Na semana passada, o médico de Belo Horizonte Marcelo Nascimento viralizou nas redes sociais ao se emocionar quando descobriu que é considerado “modelo” para um menino negro que sonha em ser médico. No relato, Nascimento diz que a mãe da criança o procurou para contar que ele serve de inspiração para o filho.
O que o vídeo não mostra é que a trajetória do pós-graduado em cirurgia plástica é um exemplo não só de superação, mas também de como a consciência social pode transformar a história de quem não tem acesso a oportunidades como uma educação de qualidade. Vindo de uma família pobre, com pouca escolaridade, Marcelo trabalhava com o pai em uma olaria para pagar o cursinho e tentar passar em uma faculdade de Medicina. “Eu juntei dinheiro fazendo tijolos durante 5 anos para conseguir ter chance de passar no vestibular, já que sempre estudei em escola pública”, lembra.
Nascimento conta que só conseguiu fazer uma faculdade porque contou com a ajuda financeira de cinco famílias que tinham consciência social e se propuseram a bancar seus estudos. “A meritocracia é um mito. Eu me dediquei muito, mas por ser preto e pobre, nunca tive as mesmas oportunidades que a maioria dos meus colegas de profissão. Se cheguei onde cheguei, foi porque contei com a ajuda da comunidade em que eu estava inserido. Sem o apoio de terceiros, por mais que eu me esforçasse, eu não conseguiria me tornar médico”, lembra.
Por não se esquecer de como saiu de uma casa pobre na cidade de Campo Belo para um bairro nobre de Belo Horizonte, Marcelo trabalha para que outros jovens negros possam ter a mesma oportunidade que ele teve. “A representatividade é importante, fico emocionado em saber que inspiro os jovens, mas todos nós temos que fazer a nossa parte para mudar essa situação e deixar a sociedade menos desigual”, afirma.
À espera do encontro
O médico conta que, apesar de toda repercussão que o seu vídeo trouxe, ainda não conheceu o filho da mulher que o procurou. “Eu já havia convidado os dois para conhecerem a minha casa e reforço o convite. Quero que o filho dela veja que aqui não tem só um médico preto, mas também outros dois pretinhos que estão estudando para serem médicos”, disse, se referindo aos dois sobrinhos que estudam Medicina.
Cotas e equidade
Além de ser um defensor da luta antirracista, o cirurgião conta que é um defensor do estabelecimento de cotas para a população negra e de baixa renda como uma retratação histórica. “As oportunidades devem ser iguais para todos e, como não são, há de se implantar políticas para reparar essas desigualdades”, defende.
Engajamento
Nascimento conta que precisou percorrer sozinho o caminho até o sucesso profissional. Ele fez pós-graduação em cirurgia geral e cirurgia plástica na Santa Casa de BH, e conta que antes mesmo de a publicidade médica ser liberada, ele já mostrava seu trabalho nas redes sociais. Por conta disso, passou a ser alvo de procedimentos do Conselho Regional de Medicina (CRM). Foi quando se juntou à Associação Brasileira de Médicos com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo) e passou a atuar em defesa dos direitos desses profissionais. “Não há vagas disponíveis na residência médica para todos e impedir que médicos formados em outros cursos anunciem suas especialidades é absurdo. Estamos falando de cursos chancelados pelo Ministério da Educação, com carga horária igual à da residência médica tradicional. Quem tem autoridade para dizer quem pode ou não ser considerado um especialista é o MEC, não sociedades médicas privadas”, reforça.
Sua participação na Abramepo não se limita à luta por democratização de acesso à especialização médica, mas se estende ao compromisso com a formação de futuras gerações de médicos. “Eu nunca aceitei os obstáculos que tentaram me impor e nenhum médico que tenha aprimorado seus conhecimentos de forma séria deve ser perseguido só por não ter um título conferido pelo CFM e AMB. Colegas estão sendo cerceados em seus direitos profissionais e precisamos lutar contra isso”, completa.