Que rei sou eu?

Fernando Ringel
Pelé - Foto: Reprodução Twitter

Todo aplicativo, ou programa de texto, dá sugestões para completar corretamente o que está sendo escrito. No caso, se for digitada a palavra “pele”, logo aparece “Pelé”. Como se trata de um apelido, e não um nome ou palavra comuns, isso é raro. Coisa de quem é importante a ponto de fazer a fama de outros. Exemplo disso é o goleiro da Inglaterra, Gordon Banks, eternizado por ter salvo uma cabeçada indefensável, feita por quem tornou a camisa 10 sinônimo do melhor jogador de cada time. 

Mas enquanto muitos desejam a fama, quantos já foram carregados pelos próprios repórteres? Uma coisa dessa não acontece todo dia porque é só para quem faz mil gols! E nessa ocasião, a comemoração de Pelé também foi incomum: “Pelo amor de Deus, o povo brasileiro não pode esquecer das criancinhas, as criancinhas pobres, as casas de caridade. Vamos pensar nisso. Não vamos pensar só em festa”. Ali, estava a sua preocupação com “coisas mais sérias”, que voltaria a se manifestar no apoio às “Diretas Já”, movimento que pedia o retorno do voto para presidente, cargo ao qual cogitaria se candidatar mais tarde, em 1994. Tinha a ideia de criar seu próprio partido, que não levou adiante, mas chegou bem próximo do seu objetivo. No primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, foi nomeado ministro do esporte, sendo responsável pela criação da Lei Pelé, que proporcionou direitos trabalhistas para os atletas.

Porém, a política foi um capítulo pequeno em sua história, e para os que não gostam do assunto, é como dizia o personagem mexicano, Chaves: “teria sido melhor ter ido ver o filme do Pelé”. Entrevistado pelo jornal O Globo, em seu aniversário de 80 anos, o “Atleta do Século” refletiu sobre a eternidade: “espero que, quando eu for para o céu, que Deus me receba da mesma maneira que todo mundo me recebe hoje, por causa do nosso querido futebol”. Eis o brasileiro, que alcançou o estrelato no Santos para encerrar sua carreira, poeticamente, no Cosmos.

Dentro das quatro linhas

É natural que a vida aconteça e vire notícia, só que 2022 resolveu ir embora chutando a porta. Desde 29 de dezembro, morreram Pelé e o Papa Bento XVI, Bolsonaro foi para os Estados Unidos, e Lula assumiu a presidência sob muita tensão. Tudo, somado ao réveillon, no ano que teve até mesmo o falecimento da “imortal” rainha da Inglaterra. Assim como nos jogos de xadrez, foram-se o rei (Pelé), a rainha (Elizabeth II), o bispo (Papa Bento XVI) e sobraram as torres, disputadas por peões e cavalos. 

Para quem é de direita, o jogo ficou ainda mais complicado após o resultado das eleições, quando sua principal peça desapareceu do tabuleiro. Pior para os patriotas, que ficaram dois meses em frente aos quartéis, tentando encontrar algum caminho “nas entrelinhas”. Foi assim que o dia 30 de dezembro chegou, com Bolsonaro finalmente fazendo o seu pronunciamento, para em seguida viajar aos Estados Unidos. E quando parecia ruim, no dia 31, o vice, Hamilton Mourão, alfinetou em cadeia de rádio e TV: “Lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de país, deixaram com que o silêncio, ou o protagonismo inoportuno e deletério, criasse um clima de caos e de desagregação social. E de forma irresponsável, deixaram que as Forças Armadas, de todos os brasileiros, pagassem a conta. Para alguns, por inação e para outros por fomentar um pretenso golpe”. Enfim, Bolsonaro elegeu muita gente pelo país, mas podendo ser o “rei da oposição”, acabou optando por sair da presidência pela porta dos fundos. E como não existe poder sem dono, os partidos de centro já migraram para o novo governo. 

Resta para a direita, torcer pelo sucesso de nomes viáveis, como Romeu Zema, em Minas Gerais, e Tarcísio de Freitas, em São Paulo. A partir de 2026, isso poderia significar uma nova versão da “política do café com leite”? Sem ter nada com as confusões dos outros, Lula inicia seu terceiro mandato, contra tudo e todos, em uma história digna de filme. Eis a vida: enquanto uns são valentões, outros são simplesmente valentes, ou vá lá, humildes para aprender. Para esses, xeque-mate.

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Fernando Ringel é Jornalista e mestre em comunicação