De vez em quando vou ao Congresso Nacional, para fazer algum freelance, mas, até um certo tempo atrás, passava boa parte do dia, lá, cobrindo as atividades para jornal ou portal, ou assessorando parlamentares. Para um escritor, o Congresso é um laboratório, pois transita por lá uma fauna riquíssima em tipos, capaz de satisfazer os mais criativos ficcionistas. Foi assim que conheci um senador inesquecível, que evoca aquele fedor de ácido úrico que às vezes sentimos nas paradas de ônibus.
Era o tipo que carrega consigo, sempre, uma saca de confete. Seu corpanzil esparramado na poltrona atrás da sua mesa de trabalho lembrava um animal híbrido, com cabeça de ratazana e, do pescoço aos pequenos pés, um yorkshire. Quem o via, mesmo uma única vez, jamais o esquecia, muito menos quem convivia com ele; aí, se tornavam puxa-sacos, embora cultivassem contra ele o sentimento que oscila da bajulação ao ódio, movidos pelo interesse, pois só assim era possível conviver com ele, já que seria impossível sentir amor por uma criatura tão mesquinha e odiosa.
Nesses casos, o interesse transforma os interessados em diplomatas, sempre com um facão mental pronto para o golpe, com a peixeira entrando pela saboneteira e mergulhando até o coração. Mas, para não exaurir a fonte de corrupção, vão golpeando aos pouquinhos o objeto do seu ódio contido, procurando tirar alguma espécie de proveito, alimentando a esperança de vê-lo exangue, pilhado, morto. Um jogo no esgoto.
O senador era quase uma unanimidade, incensado pela imprensa setorizada no Congresso Nacional. Os que transcendiam o olhar de mero jornalista logo percebiam o jogo. Se os gabinetes dos senadores do baixo clero são conjuntos principescos de salas, os gabinetes dos incensados pela mídia são mais impressionantes ainda, caso do senador em questão. Seu gabinete estava sempre de portas abertas para jornalistas, à disposição para a prestação dos mais variados serviços, de xeroxes a telefonemas internacionais e passagens aéreas, até presentes em dinheiro, o que alguns repórteres adoravam, e se entregavam ao jogo com o mesmo brilho nos olhos dos glutões nos banquetes.
Falar em glutão, essa era outra das características do senador que o tornavam tão inesquecível, e ultrajante. Ele praticamente não mastigava. Comia no almoço, facilmente, um quilo de boia, que ia se acamar numa pança roliça, um tonel, rijo de tão inflado, o intestino grosso transformado em uma fossa, com, seguramente, meia centena de quilos de dejetos presos nas dobras da tripa, somados aos 100 quilos de peso do paquiderme, muitos dos quais armazenados na barriga, fígado, quadris e coxas.
Outro fator impressionante era sua história, real ou imaginária, que ele contava para a plateia amestrada. Afirmava que herdara do seu pai, desempregado crônico, sua prodigiosa energia sexual e instrumento asinino, e, da mãe, dona de um mercadinho, o tino para os negócios. O fato é que desenvolveu o desprezo com que tratava as mulheres observando como seu pai se comportava com sua mãe; ela passava o dia trabalhando e era trabalhada, assim que se deitava, por um macho bem-disposto. Ela costumava dormir quase que imediatamente, embora mantivesse a consciência de que era penetrada pelo desocupado. Inconscientemente, procurava facilitar as coisas, para não sentir ardência no dia seguinte.
– Meus caros, diletos amigos, chegou a hora de nos assenhorearmos deste fabuloso país, chegou a hora de ocuparmos nosso bunker, o bunker da elite de Brasília, que somos nós. Precisamos terminar de construir nossa Copenhagen, cercando a Praça dos Três Poderes com uma verdadeira Muralha da China. Precisamos, juntamente com Lula no Palácio do Planalto, instalar logo a ditadura, e se espojar em uma bacanal imobiliária e de transportes públicos, uma bacanal jamais vista, tudo com dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e da burra, é claro – ele disse, segundo me foi descrito pelo seu segurança, que era gente minha.
Ele continuou:
– Tudo será pago: os estacionamentos públicos, a manutenção dos cemitérios, o setor de saúde, a segurança, a exploração de água, esgoto e luz ao controle de fornecimento de alimentos a materiais em geral utilizados no setor público, principalmente material para as escolas públicas e para os hospitais; asfalto, grama, e, claro, material de construção; e partilharemos as terras devolutas, sem dono – o animal híbrido fez uma pausa e olhou para a plateia. Tinha consciência de que a fala de radialista era sua melhor ferramenta; mastigava as palavras, burilava-as, tornava-as uma mentira convincente para ele mesmo. Treinara a exaustão o falar com fluência, flexionando os verbos e os pronomes corretamente.
À mesa, à frente e à direita do senador, o bilionário mineiro Boca Mole, parecia beber as palavras sopradas pelo paquiderme. Boca segurava impecável lenço de linho branco para limpar a baba que teimava em escapulir entre os lábios frouxos; às vezes, lambia os beiços arroxeados com uma língua de boi. Comentava-se que tinha uma ferramenta tão poderosa quanto a língua, e que era mais perigoso, nesse quesito, do que o senador, pois não deixava escapar nem o diabo de saia.
Fizera fortuna durante a construção de Brasília, afinal, sempre estivera certo de que o DF estava destinado aos mineiros; não fora um mineiro que demarcara o Distrito Federal e construíra Brasília? E não se tirou sequer um naco de Minas Gerais; o DF foi arrancado, ou melhor, implantado, em Goiás. O senador seria apenas mais uma catapulta para seus negócios, rumo a se tornar o homem mais rico do país. Aquele porco catapultaria seus negócios de tal maneira que lhe dava a perspectiva de se tornar até o homem mais rico do mundo.
À esquerda do senador, o rei do transporte público, goiano, fumava um Cohiba. Mandara fazer implante de cabelos e pintava-os, juntamente com os que lhe restavam, tão negros que resvalavam para um tom azulado. Os cabelos ralos e manchas escuras que lhe malhavam o rosto encovado lhe davam aspecto sinistro. Comentava-se que teria mandado matar o pé de pano que dava à mulher dele o que ele não podia mais proporcionar a uma potra meio século mais jovem.
Entre os dois, flutuava a deputada, mineira, dona de uma das maiores empresas de segurança e limpeza do país. Lembrava Jéssica Rabbit; toda vez que Boca Mole olhava para ela a baba teimava em sair dos lábios em prolapso. Seguramente, um bom naco do país pertencia àquele quarteto.
No outro lado do salão, perto da porta principal, o segurança e motorista do senador, homem de sua estrita confiança, estava sentado numa poltrona, imóvel como uma estátua, de óculos escuros e empacotado em um terno preto de nylon. Tinha cerca de 50 anos e lembrava todinho um búfalo com garras de leão. Estava ali, imóvel como uma estátua, mas era capaz de ouvir até sussurros e podia enxergar através das paredes, por meio do faro. Dizia-se descendente de Lampião e havia o boato de que estripara uma família inteira em Pernambuco, antes de migrar para Brasília, onde foi acolhido pelo senador.
Chegou a Brasília no fim dos anos 1980, atraído pelo lote, pão, leite, hospital e escola que o governador Joaquim Roriz estava oferecendo para migrantes de todo o Brasil, que formariam seu curral eleitoral ao transformar o Distrito Federal em estado. Na época, o senador ainda não era senador; tinha um devezenquandário. Quando viu Lampião reconheceu de imediato que aquele gigante tinha potencial para se tornar seu segurança e motorista, e, se precisasse, matador.
Acolheu o búfalo, que viera com mulher e um casal de crianças, e providenciou-lhe aula de volante e um curso especial em uma empresa de segurança, onde Lampião se aprimorou zelosamente em artes marciais e armas brancas – principalmente katana, pois um de seus instrutores era mestre em espada japonesa –, e de fogo, além do curso de Direito no Centro Universitário de Brasília (Ceub).
Nessa época, o sócio de do futuro senador no devezenquandário sacou o que estava acontecendo e publicou uma matéria profética sobre o inchaço que Brasília viria a sofrer. Foi um tiro no pé; ou melhor, no timo, o que se tornou a marca registrada de Lampião.
– Para isso, meus irmãos, para que tomemos conta deste país, para que este país seja completamente nosso, para que possamos fazer o que quisermos no nosso país, para que nos tornemos intocáveis no nosso país, precisamos tomar posse, de fato, dele; e eu sou o homem que vai nos proporcionar essa chegada total ao poder.
Fez uma pausa, e continuou.
– Mas, para que nos tornemos – fez outra pausa –, para que nos tornemos onipotentes, sim, onipotentes, precisamos acabar com ele, vocês sabem quem, e fortalecer o nosso grande comandante. Para isso, senhores, precisamos depositar, cada um de nós, um milhão de reais na conta do nosso clube, dinheiro que será usado, desde agora, para derrubar… vocês sabem quem, para extirpar da Humanidade a ameaça que paira na Esplanada dos Ministérios, e que deveria ter sido arrastado para o inferno, mas que sobreviveu graças à incompetência de terceiros.
Fez de novo uma pausa.
– Também precisamos, desde agora, planejar a campanha vitoriosa e eleger nosso líder, além de mim, e o máximo de deputados e senadores. Aqui está o número da conta em que deverão depositar o dinheiro – o senador passou um papel com as anotações para cada um deles. E voltou a falar.
– É claro que, assim como nós, há, no Brasil inteiro, alguns líderes, homens de bem, trabalhando para recolocarmos nosso grande chefão de volta de onde ele nunca deveria ter saído; o trabalho principal ficará a cargo da quase uma dúzia de aves de rapina que pousam na Praça dos Três Poderes. Nessas alturas dos acontecimentos, o palhaço não será eliminado fisicamente, mas desmoralizado e, mais para a frente, apodrecerá na prisão. Morrerá pelo desgaste, e levará consigo seus filhotes para o inferno.
Silêncio.
– E as forças…? Você sabe… – Jessica Rabbit perguntou.
– Desde 1985 que não querem se meter na vida política do país – o senador respondeu, e, baixando a voz. – Não podemos perder a oportunidade de aumentar nossa força de pressão; temos que devolver o Palácio do Planalto ao nove dedos, de onde ele nunca deveria ter saído. Por isso, precisamos ser generosos, porque temos que tomar conta do Congresso Nacional e de aparelhar todos os poderes do nosso querido Brasil. Para isso, será necessário muito dinheiro, desde agora. Mas esse dinheiro será multiplicado e restituído. Porém o melhor de tudo, meus amigos, meus sócios, membros diletos deste clube exclusivíssimo, é que nós é que faremos e aplicaremos a lei, e perpetuaremos isso, indefinidamente, por meio dos nossos descendentes, como numa dinastia.
Seguiram-se uns seis segundos de silêncio, rompido por aplausos entusiasmados.
– Criaremos a Bolsa Futuro, de um terço do salário-mínimo, para meu curral eleitoral. Não esqueçamos a esperteza de Roriz, que criou, e cultivou, durante seu reinado, um curral eleitoral fiel, dando lote, pão, leite e restaurante boca-livre; criou o Legislativo e se perpetuou governador por duas décadas. E não esqueçamos da Bolsa Família e do aparelhamento do Estado. O Brasil é rico, muito, muito rico, e homens, e mulheres, como nós, de visão, precisamos tomar conta desta imensa riqueza.
Mais aplausos, tão entusiasmados que fez Maurício Virgulino da Silva olhar, rapidamente, para os homens e a mulher reunidos em torno da imponente mesa.
O senador havia se levantado para pegar uma garrafa de licor de jenipapo, maturado em cachaça Havana. Jessica Rabbit mexera-se, expondo ainda mais o colo e as coxas, o que fez Boca Mole se engasgar. O czar goiano parecia fazer contas mentalmente; era quase audível o tilintar que saía da sua boca trancada, quase um bico. Sonhava com o futuro, uma Mônaco no Planalto, com cassinos cheios de magníficas goianas e mineiras de biquini servindo champagne e licores mineiros e do Cerrado.
– Governador, pode contar comigo. Hoje mesmo vou transferir um milhão de reais para a conta – disse Jéssica Rabbit, com voz dengosa, sonhando em ampliar sua fatia de segurança privada e a recolha de lixo em todo o país. Comentava-se que ela matara pessoalmente o velhinho milionário de quem cuidou como enfermeira e depois como esposa, e de quem herdou uma fábula, a qual multiplicou após se tornar deputada.
O murídeo-suíno riu. Rindo, a cara de rato se transformava em um focinho de hiena.
Boca Mole lambeu os beiços.
– Assim como nossa estimada, nossa querida colega, nossa Jéssica Rabbit, vou também depositar, hoje mesmo, um milhão de reais na conta. E pode contar comigo para o que der e vier – disse Boca, lambendo os beiços novamente.
Jéssica Rabbit se mexeu na cadeira e lançou o olhar dengoso para Boca. Dessa vez a baba escorreu, mas Boca limpou-a logo.
O escaveirado czar goiano disse, embora com dificuldade, que também disporia de um milhão de reais.
– E o projeto de lei em tramitação no Congresso legalizando o jogo de azar tem chance de ser aprovado? – perguntou.
– Está tramitando, mas no momento todo mundo no Congresso está unido para darmos fim ao Messias – disse o senador, degustando as palavras. – Acho que assim que dermos cabo dele voltaremos a mexer com o projeto de lei da jogatina.
– Já pensaram Brasília transformada numa Mônaco, numa Las Vegas do Hemisfério Sul, e nós controlando tudo? Não vai ter banco que suporte guardar toda a grana que ganharmos! – o czar exclamou, entusiasmado.
Jéssica Rabbit olhou cobiçosa para o zumbi.
– Ah! Eu sonho com isso! Sonho com a segurança dos cassinos! Vou mandar uma equipe inteira para Las Vegas para aprender como se faz segurança de cassino! – disse Rabbit, também entusiasmada, fazendo caras e bocas e se mexendo como uma cobra; Boca Mole não perdia nada.
– E eu vou comandar a construção do trem-bala Brasília-Goiânia; vamos fazer desse polo Brasília-Goiânia o mais sensacional do país! – exclamou o czar. Estava tão emocionado que viram um pouquinho de rubor no seu rosto amarelo e encarquilhado. – E também tem uma coisa muito importante, que é o asfaltamento da cidade. Comecei a produzir um asfalto de primeira categoria em Goiás – ouvia-se o tilintar de moeda sempre que ele falava.
– E será uma Las Vegas com cultura – interrompeu-o Boca Mole. – Vamos restaurar o Teatro Nacional e trazer para cá as maiores celebridades do mundo, e também vou ganhar a licitação para recuperar o Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Quero ainda o estádio Mané Garrincha para promover os maiores jogos do mundo, principalmente quando a jogatina estiver a todo gás.
– Vou facilitar tudo; é claro que teremos uma taxa… – disse o senador.
– É claro! Vamos fazer do Brasil o maior rendez vous do planeta – disse Boca Mole, dando uma gargalhada que contagiou os outros três, e até Lampião, que havia escutado as palavras de Boca Mole; sua boca era mole, mas o tom de voz, alto.
Jessica Rabbit ficou sonhadora. Imaginava-se numa Brasília ainda mais fantasiosa do que já é. Descruzou e cruzou as pernas e Boca Mole engasgou-se, com a impressão de ter visto a liga das meias dela. Fizera tudo o que julgava possível para obter os favores de Rabbit, e ela, pelo que lhe chegava aos ouvidos, esfregava-se até nas paredes, mas o evitava. Seria por sua boca mole? Ora, mas a boca mole era o resultado de trabalhar tão bem com a língua de boi; isso, de certa forma, acabou desencadeando aquela produção desenfreada de saliva.
O senador serviu mais uma rodada de licor de jenipapo. Ele mesmo preparava a bebida. Gostava também de cozinhar, e era bom de cozinha. Vendo o alegre grupo, o senador sonhava: “Afinal, Lula não se tornou presidente? Como eu não poderia sucedê-lo? Ora, sou mestre em Política Internacional! Só terei que conquistar o eleitorado de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Região Sul. O Nordeste será fácil, e a Amazônia é canja! E já sei como vou ganhar São Paulo: é só prometer aos paulistanos que a cidade deles não irá mais para o fundo, no verão, e, aos capiaus do interior, bolsas-família, escola, universidade e até bolsa-puteiro, se for preciso; aos capiaus mineiros basta prometer bolsa-queijo; aos cariocas, e fluminenses, prometerei bolsa-feijoada e bolsa-samba (sorriu), e aos caipiras do Sul, bolsa-linguiça, charque, chimarrão, carne, chucrute, e tudo o que é porcaria da Europa”.
– Governador! – disse Jéssica Rabbit, acordando o yorkshire. – Quero aproveitar para lhe pedir, usando sua influência, que refresquem lá no meu hotel. As meninas não estão podendo trabalhar direito; afinal, elas atendem senadores e deputados.
– Pode deixar, minha filha! O meu hotel, o do Setor Hoteleiro Sul, também está sofrendo esse ataque.
Jessica Rabbit se mexeu na cadeira de tal maneira que Boca Mole melou a cueca. Não resistiu e pôs sua mão sobre a mão de Jéssica.
– Você está certa, princesa, não estão deixando a gente trabalhar; parece que mobilizaram toda a fiscalização em cima de mim também – disse Boca.
– Tive que aumentar, substancialmente, a propina destinada a vários setores da administração pública da área federal – Zumbi se meteu na conversa. Referia-se ao jogo de azar que explorava principalmente em Goiânia.
Jéssica deixou a mão de Boca Mole sobre a dela; com a outra mão, o asno limpou um ponto de baba no canto da boca. A deputada distrital mexeu-se, virando-se para um e para outro, exibindo parte generosa do colo. Boca Mole tirou a mão de sobre a dela, arrumou-se melhor na poltrona, passou o lenço nos beiços e guardou-o. Se não soubesse o que é autodisciplina não seria um dos homens mais ricos do país, e, depois, poderia ter quem ele quisesse; podia pagar por qualquer um; afinal, todo mundo tem um preço. Apesar de que Jéssica Rabbit tirava-o do prumo. Misturem Brigitte Bardot e Marilyn Monroe e terão Jéssica Rabbit, na cabeça do bilionário; melhor ainda, era a própria Jéssica Rabbit, a do desenho.
O telefone celular do senador começou a vibrar. Ele pediu que continuassem à vontade enquanto atendia à chamada, explicando que aguardava por ela. Atendeu-a indo até uma poltrona no amplo salão, ricamente decorado. Conversou durante uns dois minutos e retornou à mesa.
– Mais uma rodada de licor de jenipapo? – perguntou.
Os três olharam-se. Eram 13 horas em ponto.
– Eu já estou é com fome – disse Boca Mole, com água na boca.
– Por que não almoçamos aqui? – Patarrão convidou.
– Estão me esperando em casa – disse Boca Mole.
– Preciso almoçar em casa também – disse Jéssica Rabitt.
Zumbi pareceu avaliar um pouco. Não perdia uma boca livre.
– Não! Eu, realmente, preciso ir! – disse, quase em um lamento.
– Então está tudo certo! Estamos entendidos! – disse o senador.
– Sim! Hoje à tarde o dinheiro estará na conta que você me deu! – disse Boca Mole.
– É, hoje à tarde todos nós vamos fazer a transferência! – disse Jéssica Rabbit, levantando-se. Realmente, era de parar o trânsito.
Todos se levantaram, inclusive Lampião, e Patarrão conduziu os visitantes até a porta.
Quando saíam, Jessica atrasou-se e puxou o senador de lado.
– Descobri um mimo para você que vai deixar você babando – cochichou no ouvido do porco. – Você terá a vitela mais linda que existe para realizar seus sonhos mais ousados.
O senador salivou.
Sozinho, agora, ligou para a pessoa com quem havia falado instantes atrás. Era sua mulher, que lhe fazia marcação cerrada; tornara-se paranoica e Jéssica Rabbit era seu maior pesadelo. Desenvolvera olfato quase canino e cheirava as roupas do seu fogoso marido, principalmente a cueca, em busca de indícios que pudessem justificar sua paranoia, mas era ela a investigada, pois o senador procurava se antecipar a cada passo da sua esposa, criando, para isso, um verdadeiro departamento de inteligência dentro da sua própria casa. Ouviu a voz. Uma sombra de desgosto perpassou-lhe o focinho. A megera, como ele a chamava mentalmente, era seu alicerce e terror. Herdeira de uma das maiores fortunas do país, conheceram-se quando ela começou a tomar aulas de voo quando ele era instrutor; não demorou para que começassem a transar a bordo do monomotor. Casaram-se e ela começou a bancar o futuro senador, de quem se tornara acionista majoritária em quase todos os investimentos do marido. Engordara muito depois que casou e isso a tornou ainda mais alarmada.
O senador entrou no seu carrão às 13h15. Minutos depois cruzava o Lago pela Ponte JK na límpida tarde brasiliense.