Desvendando o Tema do ENEM 2023: Confira a análise completa com a especialista em redação Milla Borges

Diário Carioca

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) divulgou, na tarde deste domingo (05), o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Para este ano, os candidatos a uma das 226 mil vagas ofertadas pelo SiSu terão que realizar uma dissertação argumentativa sobre os “desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”.

A professora Milla Borges, especialista em redação para o ENEM, com oito anos de experiência, chama a atenção para uma característica que a prova tem apresentado nos últimos anos: “uma frase temática longa, com muitas palavras importantes. Assim como explico para meus alunos, temas longos, às vezes com palavras complexas, escondem assuntos simples e discussões relevantes”.

Para ela, o maior desafio para o aluno é articular todos os pontos em relação às palavras de comando, como as deste ano: desafios, enfrentamento, invisibilidade, trabalho, cuidado, mulher. “É importante argumentar de forma adequada para não deixar nenhuma palavra que o tema está apresentando, de fora. Todas as ideias apresentadas pela frase temática devem ser contempladas no texo”, destaca a professora.

Entendimento do tema “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”

A especialista separou alguns tópicos a serem levados em conta na hora de interpretação do tema. Para Milla, cada palavra remete a um ponto a ser levantado na dissertação.

  • Desafios: remete diretamente a problemas, empecilhos, dificuldades.
  • Enfrentamento: relaciona-se a tudo aquilo que pode servir como medida, meio ou alternativa para combater o problema em questão.
  • Invisibilidade: leva-nos a pensar sobre a falta de informação, sobre o debate escasso acerca da questão; sobre a falta de conhecimento sobre a importância e as implicações deste tipo de atividade.
  • Trabalho de cuidado: refere-se às atividades de cuidado de crianças, idosos, pessoas com enfermidades. Além disso, o trabalho de cuidado também abrange as atividades de manutenção do lar, tais como: cozinhar, passar roupa, lavar louça, limpar a casa etc.
  • Mulheres: mulheres, como sabemos, compõem um grupo vulnerável e historicamente oprimido, devido ao machismo enraizado.

Ela completa: “Essa temática aborda uma questão crítica que passa por aspectos culturais, sociais e econômicos, por isso, devemos levantar possibilidades argumentativas para responder a essas questões mais a fundo”.

Possibilidades argumentativas

Milla Borges enfatizou que os participantes do ENEM 2023 possuem a oportunidade de abordar diversas dimensões do tema proposto, lançando mão de argumentos sólidos e críticos. Ela cita alguns:

  • A falta de debate nas escolas e a formação cidadã:

Um dos pontos de partida para uma redação eficaz poderia ser a reflexão sobre o papel das escolas na abordagem de temas transversais. Milla destacou que, muitas vezes, as escolas priorizam conteúdos tradicionais em detrimento de questões sociais e éticas essenciais, o que contribui para a invisibilidade de determinados assuntos. Os alunos podem questionar a falta de ênfase na formação cidadã, levantando a importância do ensino sobre temas como a invisibilidade.

  • O papel das mídias na perpetuação de estereótipos:

A influência das mídias na perpetuação de estereótipos de gênero é um tópico relevante. A professora ressaltou que as mídias, muitas vezes, reforçam papéis tradicionais, como a atribuição às mulheres do cuidado exclusivo com idosos, crianças ou com o lar. Os candidatos podem explorar isso como uma consequência do machismo enraizado na sociedade.

  • Raízes históricas da desigualdade de gênero:

A contextualização histórica, especialmente em relação às mulheres negras, é uma possibilidade argumentativa importante. A professora Milla Borges apontou que o trabalho de cuidado historicamente desempenhado por mulheres negras ainda influencia a sociedade atual, destacando questões de desigualdade racial e social.

  • Desigualdade socioeconômica:

Milla ainda destacou que as mulheres que desempenham funções de cuidado como atividade laboral, muitas vezes, pertencem a estratos socioeconômicos mais baixos e recebem baixos salários. Os alunos podem argumentar sobre a desigualdade socioeconômica e como ela afeta diretamente o trabalho de cuidado.

  • Divisão desigual das tarefas domésticas:

A divisão desigual das tarefas domésticas entre homens e mulheres, resultante do machismo arraigado na sociedade, é outro tópico que os candidatos podem explorar. Eles podem discutir como isso leva à sobrecarga das mulheres que, muitas vezes, têm que equilibrar o trabalho fora de casa com as responsabilidades domésticas.

  • Fracasso das políticas públicas:

A falta de políticas públicas abrangentes de apoio ao trabalho de cuidado é uma possibilidade argumentativa. Os alunos podem criticar a falta de creches acessíveis, licenças parentais remuneradas e programas de cuidados com idosos, destacando a responsabilidade do Estado nesse contexto. Além disso, o Estado também falha ao não garantir condições dignas de trabalho às mulheres que exercem o trabalho de cuidado profissionalmente.

  • Desigualdade de gênero e discriminação:

A persistência da desigualdade de gênero e discriminação de gênero, resultado do machismo – proveniente de uma estrutura social histórica e patriarcal – é um argumento crucial. Os alunos podem abordar questões como a equiparação salarial e a falta de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Milla Borges é professora de Lingua Portuguesa, especialista em redação para vestibulares
Divulgação
Milla Borges é professora de Lingua Portuguesa, especialista em redação para vestibulares Divulgação

Repertório

Em uma redação no ENEM, é fundamental que o aluno demonstre um repertório sociocultural sólido sobre o tema em questão, que seja legitimado por uma área do conhecimento, pertinente ao tema e que tenha uso produtivo na redação. Para enriquecer sua argumentação, Milla Borges enfatiza a importância de incluir exemplos, evidência, ilustrações ou comprovações relevantes. Nesse sentido, ela destaca alguns exemplos de repertórios que podem ser aplicados de acordo com o tema proposto:

  • Cultura Pop:

A professora sugeriu que os alunos podem utilizar referências da cultura pop, como o livro “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood. Essa obra de ficção distópica apresenta uma sociedade totalitária na qual as mulheres são oprimidas e tratadas como propriedade do Estado. Ela enfatizou a relevância desse livro para fundamentar argumentos relacionados à opressão de gênero e à exploração do papel das mulheres na sociedade.

  • Cinema Nacional:

Outro exemplo que Milla destaca é o filme brasileiro “Que Horas Ela Volta?” com a atriz Regina Casé. O filme aborda a vida de uma empregada doméstica que trabalha para uma família rica em São Paulo, evidenciando a disparidade socioeconômica e a hierarquia social que persiste na sociedade brasileira. Essa obra cinematográfica oferece um repertório valioso para discutir, dentro da temática do trabalho de cuidado, questões de desigualdade social e de classe.

  • Referências Teóricas:

A especialista também apontou para a importância de teóricos e educadores renomados. Ela mencionou Paulo Freire, autor de “Pedagogia do Oprimido”, que defendia uma educação libertadora e dialógica, capaz de estimular o pensamento crítico. Além disso, ela citou a pesquisadora Shoshana Zuboff e o conceito de “desigualdade epistêmica”, que se refere ao acesso desigual ao conhecimento e à informação. Essas referências teóricas podem ser utilizadas para discutir o papel da escola na promoção do pensamento crítico e o papel da mídia no combate à desigualdade de acesso à informação.

  • Literatura Brasileira:

Também foi mencionado o escritor Ariano Suassuna, que descreveu o Brasil como dividido em dois países: um dos privilegiados e outro dos despossuídos. Essa visão da estratificação social e da injustiça secular pode ser usada para fundamentar argumentos relacionados à desigualdade socioeconômica e à hierarquia social.

  • O Papel do Estado:

Por fim, a professora Milla Borges indicou que os alunos podem problematizar o papel do Estado em relação a questões sociais, questões trabalhistas e de desigualdade. Essa abordagem permite discutir a importância das políticas públicas e das ações governamentais na promoção da igualdade e na mitigação das disparidades sociais. Uma referência muito pertinente é o sociólogo britânico Thomas Marshal, o qual defendia que a cidadania só é plena se o Estado garantir os direitos civis, sociais e políticos de toda a população.

O uso cuidadoso e contextualizado dessas referências pode aprimorar as argumentações dos candidatos e contribuir para um debate construtivo sobre questões sociais no Brasil e no mundo.

Quem é Prof. Milla Borges

Professora Milla Borges é formada em Letras pela Estácio, especialista em Língua Portuguesa pela UERJ e mestra em Educação pela PUC Rio. Com oito anos de experiência em redação de vestibular, sobretudo no ENEM e na UERJ, tem como diferencial a sua metodologia de ensino, que busca estimular a escrita autoral e crítica dos alunos.

No ano de 2018, a professora teve o primeiro aluno que tirou nota 1000 na redação do ENEM. Em 2021, ela teve o privilégio de ter duas alunas também com nota máxima e, em 2022, orgulhosamente, mais três alunas suas alcançaram a tão sonhada nota 1000.

A paixão da professora Milla Borges pela escrita e pelo ensino da Língua Portuguesa se reflete em sua abordagem pedagógica. Ela é uma crítica ferrenha dos “modelos prontos” e acredita que a escrita autoral é a chave para o sucesso acadêmico e pessoal dos estudantes. Sua metodologia é pautada na criticidade e na autonomia de pensamento dos alunos, encorajando-os a desenvolverem suas próprias ideias e opiniões sobre os mais diversos assuntos.

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