Evocando o irreverente jornalista e maior dramaturgo de todos os tempos Nelson Rodrigues, é difícil acreditar que qualquer político possa ter um pingo de senso moral verdadeiro. Pois bem, vejam a audácia do deputado Domingos Sávio (PL-MG), ao propor PEC que permite ao Congresso anular decisões do STF que supostamente “extrapolem os limites constitucionais”.
Tudo isso é uma represália à Corte, por exemplo, por derrubar a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Trata-se de evidente espírito bolsonarista de não reconhecer o resultado legal da eleição presidencial e tentar botar fogo no país.
Quão disparate é a pretensão de transformar o Legislativo Federal numa espécie de corregedor do STF, comprometendo a independência do Judiciário. Não podemos aceitar a instituição de um tribunal legislativo para anular decisões da Suprema Corte, pois isso poderia levar a um estado de anomia. É importante que o Congresso respeite as decisões do STF e que a sociedade se manifeste em defesa do Estado Democrático de Direito.
Todos os cidadãos obedecem às decisões da Suprema Corte, mesmo discordando delas, pois isso é característico do espírito de civilidade que deve orientar o Estado democrático. Por que agora Domingos Sávio e outros se arvoram no direito de não quererem se submeter às determinações do STF, como fossem entes superiores?
Em vez de o deputado defender proposta absurda, por que o parlamentar não apresenta PEC para permitir que o eleitor casse mandato de político de conduta aética e imoral, que interrompe o mandato para exercer função fora do legislativo e que descumpre as promessas de campanha?
Se o deputado Domingos Sávio e outras “excelências” discordam das decisões do Supremo e contestam esse ou aquele ministro, escolhidos de forma política pelo presidente da República, por que não propõem alteração na Constituição para acabar com o critério de escolha política dos ministros da Corte pelo presidente da República?
A despolitização do STF é uma necessidade inadiável para que o órgão atue com total independência e imparcialidade. Assim, as vagas do STF deveriam ser preenchidas apenas por indivíduos pertencentes ao quadro da magistratura, sem indicação do presidente da República. Os ministros do STF deveriam ter mandatos fixos de dez anos e não poderiam ser reconduzidos ao cargo. Dessa forma, caberia ao Quadro de Juízes (juízes de carreira) indicar, sem interferência política, os membros da Suprema Corte. E ponto final à interferência política no STF.
Por outro lado, o STF, como guardião da Constituição e das leis, deveria operar apenas em matérias constitucionais, ou seja, interpretação e aplicação da Constituição. As demandas sem relevância constitucional, de interesse privado ou de grupos, deveriam ser julgadas pelo STJ. O STF não pode ser um tribunal híbrido, ou seja, constitucional e de administração de justiça. Está na hora de o Congresso Nacional transformar o STF em Corte Constitucional e corrigir o critério de indicação política dos membros do tribunal