A Corte Internacional de Justiça censura Israel por sua guerra genocida

Vijay Prashad
Foto: Reprodução

Em 26 de janeiro de 2024, os juízes da Corte Internacional de Justiça (CIJ) divulgaram sua ordem de 29 páginas, constatando evidências “plausíveis” (parágrafo 54) de que os israelenses estavam praticando genocídio contra os palestinos em Gaza. A CIJ interveio nessa guerra devido à alegação da África do Sul de que Israel havia violado suas obrigações de acordo com a Convenção sobre Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (1948). A África do Sul recorreu à CIJ dois meses e três semanas após o brutal bombardeio militar israelense contra os palestinos. A acusação de 84 páginas da África do Sul, apresentada à CIJ em 29 de dezembro de 2023, incluía declarações de altos funcionários israelenses pedindo a aniquilação total dos “selvagens humanos” em Gaza e incluía detalhes de como Israel estava agindo de acordo com essas declarações.

A CIJ concordou com a África do Sul e instou os israelenses a “[tomarem] todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de todos os atos genocidas” (parágrafo 78). A ordem não é um veredito final, pois não houve julgamento. Tratam-se de “medidas provisórias”. Levaria vários anos para a CIJ julgar se os israelenses estão realmente cometendo genocídio contra os palestinos. A CIJ não solicitou diretamente um cessar-fogo ou uma “interrupção das hostilidades” (como havia feito em março de 2022, quando ordenou que a Rússia “suspendesse as operações militares”). No entanto, é difícil ler o parágrafo 78 de qualquer outra forma que não seja a de que ele pede a Israel que cale suas armas.

Vinte anos atrás, a CIJ estudou a construção de um muro ao redor da Cisjordânia nos Territórios Palestinos Ocupados (TPO). Em julho de 2004, a CIJ declarou que “a construção do muro pelos israelenses….é contrária ao direito internacional”. Tem havido uma batalha incessante sobre a jurisdição da CIJ para decidir sobre o comportamento de Israel nos TPO, inclusive em 2022, quando vários estados buscaram um parecer jurídico sobre as conclusões de uma comissão de inquérito do Conselho de Direitos Humanos da ONU, presidida pela juíza sul-africana Navi Pillay. O relatório de Pillay encontrou “motivos razoáveis para concluir que a ocupação israelense do território palestino é agora ilegal sob o direito internacional devido à sua permanência e às políticas de anexação de fato do governo israelense”. Israel contestou a jurisdição da CIJ no caso. Agora, com essa acusação de genocídio, a Corte estabeleceu sua jurisdição e os israelenses a aceitaram participando dos procedimentos.

Medidas provisórias

A CIJ foi criada pelas Nações Unidas como um mecanismo para resolver disputas entre Estados. A África do Sul levou sua disputa com Israel à CIJ, acusando os israelenses de violarem um tratado internacional. Após examinar a disputa, a CIJ decidiu a favor da África do Sul e ofereceu “medidas provisórias” para defender os direitos do povo palestino. A ordem da CIJ é irrevogável. Ela é definitiva. A CIJ deu a Israel um mês para demonstrar que tomou medidas para proteger os palestinos. Se Israel não responder ou se não responder de forma satisfatória, a CIJ enviará sua ordem ao Conselho de Segurança da ONU (CSNU) para aplicação. O CSNU será obrigado pela Carta da ONU a cumprir a ordem.

Israel já rejeitou a ordem. Isso significa que, dentro de um mês, ela será enviada ao CSNU. Nesse momento, será interessante ver como os três países detentores de veto do Norte Global (França, Reino Unido e EUA) reagirão à ordem. Em 25 de janeiro, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Patel, declarou que o governo dos EUA acredita que “as alegações de que Israel está cometendo genocídio são infundadas”. Patel disse que Israel deve “tomar medidas viáveis, medidas adicionais para evitar danos aos civis”, mas que não há genocídio. Isso provocará um confronto no Conselho de Segurança da ONU. A Argélia, membro do CSNU no momento, convocou uma reunião para discutir o veredito e para que o CSNU solicite um cessar-fogo imediato.

A reputação da Corte

Junto com a ordem da CIJ, a juíza Xue Hanqin escreveu um parecer separado, observando que, há 60 anos, os governos da Etiópia e da Libéria levaram a África do Sul à CIJ por causa de seu papel no sudoeste da África (atual Namíbia). A CIJ, escreveu ela, rejeitou o caso, e essa “negação de justiça deu origem a uma forte indignação” contra a CIJ, “manchando seriamente sua reputação”. A juíza Xue chegou à CIJ em 2010 e – devido à sua seriedade – foi eleita vice-presidente da corte em 2018. Em março de 2022, a juíza Xue votou contra a ordem provisória que instava a Rússia a suspender sua operação militar na Ucrânia (quando essa ordem foi emitida, pouco mais de mil civis haviam sido mortos na guerra, enquanto que quando a CIJ tratou do bombardeio israelense, mais de 25 mil civis haviam sido mortos). Em relação à guerra brutal de Israel contra os palestinos, a juíza Xue levantou a hipótese erga omnes (“para todos”), que implica que esse é um caso em que as ações de Israel prejudicam a comunidade mundial e que Israel deve ser obrigado a interromper sua guerra em nome de toda a humanidade. “No caso de um grupo protegido, como o povo palestino”, prosseguiu a juíza, “o menos controverso é que a comunidade internacional tem um interesse comum em sua proteção”.

Há três juízes asiáticos na corte, com a juíza Xue acompanhada pelo juiz Iwasawa Yuji, do Japão, e pelo juiz Dalveer Bhandari, da Índia. O juiz Bhandari teve uma carreira de destaque na Índia no Tribunal Superior de Délhi (1991-2004), no Tribunal Superior de Bombaim (2004-2005) e na Suprema Corte (2005-2012) antes de ser nomeado para a CIJ. Apenas cinco juízes juntaram seu parecer à ordem, dentre eles o juiz Bhandari. Em seu parecer, o juiz Bhandari analisou a base jurídica do caso sul-africano, mas fez questão de registrar sua opinião de que outras leis internacionais, além da Convenção sobre Genocídio, se aplicam a essa guerra e que todas as partes devem aderir a essas leis. Embora a ordem em si não tenha solicitado diretamente a cessação das hostilidades, o juiz Bhandari o fez. “Todos os participantes do conflito”, escreveu ele, “devem garantir a interrupção imediata de todos os combates e hostilidades e a libertação imediata e incondicional dos reféns capturados em 7 de outubro de 2023”. É provável que o juiz Bhandari tenha apresentado seu parecer próprio à Corte para deixar registrada a necessidade de solicitar diretamente esse cessar-fogo.

A reação de Israel e seus aliados

A reação de Israel à ordem da CIJ foi característica. O ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, declarou que a CIJ era um “tribunal antissemita” e que “não busca justiça, mas a perseguição do povo judeu”. É interessante notar que Ben Gvir disse que a CIJ “permaneceu em silêncio durante o Holocausto”. O Holocausto realizado pelo regime nazista alemão e seus aliados contra judeus, ciganos, homossexuais e comunistas europeus ocorreu entre o final de 1941 e maio de 1945 (quando o Exército Vermelho soviético libertou os prisioneiros de Ravensbrück, Sachsenhausen e Stutthof). A CIJ foi criada em junho de 1945, um mês após o fim do Holocausto, e iniciou seus trabalhos em abril de 1946. A tentativa de deslegitimar a Corte dizendo que ela permaneceu “em silêncio” quando não existia e, em seguida, usar essa falsa alegação para chamar a CIJ de “tribunal antissemita” mostra que os israelenses não têm resposta para os méritos da decisão da CIJ.

O interessante é que o juiz israelense na CIJ, Aharon Barak, juntou-se à maioria dos juízes em uma votação de 16 a 1 para dizer que Israel não permite ajuda humanitária aos palestinos em Gaza e que Israel deve “prevenir e punir o incitamento ao genocídio”. É difícil para os altos funcionários israelenses considerar Barak “antissemita” ou menosprezar suas credenciais. Barak ocupou altos cargos em Israel, inclusive o de Procurador-Geral (1975-1978), Juiz da Suprema Corte de Israel (1978-1995) e Presidente da Suprema Corte (1995-2006). Barak votou contra a alegação de que havia provas “plausíveis” de genocídio por parte do governo israelense. “Genocídio”, escreveu ele em seu parecer, “para mim é mais do que uma palavra; representa a destruição calculada e o pior comportamento humano. É a acusação mais grave possível e está profundamente entrelaçada com minha experiência pessoal de vida”. Embora Barak, o juiz israelense indicado para a CIJ nesse caso, não tenha votado favoravelmente à acusação de que está ocorrendo um genocídio em Gaza, ele concordou que houve “incitação ao genocídio”. Um fio separa uma acusação da outra, que marca o espectro dos 30 mil palestinos mortos (quase metade deles crianças).

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que politicamente está em maus lençóis dentro de Israel, celebrou o fato de a CIJ não ter ordenado um cessar-fogo, dizendo que, portanto, seu Gabinete de Guerra prosseguirá com a guerra. Essa distorção do veredito é inverossímil. Ela não convencerá ninguém, muito menos os juízes da CIJ que consideraram a acusação de genocídio “plausível” e pediram que Israel encerrasse sua guerra genocida.

Biografia do autor: Este artigo foi produzido para a Globetrotter e traduzido por Raul Chiliani para a Revista Opera. Vijay Prashad é um historiador indiano, editor e jornalista. É redator e correspondente principal do Globetrotter. Também é editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research. Escreveu mais de vinte livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seus últimos livros lançados foram Struggle Makes Us Human: Learning from Movements for Socialism e (com Noam Chomsky) The Withdrawal: Iraq, Libya, Afghanistan, and the Fragility of U.S. Power.

Fonte: Globetrotter

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Vijay Prashad é um historiador, editor e jornalista indiano. Ele é um escritor parceiro e correspondente-chefe do Globetrotter. É editor-chefe da LeftWord Books e diretor do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Ele é membro sênior não-residente do Instituto Chongyang de Estudos Financeiros da Universidade Renmin da China. Autor de mais de 20 livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seu último livro é Balas de Washington, com prefácio de Evo Morales Ayma.