O decreto do governo de São Paulo, publicado no Diário Oficial no dia 21 de março, que determina que somente serviços essenciais devem funcionar no estado durante a pandemia do coronavírus, não é cumprido pelas concessionárias que administram as rodovias estaduais. Com o aval do governador João Doria, as empresas mantêm os pedágios abertos e cobrando tarifas.
O Brasil de Fato ligou para os 20 consórcios que administram os 6,5 mil quilômetros de rodovias paulistas e constatou que todos seguem cobrando o pedágio. No site de algumas concessionárias é possível acompanhar, por câmeras, o movimento nas cancelas. Também na internet, as empresas publicam as tabelas com valores cobrados.
No dia 5 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu que os meios de pagamento eletrônicos fossem priorizados e recomendou que não se utilize papel. “Sabemos que o dinheiro muda de mãos com frequência e pode pegar todos os tipos de bactérias e vírus. Aconselhamos as pessoas a lavarem as mãos depois de manusearem as notas e evitar tocar no rosto.”
A recomendação da OMS, no entanto, não é seguida pelas concessionárias, que estão amparadas pela Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), autarquia do governo estadual, subordinada ao governador. João Doria, que diariamente recomenda o isolamento total no estado, para proteger os cidadãos e evitar a proliferação do coronavírus.
“Não há nenhum decreto determinando que as praças de pedágio ou as rodovias deixem de operar. Inclusive, as rodovias concedidas paulistas seguem operando normalmente com todos os serviços de socorro médico e mecânico, monitoramento por câmeras, manutenção do pavimento e sinalização sem redução dos índices de qualidade estipulados em edital”, informou a Artesp em nota. Ainda de acordo com a agência, o pagamento do pedágio “é a única receita para manter as rodovias operando.”
O decreto do governador não trata especificamente de cada setor, tampouco das praças de pedágio. Doria foi enfático ao afirmar que somente as empresas, públicas ou privadas, das áreas saúde, alimentação e segurança devem permanecer em funcionamento no estado, pois são considerados “serviços essenciais” pela administração pública.
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O senador Jorginho Mello (PL-SC) pediu ao presidente Jair Bolsonaro para que os pedágios sejam fechados em todo o país, justamente pelo potencial de contaminação que representam aos trabalhadores que operam as cancelas e trocam o dinheiro. Para o parlamentar, o argumento econômico, apresentado pelas concessionárias, não pode ser levado em conta neste momento.
“São empresas de grande porte, tem que dar sua parcela de contribuição, elas possuem boas reservas de caixa. Não é apenas o pequeno empresário que tem que contribuir com a economia agora. Segundo, é um ponto de contágio, de extremo contágio, essas pessoas mexem com dinheiro. Se o dinheiro não transporta o vírus, não sei o que transporta, a transmissão é inevitável”, explica Mello.
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Por outro motivo, o vereador Tenente Santana (MDB), de Araraquara, interior de São Paulo, solicitou à Artesp e ao governador João Doria a suspensão dos pedágios em todo o estado. “É lógico que existe o risco do coronavírus, mas o objetivo desse requerimento foi outro. Eu entendo que neste momento, nós teremos mais dificuldade no transporte e isso poderia estimular a circulação de mercadorias. Sem o pedágio, podemos manter o estado abastecido mais abastecido”, explica o parlamentar.
Questionado sobre a saúde dos trabalhadores que estão nas praças de pedágio, Santana comentou: “Eu espero que as concessionárias estejam tomando os devidos cuidados para evitar a contaminação de seus funcionários, sabemos que a nota de dinheiro é das formas que mais se contamina. Higienização é muito importante.”
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Cartel nas estradas
Na última segunda-feira (6), a Ecovias, que administra as rodovias Imigrantes e Anchieta, divulgou que assinou um acordo com o Ministério Público para evitar ser processada civilmente. A empresa confessa ter formado um cartel que atuou em São Paulo entre os anos de 1998 e 2015, período em que o estado foi governado por Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, todos do PSDB.
A Ecovias, que cobra incríveis R$ 27,40 em pedágios da Anchieta (Riacho Grande) e Imigrantes (Piratininga), a tarifa mais cara do país, confessou que durante 18 anos pagou propinas e alimentou o caixa 2 da campanha dos tucanos. No acordo, a empresa se compromete a reduzir a tarifa cobrada nas praças, além de construir um boulervard no Complexo Viário Escola de Engenharia Mackenzie.
Outro lado
Em nota, a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), informou que “existe um trabalho ininterrupto de 50 mil profissionais que monitoram 20 mil quilômetros de rodovias, operando Centros de Operação e 5 mil câmeras de TV, para garantir a assistência imediata em emergências mecânicas e médicas” e que “a suspensão da cobrança de pedágio inviabilizará essa importante contribuição que somente rodovias concedidas podem oferecer.”
Edição: Rodrigo Chagas