O conhecimento que inclui: será que pessoas com deficiência intelectual e autismo podem morar sozinhas?

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Conheça o projeto de moradia independente para pessoas com deficiência e as histórias delas nesta nova etapa da vida

A temática do autismo tem sido cada vez mais objeto de discussão da mídia. A divulgação das narrativas que envolvem o tema sobre o Transtorno do Espectro Autista nos mais variados canais de comunicação, sendo eles a imprensa, redes sociais, sites, vídeos, séries, blogs, dentre outros, resultam em contextos e informações que refletem diretamente no dia a dia das pessoas com autismo e familiares que convivem com esses indivíduos.

A informação sozinha não vai mudar a forma que um cidadão vê o outro, por isso é diferente ler definições, explicações teóricas sobre o autismo. É necessário mudar a percepção que as pessoas têm sobre o autismo, e a percepção tem a ver com crenças, visão de mundo. Uma dessas visões, que muitas vezes são equivocadas, dizem respeito à independência na vida das pessoas com TEA. Frequentemente, quando se tornam adultos, pessoas com autismo precisam batalhar diariamente para serem reconhecidos como indivíduos de valor em uma sociedade que ainda os enxerga como incapazes, frágeis e crianças eternas.

A partir dessa visão que causa preconceito, inseguranças, visões distorcidas e medos que Flávia Poppe, economista, 62 anos, mãe de Nicolas Poppe, estudante, de 30 anos, diagnosticado com autismo foi em busca de desmistificar essa situação. Ela também é fundadora e diretora do Instituto JNG, que atua em prol da autonomia e independência de adultos com deficiência intelectual, focando em um tema pouco abordado, por conta da sua complexidade – o direito à moradia:

O Instituto JNG defende a ideia de que a pessoa com deficiência intelectual precisa ter a perspectiva de sair da casa dos pais, assim como um trabalho/emprego e uma vida afetiva e social, para que a transição para a vida adulta seja de forma digna, com autonomia e o mais independente possível.  Nossa referência é a Ability Housing, organização britânica com 30 anos de existência e que inspirou o modelo do JNG.”

Inédita no Brasil, a moradia independente do Instituto JNG traz um novo olhar sobre o adulto com deficiência intelectual e autismo, com foco em protagonismo, empoderamento, autonomia e independência. Depois de um intenso processo de inclusão e educação desde o nascimento, existe uma lacuna na transição para a vida adulta dessa geração mais ativa, longeva, empoderada e consciente de seus direitos. Muitas vezes, os jovens com deficiência são infantilizados, até mesmo vistos como incapazes e impedidos de fazer escolhas e tomar decisões. Flávia relata:

“Na moradia independente eles assumem o protagonismo de suas vidas, em um processo de aprendizagem contínuo, como acontece com qualquer pessoa. Do simples fato de ter sua casa, sua privacidade, há muitos estímulos para que o adulto com deficiência amplie sua prática de autonomia.  Aos poucos, aprendem a cuidar do apartamento, a fazer escolhas, tomar decisões e assumir responsabilidades, vivendo a rotina, sempre contando com os apoios que precisam e desejam.

O diferencial do modelo do JNG é o Apoio Individualizado, que define o tipo e quantidade de suporte de acordo com a singularidade de cada adulto com deficiência.  E assim, pode continuar seu processo de conquista de autonomia e independência ao longo de toda a vida, com segurança e apoio profissional.”

A moradia independente muda a dinâmica do convívio social nas comunidades, prédios e bairros, quebrando barreiras e desconstruindo a cultura do capacitismo. Ela estimula e favorece a interação e o aprendizado das pessoas com deficiência, e o seu pleno acesso aos recursos da sociedade. 

Sem isolamento, sem residências segregadas, com privacidade, liberdade e autonomia, como garantido na Convenção da ONU e na Lei Brasileira de Inclusão. A primeira moradia independente do Brasil localiza-se no Rio de Janeiro, no prédio da ULiving no bairro do Flamengo, com grande oferta de serviços, comércio, lazer e transporte público. Cada morador tem seu apartamento, sua privacidade e sua própria rotina, em um prédio comum, onde vivem pessoas sem e com deficiência. Assim como conta um dos moradores, Eduardo Linhares, de 30 anos, que é linguista, está no espectro do autismo e faz parte do projeto há cinco meses:

“Depois que vim morar sozinho, me sinto bem, mais animado e disposto. Gosto bastante. Morar sozinho me traz mais autonomia, independência e determinação para fazer as coisas, e um possível futuro para mim. Na moradia eu costumo cozinhar, saio para caminhar três vezes por semana, assisto a filmes e séries e jogo um pouco também. Tenho uma relação saudável e gratificante com os vizinhos, porque sempre podemos ajudar uns aos outros. Tenho amigos e agentes de apoio aqui, que me auxiliam sempre que preciso. Para quem deseja morar sozinho, eu diria para que não tenham receio, para que não se sintam presos achando que não vão ter futuro. Basta querer, e querer é poder. E para as famílias: não tenham medo, de verdade. Tudo é muito gratificante”

Informação que não gera inclusão: na voz de quem vivencia

A construção midiática sobre o autismo precisa estar pautada na participação do próprio indivíduo com TEA, somente assim é possível criar a legitimidade da informação. A visibilidade a partir desse viés gera a representatividade e a identificação do autismo, que vai se entender como parte de um grupo. Assim como explica a Psicóloga Analista do Comportamento e Diretora Técnica do Grupo Conduzir, Júlia Sargi:

A questão do pertencimento é essencial para qualquer ser humano. E a forma como a gente constrói essa representação é que temos que tomar cuidado. Então, você percebe: ‘essa pessoa com o diagnóstico de TEA gosta de rock and roll, tem dois irmãos mais novos, não gosta de futebol, nem barulho etc’. Isso quer dizer que essa pessoa vai para além do diagnóstico no imaginário do outro, que pode se identificar em diferentes níveis, e é isso que vai quebrar o preconceito, desmistificar o autismo pela via da humanização e aproximação entre si. Essa pessoa tem um nome, uma família, é filho. Quanto mais conexões fizermos dentro dessa rede, maiores são as chances da sociedade sair do senso comum dos valores antigos, das crenças limitantes, onde o que é diferente de mim, é fora da regra.”

Flávia Poppe também comenta que a informação disseminada muitas vezes tem gerado certa confusão. E que a oferta infinita de informações, que não vem acompanhada de critérios para discernimento, pode levar pessoas com pouca instrução e crítica para caminhos não desejáveis e, pior, que comprometem o futuro das pessoas com autismo:

Acho que há muito romantismo. Sinto que há uma parte boa que informa e outra ruim que desinforma. Isso porque precisamos falar realmente de inclusão, e a base da inclusão para mim é tolerância, observação para aprender e mudar, se for preciso, para que qualquer pessoa possa ter uma vida digna, plena e em sociedade. Para mim a luta passa pela desmistificação da deficiência como fator impeditivo ao convívio. No fundo, é simples se observarmos pelo lado da pessoa e não da deficiência. Informação de qualidade e convivência com as pessoas ‘diferentes’: nas ruas, nos bares, no comércio, nas escolas, no trabalho, nos prédios, nos clubes etc. Isso realmente iria trazer mais empatia, amor e suporte às pessoas com autismo.”

Flávia Poppe e o filho Nicolas Poppe
Flávia Poppe e o filho Nicolas Poppe. Foto: arquivo pessoal

Intervenção e Terapia ABA: uma forma de inclusão

A melhor forma de intervenção é aquela que dá resultado de forma eficaz e consistente, ou seja, a longo prazo. Para que se atinja esse objetivo, é preciso buscar intervenções que tenham práticas baseadas em evidência. A terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada) é conhecida como a mais eficaz no desenvolvimento de indivíduos atípicos. Tem sido utilizada em diferentes populações e áreas, incluindo autismo, transtornos do neurodesenvolvimento, educação, organizações, saúde mental. Por mais de 50 anos, indivíduos de todas as idades vêm recebendo intervenções que foram eficazes. Além disso, mais de 1000 artigos sobre autismo confirmam o sucesso da ABA.

A Analista do Comportamento, Júlia Sargi, ressalta:

“O terapeuta faz uma ponte, uma intermediação no tratamento do indivíduo. Nós vamos agir, intermediar para que essa pessoa que nos busca, possa desenvolver habilidades para viver, se relacionar no contexto que ela é inserida. Uma vez que ela faz essa ponte, nós nos retiramos e ela será capaz de atravessar essa ponte sozinha.”

Pessoas diferentes precisam de terapias diferentes, focadas para desenvolvimento de habilidades que possam aumentar a qualidade de vida, contribuir para a realização de projetos, com o intuito de reduzir as barreiras que dificultam as relações e, como consequência, a independência. Júlia Sargi explica:

“Por exemplo: a criança que apresenta ausência de linguagem funcional, tem dificuldade de se fazer compreender, e isso acarreta prejuízos em todas as áreas do desenvolvimento. Imagine você no Japão, com uma necessidade primária como a fome, e sem saber se comunicar. Supomos que você também não tenha a capacidade de se comunicar com os sinais universais, como você faria? A necessidade de aprender a se comunicar é essencial ao ser humano, e a intervenção traz isso como forma de acesso. 

Outro exemplo: a criança em fase escolar – o quanto ela perderia se não soubesse brincar junto com seus pares? Ou o adulto sem a comunicação social, ou apresentando muita inflexibilidade a mudanças – como seria a imersão no mercado de trabalho? Possivelmente, muito desafiadoras. A intervenção adequada, visando essas habilidades de base, contribuem para que esse preparo primordial e a futura inserção no mercado de trabalho sejam possíveis.”

No caso do autismo, isso quer dizer que para qualquer estratégia, procedimento, programa terapêutico que o profissional propor, é necessário ter base em análises científicas, e então, adequar-se ao contexto do indivíduo. Júlia continua:

Isso não pode ser baseado em achismo ou mesmo na tentativa de aplicar um ‘método’ para enquadrar a pessoa com autismo. O movimento é contrário e co-participativo, ou seja, profissional e família, em casos que o autista é uma criança pequena, e para adultos, diretamente entre profissional e indivíduo. A Análise do Comportamento Aplicada (ABA) contempla todos esses pontos. A intervenção em ABA é a mais recomendada para o desenvolvimento dos autistas, por ter sua eficácia comprovada cientificamente.”

A informação que transforma: a inclusão como deve ser

A visibilidade na mídia para autistas falando sobre a própria experiência, famílias falando sobre a vivência, especialistas trazendo conhecimento, vai aos poucos sedimentando na sociedade. O problema da informação equivocada começa a se dissolver, o autismo começa a ficar menos rodeado de mitos, e essa desmistificação é incorporada no contexto e, por consequência, inclui. A mãe Flávia alerta:

“Inclusão não é levar a pessoa com deficiência para o padrão, e sim ajustar o padrão para que a deficiência fique menos presente. Acho que a sociedade, as pessoas de um modo geral, poderiam começar a perceber que a inclusão é um ganha-ganha. Não se trata de abrir espaço só por compaixão, é bem maior. Compaixão sempre é bom, mas quando a sociedade perceber que também ganha quando aprende a conviver com as diferenças, nos tornaremos uma sociedade mais humana e diversa.”

Júlia Sargi finaliza:

“Nós só vamos conseguir enxergar o autista como igual e não como menos capaz, se soubermos que ele tem tantas outras características e papéis sociais como nós, trazendo elementos que vão tornando as pessoas humanas e não como um diagnóstico, apenas.”

Psicóloga do Grupo Conduzir, Júlia Sargi, durante evento gratuito sobre autismo com a participação do apresentador Marcelo Tas
Psicóloga do Grupo Conduzir, Júlia Sargi, durante evento gratuito sobre autismo com a participação do apresentador Marcelo Tas, no shopping Iguatemi, em Campinas/SP

INFORMAÇÕES – GRUPO CONDUZIR

O Grupo Conduzir possui uma equipe especializada de profissionais das áreas de Psicologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Psicopedagogia que oferece um atendimento multidisciplinar, sempre com base teórica, treinamento e supervisão analítico-comportamental. Proporciona aos seus clientes o desenvolvimento de suas habilidades por meio de práticas baseadas em evidência.

O foco de trabalho da equipe de profissionais do Grupo Conduzir é o atendimento de crianças, adolescentes e adultos com transtornos do neurodesenvolvimento, sobretudo as que se enquadram nos Transtornos do Espectro Autista (TEA).

Instagram: @grupo_conduzir

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