Em 3 de janeiro de 2023, Shaun Tandon, da France-Presse, perguntou a Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado estadunidense, sobre a Venezuela. No final de dezembro, a oposição venezuelana – após um intenso debate – decidiu dissolver o “governo interno” liderado por Juan Guaidó. Desde 2019, o governo estadunidense reconhecia Guaidó como “presidente interino da Venezuela”. Com o fim de seu “governo”, Tandon perguntou se “os Estados Unidos ainda reconhecem Juan Guaidó como presidente interino legítimo”.
A resposta de Price foi que Washington reconhece a “única instituição democraticamente eleita que se mantém na Venezuela, que é a Assembleia Nacional de 2015”. Certamente, quando o governo estadunidense apoiou Guaidó como “presidente interino”, o fez pelo seu papel como então presidente dessa Assembleia Nacional em 2019. Dado que a presidência da Assembleia Nacional muda anualmente, Guaidó deveria ter deixado o cargo no final de 2020. Mas ele não o fez, rompendo com o artigo 233 da Constituição venezuelana de 1999, que ele citava em 2019 como base para seu ascenso.
Price disse: “A Assembleia Nacional de 2015 renovou seu mandato”. No entanto, essa assembleia foi dissolvida quando seu mandato expirou e foi substituída – após eleições em dezembro de 2020 – por outra Assembleia Nacional. O governo estadunidense qualificou as eleições de 2020 como uma “farsa política”. Mas quando me reuni com os líderes dos partidos históricos da oposição venezuelana, em 2020 (Pedro José Rojas, da Ação Democrática [AD] e Juan Carlos Alvarado, do Comitê de Organização Política Eleitoral Independente [COPEI]), eles me disseram que as eleições de 2020 eram legítimas e que simplesmente não sabiam como superar a massiva onda de eleitores chavistas. Desde que os membros da nova Assembleia tomaram posse, a Assembleia de 2015 não pôs um pé no Palácio Federal Legislativo, sede da Assembleia Nacional, nas proximidades da Plaza Bolívar, em Caracas.
Essencialmente, portanto, o governo estadunidense crê que a verdadeira instituição democrática na Venezuela é uma que há sete anos não se reúne, e cujas forças políticas decidiram – contra os conselhos da AD e do COPEI – boicotar as eleições de 2020.
Por outro lado, no início de janeiro de 2023, Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, falou com o jornalista Ignacio Ramonet. Maduro disse a Ramonet que está “preparado para diálogos do mais alto nível e com relações de respeito”. Esperava que um “raio de luz” chegasse ao gabinete do presidente estadunidense, Joe Biden, permitindo aos EUA deixar de lado sua “política extremista”. Ned Price não só rechaçou esse gesto de paz, mas também disse que a postura estadunidense frente Nicolás Maduro “não está mudando”, uma declaração incômoda, já que membros do próprio governo de Price foram a Caracas em março e junho de 2022 para se reunirem com a administração Maduro e discutir a normalização de vendas de petróleo e a libertação de cidadãos estadunidenses detidos.
Enquanto isso, a pergunta de Tandon paira sobre a Casa Branca.
Este artigo foi produzido para a Globetrotter