A Campanha da Fraternidade da Igreja Católica no Brasil, neste ano de 2020, está ancorada na passagem bíblica do Samaritano, descrita pelo evangelista Lucas, após um doutor em leis perguntar a Jesus: quem é meu próximo?
Na parábola descrita por Jesus em Lucas (Lc 10, 25-37), carregada de realismos e de personagens amplamente conhecidos da sociedade judaica de então, um samaritano viajante (os samaritanos eram mal-vistos pelos judeus) se aproxima e socorre um desconhecido, assaltado e ferido, deixado sangrando e sofrendo à beira da estrada. O samaritano cuida e trata do ferido, ao contrário do sacerdote e do levita – funcionários do templo e servidores do Sagrado – que, insensíveis e indiferentes, veem, mas passam ao lado sem nada fazer.
Jesus inverte a pergunta do doutor, centrada no “eu” (quem é “meu” próximo) e responde focando no “outro”: quem foi o próximo do que estava ferido?
“Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” é a frase do Evangelho de Lucas (Lc 10, 33-34) em destaque na Campanha da Fraternidade, que tem como lema: “Fraternidade e Vida – Dom e Compromisso”.
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Quando se pensou esta Campanha da Fraternidade, não se imaginava vivê-la em meio à pandemia do coronavírus atravessando de dor e apreensão todo o povo brasileiro.
Os feridos à beira da estrada, conforme a passagem bíblica, se transformam, dia a dia, em milhares de atingidos pelo vírus, e serão milhões. Milhões de pessoas estarão na situação de quem o samaritano se aproximou, precisando de atendimento, socorro médico, orientação segura, informação de qualidade, mas também, amor, carinho, solidariedade, água, alimentos, remédios, equipamentos de proteção, preces, palavras de consolo e esperança, e sei lá o que mais.
E quem são os samaritanos? Todos precisamos ser samaritanos uns dos outros. Na linha de frente estão os que se arriscam nos serviços de saúde, na coleta do lixo, no fornecimento de água, nos transportes, na produção de alimentos, na produção de medicamentos, na produção de equipamentos de proteção, na produção de álcool em gel, na comunicação e tantos outros espaços.
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Não há como passar adiante e fingir que não vê, olhando só para si, numa prática de indiferença ou insensibilidade diante da dor alheia (que pode ser também a própria), como salienta o Papa Francisco.
Grande desafio viver a Campanha da Fraternidade nestas condições. Quando celebrar é ficar em casa e rezar no ambiente doméstico, quando aproximar-se é distanciar-se fisicamente, quando o sacerdote, o levita e o samaritano se misturam na mesma dor e no mesmo drama, quando transmitir e viver a fé é tentar fazer o pesado fardo tornar-se um pouco mais leve.
O próprio dilema, rapidamente resolvido pelo conjunto da Igreja católica no Brasil, de celebrar missas (ou outras formas coletivas de celebração) com o povo ou proteger-se em casa, na Igreja doméstica.
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Tudo se coloca em outro patamar neste momento da história. Evangelizar e celebrar, seguir Jesus e ser fiel a Deus, rezar e orar, semear esperança é, antes de tudo, salvar vidas, dom maior que Deus nos concedeu.
É neste desafio de salvar vidas que seremos testados no “Amem o Senhor Deus com todo o coração, com toda alma, com toda mente e com toda força” (Mc 12,30) e no “Amem-vos uns aos outros assim como Eu amei vocês” (Jo 13,34).
Então a Campanha será de fato, DA FRATERNIDADE.
*Frei Sérgio Antônio Görgen é frei franciscano e dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); autor de “Em prece com os Evangelhos” e “Trincheiras da resistência Camponesa”.
Ilustração: Ateliê 15 (clique aqui para conhecer)
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Vivian Fernandes e Marcos Corbari