Governo Bolsonaro ignora MPF e permite adoção de territórios de comunidades tradicionais

Diário Carioca

A marisqueira Sandra Regina, que vive na Reserva Marinha Mãe de Curuçá, na baía do Marajó (PA), lembra direitinho quando ouviu falar pela primeira vez do Programa Adote um Parque, há cerca de um ano. Foi através de uma mensagem enviada por Ana, também líder comunitária na Reserva Extrativista Marinha Lagoa de Jequiá, no litoral de Alagoas, que perguntava: “Você está sabendo algo sobre o Adote um Parque?”.
Nenhuma das duas sabia nada sobre o programa lançado pelo ex-ministro do Meio Ambiente (MMA) Ricardo Salles e assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em decreto de 9 de fevereiro de 2021. O programa permite que empresas e pessoas físicas, brasileiras ou estrangeiras, “adotem” uma ou mais das 132 unidades de conservação listadas em uma portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA), publicada 16 dias depois, a fim de “promover a conservação, a recuperação e a melhoria das unidades de conservação federais”. Os contratos entre interessados e o ICMBio – gestor dos recursos – são anuais e estabelecem um valor anual mínimo de R$ 50 ou 10 euros por hectare da área adotada.
A informação mais desconcertante para as lideranças comunitárias é que, além dos parques nacionais, também as reservas extrativistas (Resex) foram incluídas no programa, como Sandra conseguiu confirmar com a Comissão das Reservas Extrativistas (Confrem) depois de diversas ligações para lideranças comunitárias. A entidade ainda aguardava mais detalhes do programa por parte do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “Aí minha preocupação aumentou”, diz Sandra Regina. Só na Resex em que ela vive, a Mãe de Curuçá, cerca de 6 mil famílias dependem da integridade de seu território para viver. Ao todo, 50 Resex — de um total de 66 no país — estão na lista do Adote um Parque.
Extrativistas da Resex Lago de Cuniã vivem em harmonia com a natureza, sobrevivendo da pesca artesanal e da agricultura familiar Separadas por mais de 2 mil quilômetros de litoral entre o Pará e Alagoas, as comunidades de Sandra Regina e Ana compartilham o mesmo modo de vida em harmonia com a natureza, sobrevivendo da pesca artesanal e da agricultura familiar como fizeram seus pais, avós e bisavós. Também enfrentam ameaças parecidas em seus territórios: a invasão da pesca predatória, a expansão da carcinicultura e a destruição dos mangues. Na Amazônia, onde ficam 77% das Resex, centenas de comunidades vivem também da castanha, do babaçu e do açaí, da roça de mandioca, da coleta ou cultivo de frutas, da pesca nos rios. Quase sempre enfrentando ameaças de invasões e desmatamento.
São esses dois elementos — o uso sustentável do território e a proteção das comunidades contra a destruição ambiental — que fazem das Resex peças estratégicas na política de conservação ambiental brasileira. Elas pertencem a uma categoria diferente dos Parques Nacionais. Enquanto qualquer atividade econômica é proibida nos parques, nas Resex a permanência da população tradicional no território é parte integrante da defesa dos recursos naturais. Um exemplo: desde que a reserva de Curuçá, onde vive Sandra, foi criada, em 2002, o desmatamento na área caiu de 116 hectares para 10 hectares por ano em 2020, segundo dados de monitoramento do

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