Artigo | Por que parte dos moradores das favelas não respeita o isolamento social?

Diário Carioca

Por que boa parte dos moradores/as das favelas continua indo para as ruas e não respeitando o isolamento social? A branquitude, no seu lugar histórico de privilégio, logo levanta respostas racistas e imediatistas para isso.

Postagens no Facebook apontam para isso: “Dessa vez o povo quer morrer, pois o que não falta é informação” ou “Pelo amor de Deus, por que essa galera da favela adora festa e continua fazendo churrasco? Não respeitam mesmo o isolamento, absurdo!”.

Queremos levantar algumas reflexões: a arquitetura urbana das favelas – e sempre respeitando as diferenças e especificidades de cada território favelado – foi construída para levar aos encontros e às trocas. Os becos e vielas representam concretamente como se dá a vida em coletividade, sendo ali que construímos nossas relações de resistências, solidariedade, afetos, conflitos, somos e vivemos no e para o coletivo. 

Logo, completamente diferente das relações sociais dos condomínios dos bairros da zona sul do Rio de Janeiro, que apenas geram e potencializam o individualismo e o isolamento, a favela, por mais que o capitalismo racial brasileiro tente cotidianamente exterminar, na realidade, continua a existir. E nossa sociabilidade é de forma coletivizada, comunitária e solidária. Portanto, completamente avessa ao distanciamento.

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Sem condições decentes de vida

Uma outra falácia que é sempre difundida por esse Estado genocida como argumentação para não garantir condições decentes de vida à população favelada e periférica é a hipótese de que a população destes territórios, predominante de pretos, é forte e imune a tudo. Por isso, podem aguentar e sobreviver a qualquer advento de letalidade, desde a bala de fuzil saída dos helicópteros utilizados como plataforma de tiros até mesmo a uma pandemia mundial.

A contínua circulação de pessoas nas favelas e nas periferias, mesmo sob decretos de quarentena, expõe uma série de fatores sociais que não são tratados pelos grandes especialistas brancos que aparecem na mídia hegemônica.

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Além da necessidade material da vida, as trabalhadoras e os trabalhadores que vivem em favelas e periferias estão na informalidade e sem acesso algum a direitos sociais nem trabalhistas. Logo, para trazer sustento para sua famílias, o trabalho diário nas ruas é imprescindível. Já que esses postos de trabalho não permitem o home office e nem garantem uma remuneração contínua durante a quarentena.

Toda a mobilização e a ajuda que esses territórios estão recebendo partem dos próprios moradores. A histórica ausência de políticas sociais para essas regiões resultou em processos de ajuda mútua de forma autônoma entre os próprios residentes. E sem essa solidariedade entre os nossos, a situação estaria ainda mais difícil. Nesses momentos de crise social, o “nós por nós” é determinante pra manter a vida do nosso povo.

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Vida precisa ser vivida na urgência

Há também outros fatores que não são considerados, como historicamente o Estado capitalista retirou dessa população o direito de planejar a vida e de ter perspectiva de pensar e sonhar um futuro. 

Afinal, nesses territórios os homicídios fazem parte do cotidiano das pessoas e a vida precisa ser vivida na urgência, como se estivéssemos sempre no último dia de existência. Já que o amanhã não sabemos se estaremos aqui, seja por conta da morte em decorrência de uma operação policial, da covid-19 ou pela fome.

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Rápidas reflexões de faveladxs e periféricxs que conseguem ficar em quarentena, mas que não criminaliza seu irmão/ã favelado que não possui a possibilidade de fazer o isolamento social. Tentar compreender, continuar o diálogo e, principalmente, não acreditar que a educação da repressão resulta em uma mobilização real ao combate da covid-19. A morte já faz parte do nosso cotidiano. O desafio é como falar de vida, onde a morte já é uma dura regra.

*Fransérgio Goulart é historiador e Coordenador Executivo da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, e Giselle Florentino é economista e Coordenadora Executiva da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Vivian Virissimo e Vivian Fernandes


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