A jurista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles afirma que a ordem de apreensão do passaporte do ex-presidente Jair Bolsonaro, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), é legal e deixa a prisão preventiva de Bolsonaro mais distante, já que elimina um dos principais motivos que justificariam a prisão antes do trânsito em julgado: o risco de fuga. “Eliminando a possibilidade de fuga, o único motivo que poderia levar à prisão preventiva seria se ele passasse a atrapalhar o andamento do processo, ameaçar testemunhas ou desobedecer determinações judiciais”, pontua a especialista.
Mas outra medida tomada pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, reduz ainda mais a chance de prisão preventiva: a determinação para que os investigados não se comuniquem entre si. “Essa determinação elimina outra possibilidade de prisão preventiva, que seria a coação de testemunhas que também são investigadas”, explica Jacqueline.
Segundo a especialista, a apreensão do passaporte atende aos requisitos previstos no artigo 282 do Código de Processo Penal. “A adoção de uma medida cautelar diversa da prisão, como a proibição de deixar o Brasil, é prevista na lei caso haja alguns elementos básicos, como prova de materialidade do crime ou indício robusto de que haja risco de fuga. E isso é observado na decisão do ministro Alexandre de Moraes”, comenta a advogada criminalista.
Na decisão, Moraes observa que “(…) frustrada a consumação do Golpe de Estado por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, identificou-se que diversos investigados passaram a sair do país, sob as mais variadas justificativas (férias ou descanso) como no caso do ex-presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro da justiça Anderson Torres”.
Em outro trecho, o ministro sustenta os pedidos alegando que alguns investigados, “por ostentarem a condição de agentes públicos do alto escalão governamental, são detentores de recursos financeiros e prerrogativas institucionais (passaportes oficiais) que facilitariam eventual saída do país em caso de condenação criminal. O desenrolar dos fatos já demonstrou a possibilidade de tentativa de evasão dos investigados, intento que pode ser reforçado a partir da ciência do aprofundamento das investigações que vêm sendo realizadas, impondo-se a decretação da medida quanto aos investigados referidos, notadamente para resguardar a aplicação da lei penal”.
A Operação Tempus Veritatis
A Operação, que apura organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, cumpriu 33 mandados de busca e apreensão, quatro mandados de prisão preventiva e 48 medidas cautelares diversas da prisão, que incluem a proibição de manter contato com os demais investigados, proibição de se ausentarem do país, com entrega dos passaportes no prazo de 24 horas e suspensão do exercício de funções públicas.
Nesta fase, as apurações apontam que o grupo investigado se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas Eleições Presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital.
Os fatos investigados configuram, em tese, os crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.