Produção da TV Brasil resgata ancestralidade negra em São Paulo

Diário Carioca

Divulgação TV BrasilO programa jornalístico Caminhos da Reportagem, da TV Brasil traça um panorama sobre os registros da ancestralidade negra na capital paulista na edição deste domingo (10), às 22h. Dos monumentos históricos à descoberta de sítios arqueológicos, dos espaços religiosos às rodas de samba, a atração inédita revela as vivências negras de São Paulo que ainda resistem ao tempo. O conteúdo fica disponível no app TV Brasil Play. A produção da emissora pública percorre a metrópole para mostrar a importância dos negros para a formação da cidade. Bairros como a Liberdade e o Bixiga, conhecidos popularmente pelas heranças japonesa e italiana, respectivamente, guardam territórios, rastros e histórias da negritude paulistana ainda pouco conhecidas. São Paulo conta com mais de 11 milhões e 450 mil habitantes, de acordo com os últimos dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A megalópole hoje se apresenta como uma das cidades mais diversas do mundo.  Apesar do discurso multicultural, histórias e vivências da população negra permanecem invisibilizadas. Pequenas placas, já desgastadas pelo tempo, dispostas em prédios e monumentos do centro da capital, indicam os lugares de passagem, de convivência e de manifestação cultural do povo negro.  Bairro da Liberdade vai além da cultura japonesa Partindo do Marco Zero de São Paulo, a Praça da Sé, a professora de História da África da Unifesp, Fabiana Schleumer, ressalta a importância dos negros para a construção da cidade. “Pensar na grande movimentação, nos deslocamentos que marcam a cidade de São Paulo, vem nos invocar a necessidade de discutirmos a presença, a participação e uma maior visibilidade da população negra”, afirma a docente. Pesquisador e morador do bairro da Liberdade, Wesley Vieira lembra que o bairro adquiriu a identidade asiática apenas nos anos 1970, quando a Liberdade vence um concurso da prefeitura, ao adotar uma decoração de lanternas japonesas. “Essa cultura japonesa formada turisticamente vai servir como uma camada para encobrir as memórias negras e indígenas na região”, conta. Exemplo deste apagamento é a Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, hoje escondida entre os prédios da Liberdade. Construída no final do século 18, nela eram encomendadas as mortes dos pobres e escravizados que eram enterrados no Cemitério dos Aflitos, o primeiro cemitério público da capital.  O próprio nome da região seria uma referência a uma personalidade negra: o soldado Francisco José das Chagas, ou Chaguinhas, executado após uma revolta em Santos, em 1821. O soldado foi condenado à forca, e por três vezes a corda a que foi amarrado se arrebentou. A população gritava por liberdade. Chaguinhas acabou sendo morto mesmo assim, mas foi dado como santo. Até hoje devotos fazem pedidos endereçados a ele, na Capela dos Aflitos, onde havia uma cela onde o soldado ficou preso. Celebrações religiosas de origens africanas Outros espaços do bairro, como a encruzilhada das cinco esquinas, que compreende cinco ruas – Rua do Lavapés, Rua do Glicério, Rua Sinimbu, Rua Tamandaré e Rua da Glória – era local de ensaio e desfiles da Escola de Samba Lavapés Pirata Negro, a mais antiga de São Paulo. No local também eram realizadas cerimônias de religiões de matrizes africanas. Para o sociólogo e sambista Tadeu Kaçula, trata-se de um espaço de troca cultural e de resistência. “Um lugar de encontro da população negra, do sambista, dos engraxates, dessa turma que estava ainda resistindo e fazendo a manutenção da cultura negra na cidade de São Paulo”. Criadora da Lavapés, Deolinda Madre, conhecida como Madrinha Eunice, foi uma das grandes figuras do bairro. No ano passado, uma estátua em sua homenagem foi erguida na Liberdade. Sua neta, Rosemeire Marcondes, tenta levar adiante essa história. Durante a edição inédita do programa Caminhos da Reportagem, ela recorda a importância da avó como mulher negra naquela região. “Sempre lutou pelo seu ideal e sempre lutou para que a gente tivesse um pouco mais de espaço. Acho que estamos conseguindo”, reflete, Rosemeire Marcondes. Influência italiana e quilombos na região do Bixiga  Identificado com a imigração italiana, o bairro do Bixiga também tem origem negra. Descobertas recentes reafirmam isso. Em 2022, achados arqueológicos em uma obra do metrô na localidade encontraram vestígios do Quilombo Saracura, criado no entorno do córrego Saracura. Em 1930, descendentes de quilombolas fundaram no bairro a escola de samba Vai-Vai, uma das mais tradicionais do carnaval paulistano. Em 2021, a sede da escola de samba foi retirada do local para as obras do metrô. A partir dos achados arqueológicos, o grupo Mobiliza Saracura Vai-Vai luta pela preservação dessa memória. “Você conversa com os mais velhos no bairro e eles começam a contar muito de história: ‘ali eu brincava, ali tinha um terreiro, ali tinha um assentamento’. Então você tem um passado que aflora e a possibilidade das gerações mais novas conhecerem a história. Eu costumo dizer, é um encontro do passado com o futuro”, afirma Luciana Araújo, integrante do movimento. Samba de bumbo e Pastoras do Rosário O samba tocado em São Paulo foi muito influenciado pelo samba de bumbo, criado por negros escravizados no interior paulista. O estilo se mantém vivo em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo, onde a reportagem da TV Brasil conheceu o Grupo 13 de Maio. Com origem na abolição da escravidão, quando negros libertos festejaram a liberdade, a tradição é transmitida aos descendentes. Carmelino Euzébio de Jesus, de 102 anos, e Luíza Camargo de Jesus, de 89 anos, são herdeiros dos precursores da festa e cumprem essa missão com louvor. Na zona leste de São Paulo, as Pastoras do Rosário são outra expressão da ancestralidade negra. O grupo formado por mulheres acima dos 60 anos formou-se no chão sagrado da Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França, construída há cerca de 200 anos por descendentes de africanos escravizados. As pastoras contam que o grupo foi formado depois que as mulheres começaram a questionar por que as rodas de samba realizadas no largo em frente à igreja só tinham homens. Nas músicas, as pastoras trazem releituras de autoras negras como Carolina Maria de Jesus e Dona Ivone Lara, e traduzem com afeto e resistência a rica experiência do envelhecer. 

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