Qual o legado da visita do presidente Lula a Portugal?

Diário Carioca

A comitiva de ministros que acompanhou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em viagem oficial a Portugal fez com que a passagem do presidente fosse ainda mais relevante aos mais de 400 mil brasileiros e brasileiras que residem no país.

Desde o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff, a comunidade do Brasil no exterior viveu anos de angústia e incertezas. Foram quase sete anos de invisibilidade para estudantes, trabalhadores e cidadãos que decidiram cruzar o oceano em busca de boas oportunidades.

Em um encontro nas dependências do hotel Tivoli, em Lisboa, os ministros Silvio Almeida, dos Direitos Humanos e Cidadania, Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência da República, e Anielle Franco, da Igualdade Racial, além de Marcelo Freixo, presidente da Embratur, receberam as reivindicações e sugestões de 40 organizações de imigrantes que vivem em Portugal e em outros locais da Europa.

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Após mais de duas horas de reunião, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, disse ter recebido todas as propostas com muita atenção e que o apelo dos brasileiros será ouvido pelo presidente Lula. “Recebemos uma série de sugestões para correções na relação das embaixadas e dos consulados com os migrantes do Brasil, não só em Portugal, mas também na França, na Irlanda e na Espanha”, afirmou.

O Movimento Brasileiros Emigrados reivindicou ao governo a criação de um conselho de direitos de brasileiros emigrados, e a Casa do Brasil de Lisboa entregou uma carta aos ministros que também ressalta os 31 anos de trabalho desenvolvido junto aos brasileiros e brasileiras que vivem em Portugal.

Entre os pedidos, estão as mudanças nos horários de atendimento da embaixada e uma linha telefônica permanente para que os imigrantes possam realizar queixas relacionadas ao preconceito que, segundo os brasileiros, cresce a cada dia com a ascensão da extrema direita no país.

Segundo Silvio Almeida e Marcio Macêdo, um relatório desse encontro será entregue ao ministro das Relações Exteriores do Brasil, mantendo a promessa de um “diálogo de alto nível” com o governo português para dar respostas a todas as legítimas reivindicações. “A atuação internacional do governo também foi destruída. Eu quero trazer de volta o que tínhamos, mas que não foi suficiente para evitar tudo que vivemos hoje”, afirmou Silvio ao lembrar que política de Direitos Humanos deve ser de Estado e não de governo.

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A ministra Anielle Franco garantiu que não desistirá dos acordos tratados durante as reuniões da 13ª Cimeira Luso-brasileira (que já não se realizava há sete anos). Anielle explicou aos movimentos de imigrantes que conversou com Ana Catarina Mendes, ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares de Portugal, esclarecendo que uma das propostas passa pela cooperação entre o Observatório do Racismo e Xenofobia em Lisboa e uma universidade pública brasileira, além do acordo de boas práticas de combate ao racismo.

“Mesmo entendendo as dificuldades do lugar em que estamos, do conservadorismo, da repúdia que houve e do argumento de que não há racismo aqui, nós vamos continuar falando e não vamos desistir. As políticas de igualdade social não cabem somente em uma Secretaria. Eu disse ao presidente Lula que é a primeira vez que a gente consegue pautar racismo e xenofobia em Portugal, e isso é um feito histórico”, comentou.

Antes de finalizar o encontro com as organizações, Silvio Almeida respondeu a respeito do crescimento da extrema direita no Brasil e em Portugal ressaltando a missão de reconstruir as formas de participação social na elaboração e aplicação de políticas públicas. Informou ainda a indicação da antropóloga Letícia Cesarino para comandar a criação do Plano Nacional de Cidadania Digital.

“Nós precisamos fazer a disputa ideológica e entender o funcionamento das formas de disseminação do discurso de ódio e do fascismo, que é fluído e consegue se espalhar em várias camadas da sociedade. Por isso, vamos criar protocolos para identificar pessoas que estão radicalizadas pela extrema direita”, explicou.

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Para o ex-dirigente da Casa do Brasil em Lisboa, Carlos Viana, Lula deveria fazer como os chefes de Estado portugueses e se encontrar com os representantes de movimentos e coletivos de imigrantes quando houver uma agenda oficial no exterior. “Lula tem a obrigação, como Presidente, de fazer um grande encontro com a comunidade para a ouvir”, frisou.

Mesmo sem a presença de Lula, foi visível a satisfação de muitos brasileiros e brasileiras que se sentiram ouvidos depois de quatro anos de um governo que se esqueceu da existência dos mais de 400 mil imigrantes (segundo estimativas do próprio governo português) em terras lusitanas.

O legado

Foi em Lisboa, durante a 13ª Cimeira Luso-brasileira, que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e sua comitiva composta por 8 ministros, fecharam 13 acordos bilaterais com o governo português. Além de alargar o investimento em setores específicos e fortalecer a economia entre os dois países, essas resoluções também geram impacto no difícil cotidiano da maioria dos brasileiros e brasileiras que residem em Portugal.

Ainda na primeira atividade oficial no Palácio de Belém, o presidente do Brasil defendeu a ousadia nos negócios entre os dois países alegando que, apesar de falarem a mesma língua, Brasil e Portugal precisam conversar mais. Tratou também da importância de se firmar políticas econômicas e sociais para a América Latina e o Caribe. “A CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) pode trazer bons frutos para uma comunidade com quase 300 milhões de habitantes através da língua portuguesa.”

Os 13 acordos de cooperação abrangem as áreas de migração, tecnologia, turismo, comunicação, saúde, educação e audiovisual. Um dos principais despachos tem a ver com a validação dos diplomas de ensino fundamental e médio (básico e secundário em Portugal) que poderão facilitar o acesso de muitos brasileiros e portugueses ao ensino superior em ambos os países.

A respeito da facilitação para diplomas de nível superior, o ministro da Educação, Camilo Santana, disse que o tema continuará a ser discutido entre os dois países. Atualmente, brasileiros e brasileiras que querem atuar na área de saúde e medicina em Portugal precisam realizar um processo altamente burocrático e cheio de regras.

Segundo Camilo, o governo pretende criar um sistema online para digitalizar e facilitar o serviço de apostilamento e reconhecimento de diplomas. Sobre a questão dos certificados de nível superior, a expectativa é que um acordo semelhante ao feito para diplomas no ensino básico e médio seja realizado na próxima conferência luso-brasileira, em 2024.

Ao citar o programa “Mais Médicos”, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, também admitiu que as conversas vão se manter entre os dois países, reforçando que uma simplificação do processo de equivalência ajudaria Portugal a resolver o problema da falta de médicos no país. Hoje, segundo estimativas do governo português, um em cada 4 cidadãos não possuem médico de família (clínico geral) nos centros de saúde, realidade que também atinge em cheio as comunidades imigrantes.

Outra importante resolução diz respeito à validação da carteira de habilitação através do reconhecimento mútuo, dispensando a necessidade do condutor de ter que fazer novos exames para dirigir em território lusitano. Essa medida já estava em vigor desde 2022. Todos os brasileiros e brasileiras que possuam CNH emitida após o ano de 2017 serão considerados válidos em Portugal. 

O supertucano

Depois de participar do Fórum Empresarial Brasil e Portugal em Matosinhos, Porto, Lula embarcou ao lado do primeiro-ministro português, António Costa, no KC-390, o avião militar da Embraer desenvolvido com tecnologia portuguesa. O voo foi conduzido pelo comandante da Força Aérea Brasileira, tenente-brigadeiro do Ar, Marcelo Damasceno.

Ao aterrarem em Alverca, os líderes dos dois países assinaram um protocolo para o desenvolvimento do novo Super Tucano A 29N, um avião com os padrões da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). O acordo vai permitir que diversas empresas aeroespaciais portuguesas fortaleçam a Base Tecnológica e Industrial de Defesa de Portugal com a fabricação da aeronave destinada ao combate aéreo.

Esse projeto permite ainda que a OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal aumente as suas receitas para 500 milhões de euros. O acordo entre a Embraer e o governo lusitano também prevê, a partir deste ano, a entrega de cinco aeronaves KC-390 à Força Aérea Portuguesa pelo valor de 872 milhões de euros. O memorando também vai abranger o Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEiiA), o Empordef Tecnologias de Informação (ETI) e a GMVIS Skysog.

“Estão incluídos neste contexto os processos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, com o intuito de ampliar e aumentar as relações comerciais de longo prazo entre as empresas durante as fases de desenvolvimento, produção e suporte à operação da aeronave A-29N”, explicou a Embraer, em comunicado oficial.

O português Renato Faria, 46 anos, técnico de Manutenção Aeronáutica na OGMA, ressaltou a felicidade dos trabalhadores em receber Lula em sua sede, mas também fez o alerta a respeito dos baixos salários que levam muitos a deixarem a empresa. “Os trabalhadores ficam animados e na expectativa sempre que são assinados novos contratos, pois acaba por significar mais trabalho. Lembrando que já fizemos aqui na OGMA um painel para o avião KC 390 da Embraer. Os lucros para a empresa são positivos sim, mas em relação aos ordenados de quem gera a riqueza é um assunto mais complicado, pois os baixos salários só aumentam com a consciência e a luta dos proletariados.”

KC-390, o avião militar da Embraer desenvolvido com tecnologia portuguesa / Divulgação

Brasil, o país da diplomacia

Após receber uma carta da Associação de Ucranianos em Portugal, Lula também resolveu enviar o ex-chanceler Celso Amorim para uma visita à Ucrânia. “Meu governo condena a violação territorial da Ucrânia, defendendo ao mesmo tempo uma decisão política e negociada para o conflito, criando um grupo de países para sentar à mesa com a Rússia e com a Ucrânia para debater a paz”, disse em coletiva no Palácio de Belém ao lado do presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa.

Lula reiterou o seu compromisso de buscar a paz ao ser questionado sobre as últimas declarações acerca da guerra na Ucrânia, além das críticas em relação aos Estados Unidos e à União Europeia. “Se você não fala de paz, você continua a guerra. O chanceler alemão Olaf Scholz foi ao Brasil. Recusamos vender mísseis, porque, se morresse um russo, a culpa seria do Brasil. E o Brasil não quer participar da guerra. Nós queremos a paz”, afirmou o presidente.

Mantendo o seu alinhamento com a OTAN e com a União Europeia, Marcelo Rebelo voltou a defender a retirada das tropas russas do território ucraniano ao lado de Lula. Segundo o presidente português, a paz justa só depende dos termos da resolução da ONU que defende a retirada das forças armadas da Rússia na Ucrânia.

O documento foi votado em fevereiro de 2022 com assinaturas dos dois países. “Portugal, ao lado da União Europeia e da NATO (OTAN), pensa que não é uma situação justa não defender a Ucrânia e não ajudá-la a recuperar um território invadido pela Federação Russa”, frisou.

Antes do encerramento da conferência, Lula da Silva aproveitou para anunciar ainda a abertura de um escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Lisboa, defendeu o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia e relembrou o crescimento da extrema-direita em ambos os países, dizendo que há um renascimento do extremismo no mundo e que neste momento Brasil e Portugal são duas democracias “ameaçadas pela violência e pelo discurso de ódio”, finalizou.

Edição: Vivian Virissimo

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