História de Jorge Laffond ganha os palcos, em peça escrita pela prima

Diário Carioca

Foto: Rodrigo França Apresentando uma narrativa fictícia permeada por pontos verídicos da trajetória do grande artista Jorge Laffond, montagem inédita dirigida por Rodrigo França foi escrita pela prima de Laffond, Aline Mohamad em parceria com

Diego do Subúrbio.

Realizar um teatro de cura, foi com este intuito que a produtora e autora Aline Mohamad resolveu abrir seus arquivos pessoais mais íntimos para desenvolver o espetáculo  “JORGE pra sempre VERÃO”. Aliás, o primeiro texto teatral da autora, que surgiu após ela escrever uma carta póstuma para seu primo.

Dirigida por Rodrigo França, a história encenada por Alexandre Mitre, Aretha Sadick e Noemia Oliveira não fala apenas sobre o artista falecido aos 51 anos (1952-2003), mas apresenta uma ficção desenvolvida sobre uma história verídica: a da relação que, devido ao preconceito, deixou de existir entre ele e uma prima, a própria Aline.

“Depois dos 30 anos algumas coisas foram mudando em mim. Um dia, ao voltar de uma festa onde me vi atraída por uma travesti, escrevi uma carta que nunca seria entregue ao destinatário. Um pedido de desculpas, uma redenção, uma luz nas diversas encruzilhadas que eu tenho com meu primo Jorge Laffond. Muito emocionada, enviei essa carta para alguns amigos e, ao acordar, li as respostas: você tem uma linda peça nas mãos. E assim percebi a única forma de encontrar meu primo, através da arte”, relembra Aline, que ao longo de sua infância se esquivou de conhecer o primo pela estranha figura que ele lhe parecia.

“Faremos uma reparação histórica, humanizando um dos maiores artistas deste país. Jorge Laffond passou por um grande dilema na história da televisão brasileira, que retrata o que é o país em relação à população negra e LGBTQIAP+. A violência de ter que sair do estúdio de TV para trocar de roupa, pois um padre entraria, nos mostra o quanto é cruel sermos nós mesmos. Pouco importa a sua titulação acadêmica, conta bancária, o que você é ou fez pela sociedade. Em algum momento tentarão te colocar no lugar que acreditam que você deva estar – na submissão”, reflete Rodrigo.

Apesar dos apontamentos sobre a realidade nada fácil vivida por Laffond, o texto tem pontos de respiro com base no humor, principal característica dos seus personagens. “O processo da escrita do texto veio muito da pesquisa sobre a vida do Jorge, que se encontra na mesma encruzilhada que a minha e de muitas outras pessoas negras LGBTQIAP+. É lembrar que, apesar de todo o processo de resistência que vivemos perante essa sociedade, não somos regidos somente pela dor. A figura de Jorge Laffond marcou uma geração, nos movendo até aqui. Falar dele é também falar sobre mim”, reconhece Diego.

Nascido em Laranjeiras e criado na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, o furacão Laffond disse certa vez numa entrevista que tinha consciência de ser gay desde os seis anos de idade, mas que por ser algo considerado muito feio naquela época, fez de tudo para que seus pais não descobrissem. Formou-se em teatro pela Uni-Rio e ainda em dança afro e balé clássico, tendo dançado com Mercedes Batista, a primeira bailarina negra a ser integrante do corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi, por fim, um ícone da representatividade negra e LGBTQIAP+.

“O movimento LGBTQIAP+ sempre foi encabeçado por pessoas pretas, como Marsha P. Johnson, uma mulher trans negra norte-americana que liderou a Rebelião de Stonewall, em 1969. E Jorge Laffond estimulou que muita gente tivesse coragem para externar aquilo que realmente é na vida. Estamos falando de um homem negro retinto, afeminado e com mais de dois metros de altura vestido de mulher na televisão brasileira. Mas óbvio que não foi fácil. Nele havia mais do que talento, havia estratégia inteligente”, observa Rodrigo.

Em cena, as atitudes de Jorge mostram uma potente força interna e autônoma, apesar da sociedade opressora para quem ele foi, ao mesmo tempo, uma pessoa exótica e diversão pra família tradicional brasileira. “Neste ponto, Silvio de Almeida fala sobre Racismo Recreativo. Fazendo uma livre ressignificação deste termo, enxergar Jorge como o gay divertido nos mostra uma Homofobia Recreativa. Sempre foi aceito rir dos gays, tê-los como amigos apenas para os momentos de risada, mas nunca para ouvir suas dores. Jorge já trazia em si muitas dores e estereótipos. Era o negão lindo e hiperssexualizado, e, ao mesmo tempo, chamar alguém de Jorge Laffond ou Vera Verão era ofender a pessoa por ela ser afeminada”, pontua Aline.

  SERVIÇO:

“JORGE pra sempre VERÃO”

Temporada: 25 de Junho a 24 de Julho

Dias da semana: Sexta-feira a Domingo

Horário: 20h (sextas e sábados) e 19h (domingos)

Ingressos: Contribuição Voluntária (distribuídos 1h antes na bilheteria do teatro)

Local: Teatro Ipanema Endereço: Rua Prudente de Moraes, 824 – Ipanema

Classificação Indicativa: 14 anos

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