão da função assumida, vantagem indevida”. A corrupção passiva fica caracterizada até mesmo quando se aceita a promessa de tal vantagem, completa a advogada.
No caso de tráfico de influência, a pena varia de 2 a 5 anos e, no caso de usurpação de função pública, a detenção varia de 6 meses a 2 dois anos. “Quando o ministro diz que dois pastores decidem a distribuição de verbas, fica evidente a usurpação de função pública, que é dar a alguém a prerrogativa de agir como agente público”, explica.
A advogada explica que não é apenas o ministro que pode ser judicialmente implicado pelas declarações do áudio vazado: essas penas podem atingir tanto quem mandou, quanto quem está participando e até quem está solicitando essa vantagem indevida. “Ainda que o ministro seja exonerado, como se especula no noticiário, ele pode ser investigado e responsabilizado se as suspeitas levantadas pelo áudio forem confirmadas”, completa a advogada.
Mais crimes
Além da corrupção passiva, as falas do ministro configuram também crime de improbidade administrativa porque ferem os princípios constitucionais da administração pública. “Pelo princípio da impessoalidade, o administrador público não pode agir de acordo com seus objetivos pessoais”, diz.
Outros delitos que podem ser investigados a partir da fala do pastor são o de usurpação da função pública e tráfico de influência. “Como se trata de suspeitas envolvendo um ministro e o presidente da República, cabe à Polícia Federal investigar. Mas isso só pode ocorrer com o aval do procurador-geral da República, Augusto Aras”, completa a advogada.
Sobre Jacqueline Valles
Jacqueline Valles é jurista, advogada criminalista Mestre em Direito Penal pela PUC-SP, especializada em Processo Penal e Criminologia, professora universitária e sócia-diretora da Valles & Valles – Sociedade de Advogados.