Casa do Jongo reabre hoje com festa na zona norte do Rio

Diário Carioca

A Casa do Jongo, instalada no pé do Morro da Serrinha, em Madureira, na zona norte do Rio, vai reabrir hoje (31) depois do fechamento das atividades em dezembro do ano passado por falta de recursos, deixando 400 crianças e adolescentes sem aulas de dança, música, inglês, capoeira, costura, arte, entre outros cursos.

A festa de reabertura neste sábado vai começar com um cortejo, às 10h, pela Rua Silas de Oliveira até a entrada da Casa do Jongo. Depois disso, as atividades seguem até as 19h e estão previstos shows de artistas como Pretinho da Serrinha, Teresa Cristina, Nélson Sargento, Zé Luiz do Império, Velha Guarda do Império Serrano, Dorina e Paulão Sete Cordas, que já confirmaram presença.

O espaço, criado para manter a tradição da cultura africana, é o resultado de uma longa história que começou com os negros bantus escravizados que vieram do Congo e de Angola para o Brasil. Depois de libertos, muitos deles, que trabalhavam na lavoura no Vale do Paraíba e em Minas Gerais, se instalaram no Morro da Serrinha. Lá, gostavam de dançar o Jongo uma combinação de canto, de dança e de religiosidade.

Mas a tradição corria o risco de se perder. Foi aí que, junto com o Mestre Darcy, Tia Maria, hoje com 97 anos, moradora da comunidade, filha e neta de negros escravizados, ajudou a criar o Grupo de Jongo da Serrinha e, assim, mostrar para os mais novos a importância de preservar aquela cultura.

Em 2000, o grupo se tornou Organização Não Governamental (ONG), depois associação para, no ano seguinte, criar a Escola de Jongo. Em 2005, o Jongo foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Dez anos depois surgiu a Casa do Jongo.

Apoio

Suellen Tavares, de 29 anos, começou a frequentar o grupo aos 10 anos. Na escola, fez parte da primeira turma com aulas de jongo, de cavaquinho, de violão, de circo e de teatro. Hoje, tem a função de coordenadora na Casa do Jongo.

“Eu mulher, preta, lésbica, candomblecista, de favela, tenho muito a agradecer ao Jongo da Serrinha. É o Jongo da Serrinha que me coloca nesse lugar de entendimento, de saber que a universidade é um lugar possível, que outros espaços são possíveis para mim e de abrir um leque de representações. De entender que dona Ivone Lara, Tia Maria do Jongo, Jovelina Pérola Negra e Mestre Darcy são importantes”, afirmou.

“A Casa do Jongo vem, não para dizer o que você tem que ser, mas sim o que você pode ser. Que os muros da Serrinha vão além da Edgard Romero [importante via de Madureira]. É muito delicado dizer o potencial que esta casa tem e o potencial que essas crianças daqui da Serrinha têm, porque eu sou uma criança aqui da Serrinha. Hoje, entendo a importância que eu tenho no lugar e delas me verem, porque ainda sou moradora da Serrinha”.

Suellen disse que a reabertura da Casa do Jongo será “meio no peito e na raça”, porque,além de recursos, que são repassados via incentivos fiscais com base na lei do ISS (Imposto sobre Serviços), há uma parte do dinheiro que está sendo obtida por meio de financiamento coletivo feito com o site Benfeitoria, criado pela instituição para receber as contribuições.

“A gente hoje tem o apoio do ISS e consegue manter a casa por três ou quatro meses. A partir daí a gente tem que repensar”, disse, acrescentando que, por mês, a manutenção do espaço custa cerca de R$ 35 mil. “Isso mantendo o básico do básico e tentando manter os voluntários”. Da meta de R$ 7,1 mil para o mês, o fundo virtual conseguiu levantar pouco mais de R$ 4 mil.

Yabás

Outro projeto de manutenção da cultura africana foi atingido pela falta de recursos. A Feira das Yabás, tradicional encontro que ocorre no segundo domingo do mês, na Praça Paulo da Portela, no bairro de Oswaldo Cruz, desde novembro do ano passado está suspensa.

“São bens culturais e imateriais da cidade. Se não tiver encontros tradicionais eles vão se perdendo. A Feira e o Trem do Samba [encontro de sambistas] são uma espécie de oxigenação da memória coletiva para que esses bens fiquem ainda mais latentes naquela região”, disse o cantor e compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz, que é o idealizador e coordenador do projeto.

O encontro, que se transformou na Feira das Yabás, começou com uma feijoada da Portela. Depois disso, deixou de ocorrer na quadra da escola de samba e passou a ter duas barracas na rua, uma com macarronada e outra com feijão. As outras tias cozinheiras ligadas a escolas de samba quiseram aderir e sugeriram outros tipos de comidas populares, seguindo, segundo Marquinhos, a tradição dos negros bantus que se instalaram na região.

“Eu queria mostrar uma herança da diáspora no Rio de Janeiro, principalmente, do subúrbio do Rio de Janeiro. É um pedaço da África no coração da cidade maravilhosa e aí veio o nome Yabás”.

A prefeitura, que costumava liberar recursos para a realização dos encontros, suspendeu os repasses, mas o artista informou que está negociando um patrocínio para voltar com a programação.  “Sonho com um patrocínio privado, porque daria mais liberdade e menos dependência do poder público. E em um momento como esse daria ainda mais transparência”, disse,

Marquinhos destacou a importância da feira para a economia local, além do aspecto cultural. “Vem ônibus da Bahia, de São Paulo para a feira. Vem gente de todos os cantos, para uma região empobrecida que é Madureira [vizinha a Oswaldo Cruz]. Uma coisa é fazer um evento na região central e na zona sul, outra é fazer na periferia e as pessoas virem. É uma importância maior ainda neste sentido.”

Marquinhos adiantou que, em abril, ainda não será possível ocorrer uma edição da Feira, mas no dia 13 de maio, quando completará 10 anos ela vai ocorrer de qualquer maneira. “Em maio no dia 13 nem que chova canivete a gente vai fazer”.

Segundo o idealizador, todo dinheiro arrecadado com as vendas das comidas nas barracas fica com as yabás, mas a infraestrutura é paga pela organização da feira, incluindo gastos com equipamento de som e banheiros químicos.

Tia Nira, de 73 anos, é uma das yabás, que segundo ela eram as mulheres que serviam as comidas aos orixás. Ela disse que gosta muito de participar dos encontros. “A feira é muito boa mesmo, sendo que cada um no seu cada um. Tem macarronada, carne assada, mocotó, tripa lombeira, angu a baiana, muita qualidade de comida”, informando que a barraca dela é de peixe. “A minha barraca tem pirão, peixe fritinho na hora, um arrozinho. É logo na calçada da Portelinha, Dá para me ver logo”.

Tia Nira, que é também da Velha Guarda da Portela, disse que, fora da feira, as yabás mantêm uma amizade, e a maioria mora na região.

Patrimônio histórico

Na quarta-feira passada (28), foi publicada no Diário Oficial do Estado, a lei sancionada pelo governador Luiz Fernando Pezão, tornando a Feira das Yabás patrimônio histórico e cultural do Estado do Rio de Janeiro. Para o secretário de estado de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos, Átila Alexandre Nunes, isso vai facilitar que o executivo estadual possa fazer convênios que em consequência deles os organizadores consigam mais recursos.

“Esse tombamento é essencial até para que o estado possa desenvolver formas de alavancar e possibilitar a edição na data, tão especial, de 13 de maio. O poder público só pode direcionar os seus esforços quando há o reconhecimento da importância cultural dessa feira. Então, a partir deste tombamento, acredito que viabiliza o início de um diálogo de buscar formas, mesmo com as restrições orçamentárias, de campanhas em conjunto, para ajudar à organização da feira”, disse Nunes.

O secretário afirmou que o estado pode contribuir para facilitar a busca por um patrocínio privado, como quer Marquinhos de Oswaldo Cruz.

“É uma forma de atuar. É lógico que estamos passando por um momento no país todo de ainda recuperação econômica e os patrocínios não são fáceis, mas a nossa ideia e tentar um patrocinador privado, mas também ver quais outras formas na questão operacional como podemos contribuir”, acrescentou.

Da Agência Brasil

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