O Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu o Piso Nacional da Enfermagem, Lei 14.314/2022, ao decidir liminarmente na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 7.222.
Pelo texto da Lei, enfermeiros teriam nacionalmente fixado base salarial de R$ 4.750,00 por mês. Na sequência, técnicos em enfermagem teriam como base mínima 70% deste valor, e auxiliares de enfermagem o mínimo garantido de 50% deste piso.
Para se ter uma ideia do alcance do salário fixado na Lei 14.314/22, o piso para a cidade de São Paulo, maior economia municipal, era até abril, pouco mais de R$3.900,00, tomando como base a convenção coletiva firmada entre os sindicatos de empregados e patronal.
As principais fundamentações que sustentam a ADI 7.222 são: a fixação de piso nacional sem a respectiva fonte de custeio, e a possibilidade de desequilíbrio financeiro do sistema de saúde, em especial pequenos e médios municípios, além de Santas Casas e hospitais que atuam com filantropia.
A Lei 14.314/22, apesar da boa intenção, é muito ruim, ao colocar no mesmo balaio rede privada, rede pública, estados, municípios e qualquer outro órgão, seja público ou privado.
Outra solução não foi possível ao Ministro Barroso, do que suportar o ônus da incompreensão e da manipulação política que sua correta decisão teve o condão de causar.
Juridicamente, a decisão é acertada. Tendo a última palavra, o Poder Judiciário, como se diz, é o último que pode errar. E, na verdade, não pode errar.
Com o evento da pandemia da Covid-19, os empregados no setor da saúde tiveram papel importantíssimo, sem os quais não seria possível todos os cuidados e a superação do alto número de mortos. São merecedores de toda consideração e reconhecimento, inclusive financeiro. Não há qualquer dúvida.
Mas esses profissionais devem compreender que estão, neste momento, sendo utilizados para um populismo irresponsável causado por uma das piores formações de nosso Congresso Nacional, e de um Presidente da República que tem utilizado de todos os recursos financeiros para sua reeleição.
É evidente que uma grande operadora hospitalar não pode ser comparada com uma Santa Casa, nem que o município de São Paulo não pode ser comparado com outro pequeno no interior do país.
A falta de técnica de nosso Legislativo e o interesse eleitoreiro estão presentes na Lei.
E há muitas incoerências além do problema da fonte de custeio.
Em 2017, ao aprovarem a nefasta reforma trabalhista que inseriu na CLT mais de cem artigos – muitos deles visando dificultar o recebimento de valores pelos empregados, blindarem maus pagadores, e dificultarem o acesso ao Judiciário, o discurso era que o negociado deveria prevalecer sobre o legislado.
Na mesma toada, Governo Federal e Legislativo quebraram a estrutura financeira dos sindicatos. Bem o mal, são os sindicatos que negociam convenções e acordos coletivos considerando a região, a possibilidade de quanto pagar e como pagar. Inclusive na área da saúde.
Porém, o atual governo se ocupou até de impedir em 2019 o recebimento de contribuição sindical descontada em folha e acordada em negociação coletiva. Sim, no Brasil do PIX o pagamento ao sindicato só pode ocorrer por meio de boletos.
Ora, é solar que o Congresso Nacional, ao aprovar uma lei que unifica um piso nacional sem considerar qualquer aspecto de fonte de custeio e do porte financeiro de quem paga, além de ser uma medida populista e irresponsável, ocupa-se em atuar no lugar dos sindicatos, de patrões e de empregados. O Legislativo e Executivo, desde 2017, em um momento afirmam que o negociado deve prevalecer sobre o legislado e, em seguida, interferem em relações contratuais de emprego como é o caso agora.
Há outras inúmeras medidas que poderiam beneficiar os trabalhadores da área da saúde, mas os legisladores não têm o mínimo de conhecimento e vontade para legislar.
Sabe-se, por exemplo, que em maio de 2007, o TST alterou a Súmula 228, determinando que, a partir da vigência da Súmula Vinculante 4 do STF, o adicional de insalubridade poderia ser calculado sobre o salário básico, salvo se houvesse critério mais vantajoso fixado por meio de convenção coletiva.
Não satisfeita, a Confederação Nacional da Indústria – CNI, reclamou junto ao STF e conseguiu liminar tornada posteriormente definitiva, uma vez que o Ministro Gilmar Mendes entendeu que “a nova redação estabelecida para a Súmula 228/TST revela aplicação indevida da Súmula Vinculante 4, porquanto permite a substituição do salário mínimo pelo salário básico no cálculo do adicional de insalubridade sem base normativa”.
Apesar de inconstitucional a fixação do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, reconhecida pelo Ministro Gilmar Mendes, não houve cominação de nulidade. Ou seja, até que o legislador fixe uma nova base de cálculo para o pagamento do adicional de insalubridade, permaneceu como base, até hoje, o salário mínimo. Coisas do Brasil, é inconstitucional, mas está valendo.
Desta forma, um profissional da saúde que receba adicional em grau médio, 20% do salário mínimo, ganha tão somente R$242,40 por mês para arriscar sua saúde no trabalho.
Curiosamente, o Tribunal Superior do Trabalho tinha na Súmula 17, posteriormente restaurada, previsto a possibilidade de aplicar o salário normativo como base de cálculo para pagamento do adicional de insalubridade, mas raramente a Justiça do Trabalho decide neste sentido. Conclusão: falta lei.
Outro exemplo de alteração que beneficiaria o profissional de enfermagem seria permitir a cumulação de adicionais de periculosidade e insalubridade; hoje a cumulação de adicionais é vedada, conforme tese jurídica do TST que sustenta que o artigo 193, parágrafo 2º, da CLT, foi recepcionado pela Constituição Federal, ainda que os adicionais sejam nascidos de fatos geradores distintos.
Como se verifica, há inúmeras possibilidades e necessidades na categoria dos trabalhadores da saúde, mas que o desinteresse e o fraco nível dos representantes no Legislativo parecem ser obstáculos intransponíveis