O ano de 2022 foi especialmente desafiador. A fragilidade da nossa democracia, tão recente e duramente conquistada, foi exaustivamente exposta de um modo tão peculiar e afrontoso como há muito tempo não se via. Na área dos direitos humanos, vivemos retrocessos de fazer doer os ossos porque da alma nem se fala. Especificamente no Rio de Janeiro, esse estado de onde falo, tivemos recorde de denúncias de violações, segundo a Anistia Internacional, à frente de São Paulo, de Minas Gerais, do Ceará e do Paraná em número de denúncias. O relatório produzido pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio (CDDHC-Alerj) sobre os últimos 12 meses, confirma as ameaças a que estamos expostos diariamente. Entre as denúncias que recebemos ao longo do ano na CDDHC, o racismo aparece como fator estruturante das mazelas a que boa parte da população fluminense é submetida. Pelo viés do racismo, é possível enxergar, com um mínimo de boa intenção, as causas da negação de direitos e os consequentes déficits de cidadania e de democracia na vida dos pretos e pobres que habitam as favelas e regiões periféricas do nosso estado. Eu falo sobre racismo e preconceito de classe com conhecimento dessa causa que combato. Nasci na favela, conheci cedo a precariedade, sei bem o que é querer ser - e não poder - nesse território minado que mata mais os meus. Se sobrevivi até aqui, foi graças às políticas públicas que, mesmo limitadas, me asseguraram a escola, a universidade, o posto de saúde, a pequena praça onde eu pude aprender que brincar é fundamental para qualquer criança, ainda que a perversidade daqueles que deveriam nos proteger tente nos corroer a esperança desde cedo. O que vivemos nesse ano evidencia o quanto as fragilidades a que estamos expostos nos põem em risco como sociedade. Apesar dos privilégios de alguns, todos perdemos enquanto esse estado de infrações e injustiças prevalecer. Além das violações aos direitos individuais, o estado que manda a polícia “mirar na cabecinha” deixou um saldo aterrador em chacinas: 25 mortos na Vila Cruzeiro, em 24 de maio; 18 mortos no Complexo do Alemão, em 21 de julho; cinco mortos no Complexo da Maré, em 26 de setembro. Nesse exato momento, um cidadão pode estar tendo seus direitos violados. Algum jovem preto pode estar sendo confundido com bandido e pode ser encarcerado sem que seu direito de defesa e presunção de inocência sejam assegurados. Com o mínimo de boa intenção, informação e compromisso ético, é possível entender que naturalizar tantas mortes e violações é racismo, e é contra ele que devemos agir se quisermos um estado seguro para todos. É também contra esse Estado que dispara tiros, que estimula o armamento de civis, que não abre escolas, que deixa faltar remédios e que abala a nossa fé que precisamos agir. Precisamos mudar a perspectiva para mudar a realidade. *Dani Monteiro é deputada estadual reeleita pelo Psol e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj. Edição: Mariana Pitasse
Artigo | Racismo é a causa das principais violações de direitos humanos no Rio de Janeiro
Equipe de jornalistas, colaboradores e estagiários do Jornal DC - Diário Carioca