O avançar do século XXI deflagra um desenvolvimento social pautado no espaço virtual exercendo sua dominação crescente no mundo real. Em que pese esse movimento possa ser encarado com grande temeridade por alguns, trata-se de uma transição natural como já experimentado pela humanidade em outros tempos.
Repousando o olhar sobre o Brasil, nascemos colônia em um período marcado pelas grandes navegações e, portanto, expansões territoriais das metrópoles europeias que espalhavam seu domínio pelos arredores do novo mundo. Evidentemente, o elemento social dominante naquele tempo era a busca pela proximidade com os costumes europeus, sobretudo portugueses, ingleses e franceses. A beleza era ditada pelas tendências da Europa e a recém-nascida sociedade brasileira perseguia espelhar-se nas tendências lusitanas, anglicistas ou galicistas. Esse movimento restou ainda mais acentuado com a vinda da corte portuguesa, em 1808, a qual trouxe exemplos vivos do estilo de vida europeu.
Já nesses tempos as pessoas influenciavam ou eram influenciadas. E o exercício da influência notadamente era capitaneado pelos fidalgos da corte, os quais foram responsáveis pela disseminação do estilo de vida europeu nas terras brasileiras. Anos à frente, o Rio de Janeiro foi o grande palco dessas transformações na sociedade brasileira, dando solo a pontos icônicos como a Confeitaria Colombo, o Café Lamas, entre outros. Uma influência que tendenciou o modo de falar, as preferências e, até mesmo a arquitetura, haja vista, por exemplo, o belíssimo Theatro Municipal, como uma das mais incríveis casas de espetáculos inspirada na Opera de Paris.
Ao avançar dos tempos, os galicismos ficaram “demodê” e o novo conceito de belo passava pelas tendências dos Estados Unidos da América. Costumes totalmente influenciados por uma cultura da produtividade e da praticidade, até mesmo nas refeições e diversões. Assim ingressava-se em um novo panorama de hegemonia internacional – o qual inclusive pautou a chamada Guerra Fria – e o Brasil perfilou-se e se rendeu aos encantos das gerações da calça Lee, da Coca-Cola e do MacDonald’s, até hoje tão sedutores.
Nos tempos atuais, a Internet e, sobretudo, as redes sociais passaram a ser o grande veículo de influência das pessoas, sobrepondo-se a ideia do “parecer ser” à realidade do “ser”. Essa busca incessante pelo encontro de uma melhor versão de si para poder expor e compartilhar tem adoecido as pessoas. Em que pese ser este mais um movimento de transformação, não se pode deixar de ponderar que o movimento atual tem criado dois mundos: o real e o virtual.
Inicialmente, os movimentos virtuais apenas faziam incursões no plano das realidades, sempre aptas a propiciar algum tipo de melhoria à vida das pessoas, ou aos processos de métrica das empresas. Efeitos como o desemprego estrutural passaram a ser sentido por milhares de trabalhadores menos qualificados, os quais passaram a ser substituídos por máquinas mais eficazes e produtivas. Todavia, o que se observa hoje – em tempos de 5G e inteligência artificial – é que o espaço antes coadjuvante da esfera virtual ocupa protagonismo jamais visto. As inovadoras máquinas empilhadeiras que foram revolucionárias para a indústria de poucos anos atrás hoje são latas aglomeradas quando comparadas a robôs médicos que estrelam centros cirúrgicos nos melhores hospitais. E as antigas calculadoras, que já ocuparam a estrutura de prédios, hoje são substituídas por microcomputadores cada vez mais potentes, velozes e eficazes.
Mas foi a inteligência artificial que, na minha opinião, começou a relativizar, de fato, a pessoa, e, aos poucos, vem subtraindo seu protagonismo. Imagens, vídeos, textos e infinitas outras possibilidades que nos deixam, no mínimo intrigados. No alto dos meus quarenta anos bem vividos, ainda me surpreendo com a capacidade dessa nova tecnologia de imiscuir real e virtual de maneira tão “perfeita” a ponto de tirar de nós o discernimento entre o material e o imaginário.
De toda forma, como otimista que sou, prefiro sempre a imagem do “copo meio cheio”. É bem verdade que pessoas estão começando a ser manipuladas pelo ciberespaço. Inegável também o risco que tudo isso pode causar com as indevidas manipulações de áudio e imagem, concordo. Mas prefiro enfatizar a descoberta de novos antibióticos, a utilização para correções textuais, ou até mesmo na otimização dos sistemas da Justiça. Apenas deixo claro, com essa reflexão, que nada substituirá o ser humano, ou o mundo real. E por mais que as aparências agora estão mais em alta do que as essências, ainda continuo sendo o entusiasta das pessoas e jamais sucumbirei ao seu protagonismo, mesmo que em sua humana falibilidade, ou em suas limitadas possibilidades.