A Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro acolheu pedido formulado pelo Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) e pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), em tutela cautelar, para decretar a indisponibilidade do imóvel da Santa Casa de Misericórdia, conhecido como “Educandário Romão Duarte”, que fica no Flamengo. Nele residem cerca de 40 trabalhadores e suas famílias, alguns desde a década de 80.
Em inspeção no local, o MPT e a Defensoria verificaram que os trabalhadores e suas famílias estão ameaçados de serem retirados das moradias, fornecidas ao longo de anos pelo trabalho realizado no Educandário. A entidade administrada pela Santa Casa, funcionava como abrigo de crianças e adolescentes. Pelo menos, desde 2014, os trabalhadores vêm recebendo os salários com atraso, mesmo com ações trabalhistas ajuizadas, individuais e coletivas. Em 2022, a Santa Casa encerrou as atividades de acolhimento do Educandário, mantendo alguns empregados em labor, sem direitos assegurados, e, outros, nas moradias concedidas pelo trabalho, sem rescisão dos contratos e pagamentos das verbas devidas.
– A situação que constatamos é de extrema vulnerabilidade, na qual os trabalhadores têm desrespeitados os seus direitos trabalhistas e ainda estão ameaçados de perda da moradia. Tendo parte dos moradores recebido notificações com ameaça de interrupção do fornecimento de água e energia elétrica – explica a defensora pública e coordenadora do Núcleo de Terras e Habitações da DPRJ, Viviane Tardelli.
Para a procuradora do Trabalho Elisiane Santos, a conduta da empregadora é absolutamente ilegal ao exigir a retomada do imóvel, sem assegurar as verbas trabalhistas devidas, de natureza alimentar e que asseguram a sobrevivência dos trabalhadores, muitos que além de residir no local, começaram a trabalhar no Educandário desde a infância.
– Esse é o relato de algumas trabalhadoras que ouvimos no local, que vieram de outros estados, para serem acolhidas na instituição, mas que ao mesmo tempo trabalharam cuidando de crianças menores. Essa é uma história conhecida da realidade do Brasil secular, na chamada “Roda dos Expostos”. Essas pessoas que dedicaram suas vidas e despenderam sua força de labor ao longo de anos, não podem ser retiradas de suas moradias, sem sequer receber a contraprestação pelo trabalho prestado – conta a procuradora.
Na ação, as Instituições destacam que a medida visa “resguardar a condição de mínimo existencial dos trabalhadores e suas famílias, à sobrevivência destes, com o resguardo dos créditos trabalhistas devidos pela empregadora”.
Segundo a decisão, proferida pela juíza do Trabalho Valeska Facure Pereira, da 8ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, “embora seja direito do empregador retomar o imóvel cedido ao empregado no término do contrato, conforme art. 47, II, da Lei 8.245/91, a CLT não contém regra específica disciplinando a retomada de imóveis de propriedade da empresa na terminação do contrato de trabalho e não houve a devida rescisão dos contratos de trabalho e o consequente pagamento das verbas rescisórias devidas.” Fundamenta também que “na medida que o princípio maior da dignidade da pessoa humana irradia seus efeitos sobre todo o sistema jurídico, não há dúvida de que a vida e a saúde dos moradores do Educandário Romão Duarte são os bens jurídicos a serem preservados, ainda que em detrimento ao direito à propriedade e à livre iniciativa.”
O MPT-RJ e a Defensoria do Rio defendem que a situação além de violar o direito fundamental ao trabalho digno, com lesões que importam violações de direitos humanos fundamentais como o direito ao salário mensal, a boa-fé no contrato de trabalho, o direito à informação, a proibição de trabalho infantil e respeito à dignidade dos trabalhadores, viola ainda o direito fundamental à moradia.
– Essas situações que afrontam gravemente a dignidade dos trabalhadores, naturalizadas pela vulnerabilidade econômica, social, familiar, justificam a medida corretamente endossada pelo Poder Judiciário e vamos buscar a reparação integral dos danos causados aos trabalhadores, com apuração completa das situações de trabalho infantil, degradante e violência psicológica denunciadas – conclui Elisiane.