Quando eu trabalhava com o Ziraldo ele sempre dizia, “a vantagem que eu tenho sobre você é que eu já cheguei na idade que eu tenho e você não sabe se vai chegar”. Verdade. Mas fico muito feliz por ele chegar aos 90 anos neste dia 24 de outubro de 2022. Ziraldo foi uma espécie de pai afetivo e profissional que tive. Trabalhei com ele desde os 17 anos, aprendi muita coisa e ficamos amigos desde então. Lembro dele de várias maneiras.
Na política sempre foi de esquerda, é claro, mineiro e de esquerda. Seus ensinamentos políticos sempre foram aulas pra mim. Lembro quando o Lula venceu a primeira eleição e conversando ele me disse para explicar a enorme rejeição que o Lula tinha entre a burguesia carioca: “É claro, Miguel. Um presidente que foi torneiro mecânico eles odeiam”. Outra verdade e parece que o ódio de classe permanece.
Ziraldo é muito amoroso e generoso. Frequentei sua casa ainda com a Wilma, sua mulher, viva e funcionando como mãe que me dava conselhos e me alimentava. A mesa da varanda na praça do Lido estava sempre posta como uma boa casa mineira. Bolo de fubá, garrafa térmica com café, pão e queijo Minas. Nas noites mais loucas em que ficávamos acordados trabalhando até o galo cantar assaltávamos a mesa do café da manhã e não sobrava nada.
Ziraldo adora ajudar desenhistas novos. Não sei, sinceramente, onde ele viu talento em mim nas primeiras coisas que mostrei a ele. Sem falsa modéstia, eu desenhava mal, mas reconheço que ali tinha alguma coisa que podia crescer. Ziraldo via. Quando ele me mandou embora do estúdio onde trabalhava para ganhar a vida fiquei desconsolado, mas no dia seguinte estava pedindo emprego no Pasquim e justamente pra ele. Deu certo.
Casei, mudei, fui pra Milão e Ziraldo me visitou algumas vezes. Por indicação dele tivemos o mesmo agente, o saudoso Marcelo Ravoni, que foi outro pai pra mim. Nessa disputa de afeto paternal eu saí ganhando. Fomos juntos à antiga Iugoslávia e na Croácia ele me disse que a boate da cidade parecia as de Caratinga. E era verdade. Fomos à Toscana, ao Friuli, bebemos e comemos muito. Acabei voltando ao Brasil e continuamos amigos, eu em São Paulo e ele aqui no Rio. Juntos fizemos, depois do Pasquim, a revista Bundas, o Pasquim 21 além de trabalhar com ele na Última Hora e no velho e no novo Jornal do Brasil.
Sua produção interminável continua sendo um estímulo para qualquer artista. Seus arquivos, seus desenhos em papel Schoeller, suas charges surpreendentes e sua qualidade gráfica marcante são um tesouro a ser sempre consultado. Ziraldo foi reconhecido aqui no Brasil sobretudo nos anos onde se dedicou à literatura infantil e agora a Editora Melhoramentos presta uma homenagem aos seus 90 anos. Também foi admirado no exterior não só onde seus livros são editados, mas onde seu talento é reconhecido. Viva o Ziraldo. Que continue por mais bons anos iluminando essa profissão tão particular que escolheu e que eu herdei de bom grado. Você tem razão Ziraldo. Essa certeza de chegar aos 90 você tem e eu não. Mas vou chegar lá, lembrando sempre de você.