Saúde Mental: preconceito, direitos e desafios

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Saúde Mental
Divulgação

A compreensão dos casos envolvendo Saúde Mental é de extrema complexidade, sobretudo pela subjetividade inerente à matéria e consequente baixa credibilidade na anamnese dos pacientes. Bastante diferente de outras áreas do estudo humano, a mente ostenta nuances que, até hoje, intrigam médicos, psicólogos e psicanalistas quando do estudo de sua semiologia. Um paciente que sofre uma fratura, por exemplo, é objetivamente diagnosticado por exames de imagem que comprovam o problema e, a partir daí, será submetido ao tratamento, também objetivo, que lhe assegurará a cura. Nos casos envolvendo questões mentais, a realidade é bastante diferente. 

O diagnóstico depende de uma interpretação altamente subjetiva do profissional, que, em grande parte das vezes, não consegue encontrá-lo apenas no paciente, sendo necessário recorrer à família, amigos, entre outros. Além disso, a percepção do desafio experimentado pelo analisando costuma levar tempo. E exatamente o tempo talvez seja o grande problema do acometido e seus respectivos familiares, os quais são levados à exaustão diante das consequências nefastas e pouco palpáveis que acometem aqueles que se encontram em situação de desafio de Saúde Mental. Nesse contexto, certamente o pior dos sintomas sociais é o preconceito que vitimiza essas pessoas, já que a sociedade que se enxerga “normal” quer distância dos chamados “loucos”. Terminologias impróprias, que menosprezam a pessoa e colocam sua condição acima dela, tal como no art. 5º, II do revogado Código Civil de 1916, que apregoava de absolutamente incapazes os loucos de todos os gêneros. 

No Rio, o Instituto Municipal Phillipe Pinel, que funciona desde 1937 no bairro de Botafogo, Zona Sul, ficou tão famoso que acabou, popularmente, virando apelido dos seus assistidos. Muitos pacientes passaram a ser chamados de “Pinel” em alegoria ao nome do instituto. Obviamente, esse tipo de alcunha não favorece na recuperação nem, tampouco, na dura rotina das famílias que experimentam essas dificuldades. Sabidamente, os problemas mentais geram afastamento social, por falta de educação e um preconceito muito mais nocivo, na maioria das vezes, do que a própria doença. E se alguma questão mental for associada à dependência química, estabelece-se o cenário completo da exclusão, haja vista a repulsa da grande maioria das pessoas por aqueles que se encontram imersos em algum tipo de vício. 

Justamente neste ponto deve agir o Estado. Assegurar os direitos dos pacientes de Saúde Mental e prover a eles atendimento digno é premissa de Direitos Humanos e dever do poder público constituído em todas as suas esferas. Municípios, estados e união devem somar esforços para garantir dignidade a essas pessoas cuja cognição e, até mesmo capacidade de reclamar, encontram-se bastante prejudicadas. Nesse sentido, merece atenção a Lei Federal n. 10.216/2001 – conhecida como Lei Antimanicomial – que estabeleceu uma reforma psiquiátrica no Brasil. Segundo essa legislação, a internação deve ser a última hipótese no tratamento dos desvios mentais, privilegiando-se o acolhimento dos pacientes nos chamados Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), de forma ambulatorial. No âmbito judicial, por determinação da Resolução n. 487/23 do Conselho Nacional de Justiça, restaram proibidas as novas admissões de pacientes nos chamados manicômios judiciais, sendo o fechamento obrigatório de todas as unidades já existentes agora em maio de 2024, o que talvez se revele em um dos maiores desafios atinentes ao tema. 

Cumprindo seu papel, o Rio encerrou as atividades de internação do Instituto Juliano Moreira em 27 de outubro de 2022. Esse complexo psiquiátrico chegou a abrigar 5.300 internos em seus 79 hospitais e pavilhões desativados gradativamente. Um desafio cumprido de tantos outros ainda por vir, sobretudo imaginando-se a realidade do Brasil. Esses grandes institutos causavam e nos locais ainda causam grande sofrimento aos pacientes e seus familiares. Muitos deles são verdadeiros depósitos de pessoas, exatamente uma forma de excluir da sociedade essas pessoas, muito além da exclusão pelo preconceito. Sem dúvidas, o debate é necessário e a transparência fundamental. Clínicas psiquiátricas, comunidades terapêuticas e entre outras modalidades também merecem atenção especial e fiscalização permanente do Estado. São vidas humanas que merecem respeito como tal. 

Os grandes desafios, que encerram essa reflexão, devem passar por elementos legais e informativos aptos a refinar e otimizar o atendimento hoje fornecido. Emergências psiquiátricas, por exemplo, embora crescentes são escassas as estruturas públicas prontas para atendê-las. Uma legislação mais clara, também, no que diz respeito ao remanejamento dos acobertados pela resolução mencionada anteriormente também é um desafio. De toda forma, ainda assinalo que o maior de todos é eliminar o preconceito que julga e subjuga milhares de pessoas à margem da sociedade, apenas por enfrentarem desafios de Saúde Mental.