No dia 13 de abril recente, Monica Benício (PSOL), vereadora e viúva de Marielle Franco, apresentou ao público seu livro intitulado “Marielle e Monica: Uma história de amor e luta”. Nesta obra, ela compartilha detalhes sobre seu relacionamento com Marielle e aborda questões pertinentes à busca por justiça em relação à sua falecida companheira. Em uma entrevista exclusiva concedida ao Diário Carioca, a parlamentar não apenas discutiu o lançamento do livro, mas também abordou os recentes desdobramentos do caso Marielle e Anderson.
O dia 10 de abril foi uma data de grande expectativa na Câmara dos Deputados, com a votação sobre a permanência da prisão de Chiquinho Brazão, apontado pela Polícia Federal (PF) como um dos mandantes dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. A vereadora expressou sua ansiedade ao acompanhar o debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), seguido pelo plenário. Ela destacou a importância do resultado pela manutenção da prisão, temendo que o corporativismo parlamentar pudesse questionar essa decisão.
“Confesso que passei o dia ansiosa, acompanhando o debate na CCJ, que teve uma resposta importante. Sentia uma espécie de absurdo, com toda essa ansiedade, porque deveríamos estar discutindo algo que deveria ser básico, um entendimento de senso comum da importância de chegarmos ao resultado pela manutenção da prisão do Chiquinho Brazão”, disse Monica.
A votação resultou em 277 votos a favor, 129 contrários e 28 abstenções. Para a vereadora, essa foi uma vitória significativa não apenas pela justiça no caso de Marielle e Anderson, mas também como uma resposta para o campo progressista e democrático. Ela ressaltou o absurdo de uma possível sinalização diferente por parte da Câmara diante de um caso que ficou seis anos sem resposta sobre os mandantes e as motivações do assassinato de Marielle e Anderson.
Monica enfatizou a complexidade do caso da sua ex-esposa, destacando que o recente apontamento de nomes como Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa evidencia a profunda relação entre política, polícia e milícia no Rio de Janeiro. Ela ressaltou que Rivaldo, então chefe da polícia à época do assassinato, desempenhou um papel fundamental na garantia da impunidade ao longo dos anos, em conluio com poderes políticos.
“A Milícia hoje não é um estado paralelo. Ela é um agente do Estado, elegendo vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores. Atualmente, está construindo uma estrutura política extremamente poderosa, que opera através da violência e da truculência”, afirmou a parlamentar.
Para a vereadora, a divulgação do relatório da Polícia Federal ressalta um marco importante na investigação, mas ela argumentou que ainda estamos nos estágios iniciais dessa análise. Afirmou discordar da declaração do Ministro Lewandowski sobre o caso estar encerrado, enfatizando que ainda há um submundo a ser investigado, intimamente ligado à estrutura política e de segurança do Rio de Janeiro. Para ela, a busca por justiça por Marielle e Anderson não está completa, e a sociedade precisa manter a pressão por respostas.
O nome de Rivaldo Barbosa, então chefe da polícia à época das prisões, foi uma surpresa dolorosa para a vereadora, que expressou sentimentos de desamparo, traição e indignação. Ela compartilhou sua frustração com a falta de avanço nas investigações ao longo dos anos e sua percepção de que a falta de vontade política estava entre os principais obstáculos.
“Foi uma sensação de traição, de raiva, de indignação, porque o nome do Rivaldo não trazia só surpresa pelo nome dele, mas por tudo o que o nome dele representou. A gente pôde entender, porque chegamos a seis anos, com as investigações sendo feitas do jeito que foi”, revelou Benício.
A mudança na conjuntura política, com a entrada do novo governo e a atuação da Polícia Federal no caso, trouxe uma certa esperança. A vereadora destacou sua avaliação pessoal sobre a atuação da Polícia Federal, destacando a troca respeitosa de informações e a sensação de que a investigação estava progredindo de forma mais significativa.
Câmara dos vereadores pode estar envolvida com o crime organizado?
Diante do recente relatório da Polícia Federal, que expôs o envolvimento de alguns deputados da Alerj com o crime organizado, levantamos a questão sobre a possível corrupção dentro da Câmara dos Vereadores. A vereadora Monica Benício respondeu enfaticamente, reconhecendo a gravidade da situação e compartilhou suas observações sobre o cenário da política carioca.
Embora ela não tenha evidências concretas para apresentar nomes específicos, Monica destacou que sua atuação como vereadora revelou movimentações que indicam em que lados determinados vereadores estão posicionados. Ela mencionou sua iniciativa de apresentar a revogação das medalhas concedidas a Domingos Brazão e Chiquinho Brazão como exemplo, ressaltando a importância do apoio dos colegas vereadores nesse processo, mas alguns não a apoiam.
A vereadora enfatizou a existência de um ecossistema complexo no submundo político do Rio de Janeiro, no qual a milícia e o tráfico de drogas exercem influência sobre figuras na política institucional. Ela destacou a gravidade do relatório da Polícia Federal, que, para ela, confirma o que sempre se imaginou sobre as relações entre o crime organizado e a política.
Benício enfatizou a necessidade de um compromisso coletivo para desmantelar essa estrutura corrupta, não apenas por meio de investigações rigorosas, mas também pela mobilização da sociedade em busca de mudanças efetivas. Ela considera esse um problema crônico que precisa ser enfrentado não apenas no Rio de Janeiro, mas em todo o país.
Governador das chacinas
A avaliação da parlamentar sobre o governo de Cláudio Castro (PL) e a atuação da Polícia Militar é carregada de dor e indignação, enraizadas em sua experiência pessoal como moradora da Maré e defensora dos direitos humanos.
Ela expressa profunda decepção com a falta de mudanças sob o governo de Cláudio Castro, destacando que a escalada da violência e a ausência de políticas públicas nos territórios marginalizados são características persistentes. Monica observa que, longe de combater essas estruturas corruptas, cada governador parece fortalecê-las, contribuindo para uma sociedade cada vez mais brutalizada.
Um exemplo marcante desse desencanto foi a reunião do Comitê Justiça por Marielle e Anderson com Cláudio Castro em 2022. Naquela ocasião, o governador se gabava do então chefe de polícia, Allan Turnovsky, como seu homem de confiança, ignorando as denúncias de corrupção que mais tarde vieram à tona.
Monica fala da crueldade do governo de Cláudio Castro, que, segundo ela, perpetua a violência e a opressão contra a juventude negra e os moradores das favelas e periferias. Ela lamenta a complacência da sociedade diante desses horrores, apontando para a necessidade urgente de mudança tanto nas estruturas de poder quanto na mentalidade da população.
“Então, muito se diz, né, é o governador das chacinas, é o governador que diz na sua caneta, que quer que a nossa juventude negra não sobreviva, que quer a favela e a periferia como um espaço de opressão, de violência, e que serve a seus fins eleitorais em ano eleitoral”, diz a vereadora.
Gestão Eduardo Paes
A vereadora expressa uma avaliação crítica da gestão do prefeito Eduardo Paes, fundamentada em sua perspectiva socialista e preocupação com a desigualdade estrutural na cidade. Ela argumenta que a abordagem liberal do prefeito perpetua as injustiças históricas, como o racismo e a misoginia, ao priorizar interesses de mercado em detrimento da qualidade de vida das comunidades marginalizadas.
Destaca-se a crítica à “Operação Verão” e ao projeto “Reviver Centro”, vistos como políticas que exacerbam as desigualdades ao favorecerem o lucro em detrimento do bem-estar dos cidadãos. A vereadora também lamenta a falta de políticas efetivas para enfrentar questões como o feminicídio, ressaltando a incoerência entre as promessas do prefeito e a realidade da violência contra as mulheres.
“Eduardo Paes faz, por exemplo, a Operação Verão, que promove um ‘apartheid’ dentro da cidade, fazendo com que a nossa juventude negra, favelada e periférica, não consiga fazer um trânsito livre pela cidade”, afirma a parlamentar. “Quando a gente olha projetos como o ‘Reviver Centro’, que visa também transformar um centro da cidade numa lógica, por exemplo, de Airbnb, que é uma lógica que já fracassou em Barcelona, a gente insiste numa lógica de produção neoliberal, que aprofunda as desigualdades, porque ela tem como seu principal eixo o lucro”, completou.
Quanto à aproximação entre Eduardo Paes e Lula, a vereadora expressa preocupação com a possibilidade de sacrificar um projeto político de esquerda em nome da manutenção do poder. Ela argumenta que a aliança com setores políticos que representam interesses conservadores pode comprometer os valores progressistas e a luta contra a extrema direita. A vereadora reforça a importância de uma oposição firme à direita fisiológica, que historicamente perpetua as desigualdades na cidade.
“Essa aproximação é uma aproximação muito perigosa, porque a gente precisa propor uma outra lógica e não sacrificar um projeto político, e não fazer a disputa dessa narrativa política em nome da manutenção do poder”, conta Monica.
Marielle e Monica: Uma história de amor e luta
O lançamento oficial do livro “Marielle e Monica: Uma história de amor e luta“, que aconteceu no dia 13 de abril, marca um momento significativo não apenas para a arquiteta, vereadora e autora, Monica Benício, mas também para todos aqueles que acompanham a trajetória de Marielle Franco e sua luta incansável pelos direitos humanos.
Nesta obra íntima e corajosa, Monica nos conduz por uma jornada emocionante, revelando detalhes até então desconhecidos sobre seu relacionamento com Marielle. Entre os temas abordados estão a batalha contra o alcoolismo, os desafios enfrentados devido à orientação sexual, a complexidade das relações familiares e a presença constante de Marielle mesmo após sua morte trágica.
“É com as lágrimas molhando o teclado do computador, rodeada pelas cartas que trocamos ao longo dos anos espalhadas em cima da mesa, da mesma mesa em que você não se sentou para jantar naquela noite, que eu quero te dar o adeus que eu não pude e que ainda não estou preparada para te dar, mas preciso”, diz Monica em um dos trechos do livro.
Para Monica, a decisão de escrever o livro não foi fácil. Durante os anos de 2018 e 2019, ela recebeu propostas de editoras, mas estava profundamente imersa na busca por justiça para Marielle e não conseguia priorizar seus projetos pessoais. Foi somente após uma conversa com uma editora que compartilhava experiências semelhantes que Monica decidiu embarcar nessa jornada de contar sua história.
O livro não se limita a relatar a relação amorosa entre Marielle e Monica, mas também se torna um manifesto na luta por justiça e pelos direitos da comunidade LGBTQIA+. Com uma narrativa que mescla memórias pessoais e reflexões políticas, Monica nos mostra como o amor entre mulheres pode ser revolucionário e como a luta feminista foi essencial para sua própria sobrevivência e ressignificação da vida.
Além disso, a obra desafia estereótipos e preconceitos ao colocar em destaque a legitimidade das famílias LGBTQIA+. A capa do livro, cuidadosamente elaborada pela autora, com as cores do arco-íris e a imagem de duas mulheres, é uma afirmação da visibilidade e do direito à existência dessas famílias na sociedade.