Após dois pregões consecutivos de forte alta, em que acumulou valorização de 5,22% e chegou a esboçar fechamento acima de R$ 5,40, o dólar ensaiou um refresco no mercado de câmbio doméstico na sessão desta terça-feira, 27. Pela manhã, a moeda chegou até a romper o piso de R$ 5,30, ao registrar mínima a R$ 5,2980 (-1,55%). Uma piora do ambiente externo ao longo da tarde, contudo, acabou levando a uma recomposição de posições defensivas. No fim do dia, o dólar – que chegou até a operar pontualmente em terreno positivo – era cotado a R$ 5,3765, em baixa de 0,09%.
A recuperação do real e de seus pares emergentes, como o peso mexicano, foi limitada nesta terça pelo fortalecimento da moeda americana no exterior e pelo avanço das taxas longas dos Treasuries. O índice DXY – termômetro do desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – voltou a superar os 114,000 pontos (máxima aos 114,472 pontos), com novas perdas do euro e do iene. Já a libra, castigada nos últimos dias pela repercussão negativa do anúncio de plano econômico no Reino Unido, teve uma leve alta.
Segundo operadores, a tendência de manutenção de dólar forte no mundo, aliada a uma postura mais cautelosa dos agentes às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial no Brasil, acaba inibindo apostas mais contundentes a favor da moeda brasileira neste momento. A deflação de 0,37% do IPCA-15 de setembro, maior que a mediana de Projeções Broadcast (-0,20%), e o tom duro ata do Comitê de Política Monetária (Copom) tiveram influência marginal na formação da taxa de câmbio.
“O dólar subiu muito rapidamente e havia espaço para uma correção no mercado local. Mas a tendência ainda é de um dólar forte no mundo porque os juros vão subir nos Estados Unidos e o quadro não é bom para outras moedas fortes”, afirma Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos. “A Europa está beirando uma recessão com a crise de energia, a libra despencou com esse pacote econômico no Reino Unido e o iene continua fraco com a política monetária frouxa no Japão”.
Dirigentes do Fed voltaram a reforçar o discurso duro contra a inflação nesta terça. Tido como maior falcão do BC americano, o presidente do Fed de St Louis, James Bullard, afirmou que é preciso agir enquanto o mercado de trabalho americano está forte Ele sinalizou que a provável taxa de juros terminal está ao redor de 4,5% e que “há riscos de recessão” nos EUA.
Por aqui, o Copom reforçou, em sua ata, a mensagem do comunicado da semana passada, quando manteve a taxa de juros em 13,75%, mas acenou com possível retomada do ciclo de aperto caso a inflação não arrefeça. Na ata, o Copom diz que “irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”.
Taxas de juros
Os juros futuros encerraram a terça-feira com queda em todos os vencimentos, especialmente nos intermediários que melhor refletem as expectativas para o próximo ciclo da Selic. Devolveram parte dos prêmios acumulados nas últimas sessões estimulados pelo IPCA-15 de setembro, que veio perto do piso das projeções e com leitura benigna dos preços de abertura.
A ata do Copom repetiu o tom duro do comunicado, mas não conseguiu demover o mercado da ideia de alívio da Selic nos próximos meses, mantidas na curva as apostas de corte já no primeiro semestre de 2023. A melhora do câmbio também favoreceu a trajetória das taxas. O leilão de NTN-B, mesmo com risco bem maior do que o anterior, foi absorvido sem sustos.
O destaque da sessão foi o contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025, tanto em termos de variação de taxa quanto em volume – nesta terça foi o mais negociado, com quase 700 mil contratos. A taxa caiu de 11,827% no ajuste de segunda-feira para 11,59%, uma diferença de mais de 20 pontos-base. O DI para janeiro de 2024 encerrou a sessão regular em 12,78%, de 12,948% na segunda, e o DI para janeiro de 2027, em 11,545%, de 11,688%.
O economista-chefe do Banco Original, Marco Antonio Caruso, destaca que a curva já abriu com “gap” grande, dada a avaliação de que a ata não mudou a percepção de espaço para queda da Selic nos próximos meses, mesmo com os dirigentes tendo sinalizado que o ciclo de baixa não está no horizonte. “A ata repetiu um comunicado que já havia sido ignorado”, afirmou.
No documento, o Copom reitera que vai perseverar na desinflação e no processo de ancoragem das expectativas. Na sequência da ata, veio a deflação de 0,37% do IPCA-15. Em 12 meses, a inflação já está abaixo de 8% (7,96%). Entre os preços de abertura, a média dos núcleos, preços livres, de serviços e serviços subjacentes vieram aquém do esperado.
O conjunto dos dados, na avaliação de Carlos Macedo, especialista em alocação de investimentos e sócio da Warren, auxilia o Banco Central em sua estratégia de manutenção da taxa de juros para observar a defasagem da política monetária. “É inegável que o pior da inflação já passou e que há arrefecimento marginal. A dúvida está em qual será a velocidade de queda da inflação nos próximos meses diante de uma atividade econômica aquecida internamente”, comentou.
Justamente a percepção de um hiato do produto mais estreito é considerado na ata entre os riscos altistas para a inflação, assim como as incertezas sobre os juros globais e advindas do cenário fiscal. Pelo lado baixista, são mencionadas a possibilidade de manutenção das desonerações tributárias em 2023 e a queda das commodities.
Na curva, a precificação é de manutenção da Selic em 13,75% até o fim do primeiro trimestre do ano que vem, com chances de corte de 0,50 ponto porcentual aparecendo a partir de maio, segundo a Greenbay Investimentos. O economista-chefe, Flávio Serrano, informou que a curva embute cortes de cerca de 270 pontos-base ao longo do ano que vem, com Selic fechando em 11,05%.
Com relação ao leilão de NTN-B, houve teve demanda integral pelo lote de 2,150 milhões, concentrado no vencimento mais curto (2025), de 1,250 milhão. A oferta foi muito superior à de 800 mil da semana passada, com o DV01 (risco para o mercado) saltando de US$ 311 mil para US$ 1,02 milhão, conforme a Necton Investimentos.
Bolsa
Mais alinhado nesta semana à aversão a risco que ainda prevalece no exterior, o Ibovespa emendou a terceira perda, ao cair 0,68% nesta terça-feira, aos 108.376,35 pontos, o menor nível de fechamento desde 5 de agosto (106.471,92). Em setembro, a queda acumulada pelo índice – negativo desde a segunda-feira – segue agora a 1,05%, com retração de 2,99% nestas duas primeiras sessões da semana. No ano, os ganhos são limitados a 3,39%. O giro desta terça-feira ficou em R$ 27,1 bilhões. Entre a mínima e a máxima, oscilou entre 108.120,26 e 110.161,07, com abertura a 109.121,86 pontos.
Novo sinal de deflação, pelo IPCA-15 de setembro, divulgado de manhã, não foi o suficiente para colocar o Ibovespa em sentido positivo, mesmo quando as bolsas de Nova York tinham sinal único e subiam, ainda que moderadamente, até o começo da tarde. No fechamento, as perdas em Nova York foram limitadas a 0,43%, no blue chip Dow Jones, com o Nasdaq conseguindo oscilar para o positivo (+0,25%) no encerramento. Na B3, “era para se ver algum alento, alguma recuperação, claro que longe de zerar perdas, mas um dia de recuperação com essa notícia (IPCA-15)”, aponta Nicolas Farto, especialista em renda variável da Renova Invest.
Contudo, poucas ações entre as mais líquidas conseguiram se descolar nesta terça da cautela que se impõe desde o exterior, com destaque para Gerdau PN (+2,59%) e Gerdau Metalúrgica (+1,19%), além de Petrobras (ON +0,70%, PN +0,71%), favorecida pela recuperação parcial do petróleo na sessão, em alta em torno de 3%. Na ponta do Ibovespa, além das duas ações da Gerdau, destaque também para BTG (+2,18%), Suzano (+2,05%) e Cielo (+1,74%).
O Itaú BBA acredita que Cielo e Stone, dois nomes “puros” de maquininhas, devem ter impactos positivos de dois dígitos em seus resultados no ano que vem com as novas regras para as tarifas de intercâmbio dos cartões de débito e pré-pagos, divulgadas na segunda-feira pelo Banco Central, reporta o jornalista Matheus Piovesana, do Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.
Na ponta de perdas do Ibovespa nesta terça-feira, Alpargatas (-4,84%), Positivo (-4,82%) e Dexco (-4,60%). O dia foi moderadamente negativo para Vale (ON -0,44%) e para as ações de grandes bancos (Itaú PN -0,94%, Bradesco ON -0,80%).
Na agenda macroeconômica, o recuo de 0,37% do IPCA-15 em setembro corrobora leitura positiva sobre o processo de desinflação no Brasil, avalia o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez. “Evidente que grande parte disso vem dos preços administrados”, ressalva. Nesta leitura, os administrados caíram 1,66%, ante deflação de 4,28% em agosto.
“O índice de difusão, que mostra o porcentual de itens que aumentaram de preço no mês, ficou abaixo de 60%, o sexto mês consecutivo de queda. Um bom sinal, mas é preciso esperar novos dados”, observa Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research
“O dado de hoje acontece por um fator muito temporário, que são as reduções tributárias. Então, é um dado meio poluído para olhar pra frente, ainda muito afetado por medidas de curto prazo, medidas tributárias”, avalia Raone Costa, economista-chefe da Alphatree Capital.
Em outro desdobramento importante da agenda do dia, “a ata do Copom teve um tom até neutro, com a mensagem clara de que os juros serão mantidos altos por mais tempo, com o BC perseverando no aperto monetário”, diz Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos.
“A ata não trouxe sinalização diferente da que foi dada no comunicado da semana passada, quando o Banco Central levantou o cartão amarelo para as apostas mais agressivas de cortes da Selic já no início de 2023. O BC já tinha feito ali ponderações de que está preocupado com a dinâmica da inflação no próximo ano”, diz Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos.
No front político, faltando poucos dias para as urnas abrirem, ganha corpo nas mais recentes pesquisas a expectativa de que a eleição, com aparente crescimento do chamado “voto útil” nesta chegada ao domingo, eventualmente seja definida ainda no primeiro turno.
A campanha eleitoral deste ano, embora com pouco impacto até aqui nos preços dos ativos domésticos, entra na reta final com novos apoios públicos à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como os do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, notabilizado durante o processo do ‘mensalão’, e do economista André Lara Resende, quadro técnico histórico do PSDB – mas do qual se afastou em anos recentes, por divergências teóricas frente a outros economistas com história associada ao partido.
Pouco antes de participar de encontro em que formalizaria publicamente apoio à candidatura Lula, Lara Resende, integrante da equipe que criou o Plano Real, defendeu políticas públicas de apoio à transferência de renda. Na segunda-feira, em entrevista ao programa Roda Vida, da TV Cultura, o ex-presidente do BC na gestão Lula, Henrique Meirelles, que aderiu à candidatura do petista na semana passada, disse ser possível conciliar despesas sociais com o teto de gastos desde que medidas de controle compensatórias sejam adotadas, como uma reforma administrativa.
Economistas brasileiros ortodoxos e de diversas instituições nacionais e do exterior divulgaram nesta terça um manifesto pelo voto no primeiro turno no ex-presidente Lula. Na maioria, economistas do meio acadêmico, de instituições como PUC-Rio, Insper e FGV, associadas ao pensamento liberal, e do exterior, sem ligação com o PT, que assinaram o documento em defesa da “proteção à democracia”.
Estadão Conteúdo