Nesta 11ª edição, o Back2Black Festival – que foi oferecido pelo Instituto Cultural Vale e Shell, com captação via Lei de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura, e patrocínio do Youtube – apresentou ao seu público atrações musicais, palestras, arte contemporânea, fotografia, teatro, moda, dança, literatura, rodas de conversa e gastronomia, no Armazém da Utopia e no Parque de Madureira. O Festival contou com mais de 10 mil presentes nos quatro dias de evento.
A programação começou na Zona Portuária no dia 25 de maio (quinta-feira), data em que se comemoram os 60 anos do Dia de África. A série de diálogos de Pret’Upias, além de ter enaltecido a essência desse dia como uma gratidão ao continente africano como o berço da civilização, demonstrou também uma perspectiva de futuro a ser construído sob as perspectivas africana e afrodiaspórica. Ideais que ecoaram por todo o festival.
“Este ano a gente escolheu o dia 25/05, que é o dia que se comemora sessenta anos do dia da África. O dia em que as Nações Unidas criaram as nações africanas, onde os países africanos passaram a ter voz junto às Nações Unidas. Então, é um dia para se comemorar e é um dia para continuarmos celebrando”, relata Connie Lopes.
O Back2Black trouxe ao Brasil, de forma inédita dentre os festivais do país, as novas sonoridades festivas que estão influenciando a música pop: os afrobeats (ou afropop), uma gama de ritmos eletrônicos diversos criados nas décadas de 2000 e 2010 que têm, em sua essência, batidas de matrizes africanas; e amapiano, ritmo eletrônico que, hoje, é considerado o “novo deep house” após balançar massivamente as pistas, e os quadris, na África e na Europa. Além disso, o B2B voltou a trazer alguns expoentes de estilos musicais africanos já consagrados, como o jùjú, e o politizado afrobeat original, criado pelo gênio nigeriano Fela Kuti na década de 1960 – uma influência, inclusive, para os afrobeats.
SHOWS
No dia 26 (sexta), o Palco Orun recebeu grandes “feats”. Uma bem especial foi entre o rapper Emicida, que traz a grande celebração de seu show-experiência “AmarElo”, e o seu convidado especial: o músico, compositor e ativista Dino d’Santiago (Cabo Verde), com a sua musicalidade do R&B e dos ritmos populares cabo-verdianos — como a morna, o funaná e o batuku. O palco também teve um encontro de legados familiares, com o multi-instrumentista, cantor e compositor Chico Brown, filho de Carlinhos Brown e neto de Chico Buarque, que convida para uma participação especial o também multi-instrumentista e compositor Mádé Kuti (Nigéria), filho do músico Femi Kuti e neto de Fela Kuti, e debutou em 2021 com o álbum “For(e)ward”.
Também estiveram presentes as batidas da bombada DJ e produtora DBN Gogo (África do Sul), demonstrando o que fez o ritmo eletrônico amapiano se tornar, hoje, a nova queridinha dos clubs. Já no palco Aiye, esteve presente o movimento cultural carioca Okupiluka, que divulga arte e música africanas em suas festas nas zonas Norte e Central carioca.
No dia 27 (sábado), entre os destaques do palco Orun, estão o músico e cantor Salif Keïta (Mali). Também conhecido como a “voz de ouro da África”, o ex-integrante do lendário grupo africano Les Ambassadeurs e também ativista por mais respeito e dignidade às pessoas com albinismo realiza apresentações memoráveis por onde passa ao entoar o seu som solar que une a musicalidade tradicional do povo mandinga com R&B, funk e jazz fusion. O palco também teve, pela primeira vez no Brasil, a cantora e compositora Tiwa Savage (Nigéria), a “diva dos afrobeats” com 16 milhões de seguidores no Instagram que leva a sua musicalidade inspirada nos grandes nomes da Black Music dos anos 1990, como Mary J. Blige e Chaka Khan. Também estiveram presentes o furacão do pop brasileiro, Iza, com um show exclusivamente feito para a noite especial; e a suavidade romântica da jovem revelação baiana que saiu das redes sociais para o mundo, Agnes Nunes. No Palco Aiye, a cantora e compositora baiana Sued Nunes demonstrou a sua ancestralidade e vivência através de suas canções carregadas de axé; o cantor, compositor e instrumentista brasiliense Hodari apresentou seu R&B romântico-erótico com pitadas de funk; e as carrapetas da carioca DJ Tamy garantiram os grooves na pista.
No dia 28 (domingo), o festival aportou em um importantíssimo bairro negro do Rio, Madureira, e promoveu um grande intercâmbio musical entre África x Brasil com Salif Keïta e sua banda, que convidaram a cantora baiana Margareth Menezes, atual ministra da cultura.
“Salif Keita é um dos maiores cantores africanos no mundo, uma referência para todos nós, artistas negros, principalmente os da minha geração. Essa sonoridade que ele traz, essa música ancestral e ao mesmo universal, é muito forte, muito importante. Para mim, é uma honra enorme ter dividido o palco com um membro da realeza da música mundial”, conta Margareth Menezes.
DIÁLOGOS DE PRET’UPIAS
O Dia de África foi celebrado com muita arte, diálogo e conhecimento nos encontros promovidos pelas rodas de conversas, talks e conferências. “Diálogos Afroatlânticos” reuniram o músico, compositor e ativista cabo-verdiano Dino d’Santiago, o músico, escritor, poeta e cronista angolano Kalaf Epalanga e a escritora, roteirista e jornalista brasileira Eliana Alves Cruz, juntos, desvendaram as conexões emocionantes entre as culturas afro-brasileira por meio da música e da literatura na crença da força da criatividade para aproximar pessoas. Já a mesa “Retratos de África” uniu a palavra cantada do cantor, compositor e pesquisador da ancestralidade musical pan-africana, Mateus Aleluia, e a palavra escrita do primeiro prêmio Nobel de literatura do continente africano, Wole Soyinka, onde conversam sobre modos de ver e recriar imagens sobre África.
Como insumo para os Diálogos de Pret´Upias, a programação contou com Talks sobre “Afrofuturismo” com o escritor Fabio Kabral; “Black Music” com o Youtube; e “Afro-Turismo: Diáspora e Rotas da Escravidão Angola-Brasil” com Jair Miranda e Afonso Vita (Angola). Não ficaram de fora do Dia de África as rodas de conversas com quilombolas e refugiados mediadas pelo jornalista e escritor Tom Farias; a poesia falada do poetry slam com o coletivo artístico Slam das Minas; e o Workshop Vozes Negras oferecido pelo Youtube Music.
Para coroar esta grande celebração do dia 25, o encerramento foi com o show do eterno Tincoã Mateus Aleluia.
Já no dia 28, o Parque de Madureira receberam a peça teatral “Chegança do Almirante Negro na Pequena África”, onde a Grande Companhia Brasileira de Mystérios e Novidades contará a odisseia de João Cândido, o líder da Revolta de Chibata.
ARTE
Festival foi revestido por “pele eletrônica”
que refletirá as Áfricas latentes entre nós
A direção de arte do festival foi assinada pelo curador e documentarista Marcello Dantas e o design por Rico Lins. O conceito traz a sucata eletrônica que “vestiu” o festival como se fosse a sua pele. O trabalho foi formado por uma camada digital de circuitos e cenários de placas eletrônicas.
“Grande parte dos metais raros que são necessários para produzir os circuitos eletrônicos digitais que movem o planeta são garimpados de terras africanas, processados em fábricas orientais, para transmitirem a informação do mundo atual. Esses circuitos voltam para a África na forma de lixo eletrônico. Por outro lado, vistos como sucatas, eles são reutilizados por criativos capazes de processar todas essas referências e ressignificá-las “, diz Marcello Dantas.
Já na exposição artística, as obras de Panmela Castro e Maxime Manga refletiram os ritmos e movimentos criativos, propositivos e tecnológicos de nosso tempo. A artista visual carioca, que despontou da favela carioca Tavares Bastos para as galerias de arte brasileiras e da Holanda, da Alemanha e dos Estados Unidos, apresentou sua arte de cunho político, social e feminista. Já o artista gráfico camaronês que “usa a diversidade para criar exclusividade” com retratos de comunidades sub-representadas em colagem digital de formas geométricas e tons de poeira estelar. Para complementar a cena, o festival contou com as coreografias vibrantes do grupo infantil Masaka Kids Africana, de Uganda, que vira e mexe viraliza nas redes sociais por conta de sua positividade e, é claro, muita fofura.
Além de tudo isso, durante o festival, também foi lançado o Instituto Back2Black, para promover residências entre artistas africanos e afrobrasileiros, desenvolver trabalhos com refugiados e ampliar as vozes das comunidades quilombolas. As tendas e barracas da Feira Preta também apresentaram, de forma bem didática e durante todos os dias do evento, a história e a riqueza por trás de criações gastronômicas africanas e afrobrasileiras, já que a fome nunca, jamais foi negra.
SERVIÇO
Festival BACK2BLACK 2023
Data: 25, 26 e 27
Local: Armazém da Utopia (25, 26, 27) – Avenida Rodrigues Alves, s/n Armazém 6 – Santo Cristo, Rio de Janeiro – RJ, 20220-364;
Data: 28 de maio
Parque Madureira (28) – R. Soares Caldeira, 115 – Madureira, Rio de Janeiro – RJ, 21351-140