A Danielian Galeria apresenta a partir do dia 3 de dezembro de 2022 a exposição “Mulherio”, com mais de 60 obras, de 35 artistas brasileiras de várias gerações, que aborda a presença de corpos femininos na produção de artistas mulheres brasileiras, da modernidade aos dias atuais. As obras expostas foram reunidas graças a empréstimos de colecionadores, artistas e galerias, por Viviane Matesco – doutora em artes pela UFRJ, que pesquisa há 20 anos o corpo na arte –, curadora convidada por Marcus Lontra e Rafael Peixoto, respectivamente diretor artístico e curador da Danielian Galeria, para trabalhar em parceria neste projeto. Os trabalhos refletem experiências artísticas com múltiplos materiais e suportes, entre a pintura, a escultura, a videoarte, a instalação e a performance, deslocando também para os aspectos formais a questão central da mostra. Pela amplitude do tema tratado, esta exposição já nasce com possibilidades de futuras edições.
O corpo como território de resistência política, a sexualidade, e o ativismo estão em núcleos articulados, em que se reflete como o tema foi tratado pelas artistas ao longo do tempo. O título “Mulherio” é o mesmo do jornal editado nos anos 1980 por pesquisadoras da Fundação Carlos Chagas, em São Paulo, envolvidas com o estudo da condição feminina no Brasil. Em suas 40 edições, a publicação teve como colaboradoras nomes importantes do pensamento brasileiro como Lélia Gonzalez, Adélia Borges, Maria Rita Kehl, Ruth Cardoso, Carmen da Silva e Heloisa Buarque de Hollanda. [https://www.fcc.org.br/fcc/mulherio-home/]
LUTA POLÍTICA, CORPO, SEXUALIDADE
Viviane Matesco observa que, ao contrário dos EUA, onde desde os anos 1970 existem departamentos de história da arte dedicados ao feminismo, o corpo enquanto sexualidade só se tornou explícito na arte no Brasil a partir dos trabalhos de Marcia X nos anos 1980. “Embora no Brasil dos anos 1970 e 1980 haja um feminismo atuante, com Lelia Gonzalez, Heloisa Buarque de Hollanda, entre outras, nas artes visuais as mulheres não tinham esta posição de luta assumida. Ainda que com trabalhos transgressores como os de Anna Bella Geiger e Leticia Parente, com a relação corpo-arte bem explicitada nos vídeos, elas não se consideravam feministas”.
QUESTÕES SOCIAIS, DE COMPORTAMENTO
A curadora destaca que, em função da ditadura, as artistas expressavam questões sociais, de comportamento, maternidade.
Viviane Matesco diz que na geração seguinte, com Cristina Salgado, Ana Miguel, Nazareth Pacheco, e sobretudo Marcia X, já havia uma relação clara com o corpo, mas também essas artistas não se autodeclaravam feministas. “Não havia o engajamento típico das gerações mais novas”. A partir da década de 1990 começa a mudar este cenário, e na virada do século 21 surgem artistas com questões identitárias fortes, e assumem um papel de ativismo feminista, “como é o caso de Panmela Castro, Aline Motta e Lyz Parayzo, mulher trans, que traz novas concepções do ser mulher”. A curadora observa que ao contrário da visão eurocêntrica ou norte-americana, onde a mulher é “mais vitimada”, no Brasil “há pesquisadoras fazendo intercessão com a ação da mulher da periferia, em que há uma afirmação poderosa, longe dessa noção da mulher frágil”.
“A presença da mulher na arte brasileira é definidora. Consegue-se tranquilamente escrever uma história da arte moderna brasileira a partir das mulheres, e dificilmente se conseguiria isso com os homens”, afirma Marcus de Lontra Costa.
As artistas com obras na exposição são: Tarsila do Amaral (1886-1973), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004), Anna Bella Geiger (1933), Letícia Parente (1930-1991), Celeida Tostes (1929-1995), Maria Bonomi (1935), Maria Polo (1937-1983), Anna Maria Maiolino (1942), Ana das Carrancas (Ana Leopoldina dos Santos), 1923-2008, Conceição dos Bugres (Conceição Freitas da Silva), 1914-1984,Wega Nery (1912-2007), Nelly Gutmacher(1941), Josely Carvalho (1942), Sonia Menna Barreto (1953), Márcia X (1959-2005), Cristina Salgado (1957), Regina de Paula (1957), Lia Menna Barreto (1959), Brígida Baltar (1959-2022), Beatriz Milhazes (1960), Nazareth Pacheco (1961), Suzana Queiroga (1961), Ana Miguel (1962), Rosana Palazyan (1963), Niura Bellavinha(1962), Adriana Varejão (1964), Analu Cunha (1964), Berna Reale(1965), Elisa de Magalhães, Adrianna Eu (1972), Aline Motta (1974), Marcela Cantuária (1991), Panmela Castro (1981) eLyzParayzo (1994).
CORPOS COMO ESPAÇOS DE AÇÃO, INTIMIDADE E RESISTÊNCIA
Logo ao chegar, o público verá na fachada da galeria lambes com retratos de cerca de 200 mulheres brasileiras, atuantes em campos diversos como arte, música, literatura, ciência e política.
Nas salas da exposição, as obras se articulam em três núcleos: Força – corpos em resistência; Gestos – corpos em ação; e Âmago – corpos íntimos. Há várias interseções entre esses núcleos, e a disposição das obras segue uma percepção orgânica e fluida, como um corpo. Na entrada, como referências históricas, serão apresentadas obras icônicas de Tarsila do Amaral, Lygia Clark e Lygia Pape. Neste espaço, além do texto curatorial, haverá um fac-símile do jornal “Mulherio”.
A exposição propõe um contraponto poético ao modo como o corpo da mulher aparece na história da arte. Rafael Peixoto salienta que “para além da representação ou da objetificação, a exposição propõe olhares para o corpo a partir da visão de mulheres artistas, muitas vezes com forte carga autorreferencial”.
A cenografia projetada pela arquiteta Tania Sarquis vai utilizar transparências criadas por tecidos doados pela fábrica Marilan, que entre 1968 e 2015 produziu lingerie e moda praia feminina, empregando mais de quatro mil mulheres ao longo de sua história. Tecidos diáfanos, como véus, darão a ideia de camadas da pele, e irão dividir o espaço, servindo de fundo para as esculturas e orientando a visitação através das salas expositivas.
FORÇA– CORPOS EM RESISTÊNCIA
No térreo estará o segmento Força – corpos em resistência, com trabalhos de artistas que usaram o próprio corpo – físico, artístico, ou mesmo espiritual – como território de resistência. Anna Bella Geiger é o “Brasil Alienígena”. Nas obras de Letícia Parente, Nazareth Pacheco, Lyz Parayzo e Adriana Varejão objetos cortantes e perfurantes discutem a relação entre os padrões estéticos, o sacrifício e a identidade.
Obras que abordem o corpo como espaço de resistência e afirmação política e social também estão presentes nesse núcleo. A pintura de Marcela Cantuária, “Mundo interior”, traz um autorretrato da artista carregado de referências íntimas e pessoais. Já nas obras de Panmela Castro e Aline Motta essas referências partem da reafirmação de símbolos históricos e ancestrais.
O corpo político e as conseqüências no corpo físico de uma sociedade desigual, cruel, são aspectos vistos também nos trabalhos de Berna Reale, Rosana Palazyan e Sonia Menna Barreto.
Rafael Peixoto ressalta que mesmo as artistas que não trabalhavam explicitamente a questão do corpo em suas obras, “pelo simples fato de serem mulheres artistas de seu tempo, seus trabalhos já eram atos de resistência”.
Na escada que leva ao segundo andar, a artista Adriana Eu apresenta uma instalação onde aborda as questões da costura como ato visceral e íntimo, presente em grande parte de suas pesquisas.
SEGUNDO ANDAR
Na primeira sala do segundo andar estará o núcleo Gestos – corpos em ação, onde o corpo se manifesta plasticamente, poeticamente, de várias maneiras, diversas formas de expressão que vão além do que se costuma atribuir ao gesto feminino. A força do entalhe, o amassar o barro, o movimento aberto no espaço, manifestações do corpo para além dos estereótipos.
A esculturas de Conceição dos Bugres e de Ana da Carrancas, assim como a xilogravura de Maria Bonomi, o gesso moldado de Anna Maria Maiolino, e os “amassadinhos” de Celeida Tostes, mostram o contraponto entre rígido e o maleável, o macio e o duro. Já nas pinturas das artistas Niura Bellavinha, Maria Polo, Wega Nery e na cartografia de Suzana Queiroga, o gesto salta para o espaço, assim como na fotografia de Regina de Paula, e no vídeo de Analu Cunha.
ÂMAGO– CORPOS ÍNTIMOS
Na interseção entre a sala “Gestos” e “Âmago” estará em um nicho escavado na parede a obra “O Re-Partido” (2014), de Adrianna Eu, um coração de cristal rodeado de cacos.
No espaço dedicado ao núcleo Âmago – corpos íntimos o público verá as obras que abordam aspectos íntimos do corpo e seus desdobramentos. São as vaginas e hermafroditas de porcelana de Nelly Gutmacher, o vibrador com luminoso “Love me” (série “Fábrica Fallus”, 1992-1997), de Marcia X, os corpos amórficos de Cristina Salgado, o “Livro-Mamá” (2021), de Brígida Baltar, as bonecas de Lia Menna Barreto, o objeto “Sobre nácar”, de Anna Bella Geiger, as fotografias “Torso” e Queda D’Água”, de Elisa Magalhães, a ânfora com essência de dama da noite criada por Jocely Carvalho em parceria com uma empresa, e outros trabalhos de Adriana Eu, que usa a costura como processo de autoconhecimento sobre o ser mulher.
SERVIÇO: Exposição “Mulherio”
Abertura: 3 de dezembro de 2022, das 18h às 21h
Até: 4 de fevereiro de 2023
Danielian Galeria, Gávea, Rio de Janeiro
Rua Major Rubens Vaz, 414, Gávea, Rio de Janeiro, CEP 22470-070
Segunda a sexta-feira, de 11 às 19h
Entrada gratuita
Telefones: +5521.2522.4796 +5521.98830.3525
Email:contato@danielian.com.br
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