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domingo, novembro 24, 2024

Empresas alemãs usam Brasil como “depósito” de agrotóxicos proibidos na Europa

PolíticaEmpresas alemãs usam Brasil como “depósito” de agrotóxicos proibidos na Europa

Enquanto grande parte dos países da União Europeia proíbem a venda de substâncias altamente nocivas à saúde humana e, principalmente, ao meio ambiente, o Brasil se consolida como terreno fértil para o lucro de grandes empresas estrangeiras. 

É o que evidencia estudo do Greenpeace Alemanha, divulgado nessa sexta-feira (5) em razão do Dia Mundial do Meio Ambiente. Segundo a organização, mais da metade dos agrotóxicos vendidos ao Brasil por multinacionais como Bayer e Basf são classificados como extremamente perigosos no continente europeu.

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Ingredientes ativos como o Fipronil, Imidacloprid e Clorpirifós, destaques de vendas das empresas alemãs, são altamente tóxicos para as abelhas brasileiras, que diariamente estão sendo exterminadas por consequências do uso destes pesticidas. 

Marina Lacôrte, porta-voz da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil, explica que as substâncias compostas pelo Fipronil e o Imidacloprid pertencem à classe dos neonicotinóides, um grupo de agrotóxicos altamente viciantes e que causam dependência nas abelhas de forma similar ao que a nicotina causa nos humanos.

Em 2018, por exemplo, somente o Fipronil foi indicado como principal responsável pela morte expressiva de abelhas no Rio Grande do Sul. A substância estar banida desde 2013 em todo o continente europeu.

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Parte expressiva da produção de mel mundial já apresenta concentrações relevantes dos venenos, que comprometem diretamente o equilibro do ecossistema global. Isso porque, sem as abelhas, não há polinização. Com a morte massiva dos insetos, a escassez e falta de alimentos para os seres humanos e para os animais é uma consequência inevitável, já que mais de 70% das espécies vegetais do planeta são dependentes desse processo. 

Por ter capacidade de locomoção muito alta, ou seja, espalharem-se facilmente pelo ar e por nascentes de água naturais, essas três substâncias podem trazer danos a muitos outros insetos, animais e plantações.

Padrão-duplo

Lacôrte ressalta que o estudo ecoa um alerta feito por entidades ambientalistas que se posicionam contra agrotóxicos há anos, principalmente quando o Pacote do Veneno voltou à tramitar no Congresso Nacional. 

Para ela, é nítido que o lucro das multinacionais, que atuam com grande poder de influência no Legislativo por meio de grupos como a CropLife Brasil, ligado às empresas, é favorecido em detrimento da saúde pública e da biodiversidade.   

Por que uma criança europeia não pode entrar em contato com o Clorpirifós, que tem impacto na redução do Q.I de crianças, mas uma criança brasileira pode?

“A maior parte das substâncias usadas aqui estão proibidas lá fora por questão de nocividade. [As empresas] Não têm lugar para vender lá, mas têm um estoque e ainda podem produzir pra vender aqui. Isso é muito lucrativo. O Brasil virou um depósito de lixo tóxico que não pode ser vendido lá, mas pode ser vendido aqui”, denuncia.

De acordo com Lacôrte, as organizações europeias que são contra a exportação dos venenos, a exemplo do Greenpeace Alemanha, têm usado o conceito do padrão-duplo. 

“Por que uma criança europeia não pode entrar em contato com o Clorpirifós, que tem impacto na redução do Q.I de crianças, mas uma criança brasileira pode? Qual o risco que eles não podem correr lá, que aqui podemos correr?”, questiona a ativista ambienta. “Não existe uso completamente seguro de agrotóxicos. Não existe”, reitera. 

Contexto político

O estudo do Greenpeace publicado neste Dia Mundial do Meio Ambiente tem como objetivo fortalecer o posicionamento crítico ao Acordo de Livre Comércio da União Europeia com países do Mercosul, fechado no segundo semestre do ano passado. 

O modo como os dois blocos tratam a questão dos pesticidas é um ponto sensível no tratado. Ao passo que o Brasil segue liberando agrotóxicos em ritmo acelerado sob o governo Bolsonaro, a UE não abre mão da premissa de evitar o dano à saúde e ao meio ambiente

:: Entenda os impactos do Clorpirifós para a saúde das crianças brasileiras :: 

Entre as premissas do acordo que beneficiam a Basf e a Bayer, entre outras produtoras, está a isenção para a importação de agrotóxicos, assim como a isenção para outros setores, como o automobilístico, que também tem um peso negativo muito grande quando se trata de impacto nas mudanças climáticas. 

O ônus vai ficar aqui. Teremos, com certeza, o aumento do uso dessas substâncias.

Marina Lacôrte sublinha que o tratado ovacionado pelo governo brasileiro e pelas empresas, põe em risco a biodiversidade global e vai completamente na contramão do que tem sido defendido internacionalmente. 

“O ônus vai ficar aqui. Teremos, com certeza, o aumento do uso dessas substâncias. Isso vai estimular algumas produções e atividades, como a produção de soja pra ração animal. E soja é uma das culturas em que mais se usa pesticidas”, lamenta. 

O Tratado anunciado pelos dois blocos no ano passado aguarda pelos trâmites na Europa e América do Sul para entrar em vigor. 

Entretanto, nesta quarta-feira (3), o parlamento holandês aprovou uma moção contra o acordo, justamente devido à questão ambiental. A decisão foi considerada um indicativo de que a ratificação do acordo encontrará percalços para de fato ser aprovada. 

Ofensiva 

O extermínio das abelhas brasileiras é apenas uma das consequências ambientais resultantes de graves políticas adotadas em menos de dois anos do governo Bolsonaro.

Entre algumas medidas que representam ameaças ao meio ambiente e são destacadas pelo Greenpeace Brasil, está o processo de aprovações de agrotóxicos que continua a todo vapor: Em apenas seis meses, o governo aprovou 150 novos produtos.  No total, desde que Jair Bolsonaro (sem partido) chegou ao poder, 624 agrotóxicos foram liberados.

As grandiosas isenções fiscais ao setor, assim como a  tentativa de liberação tácita de agrotóxicos por meio de portaria do Ministério da Agricultura em fevereiro, comandado por Tereza Cristina, são outras políticas citadas.

Há ainda o retrocesso em decisões que já estavam encaminhadas em benefício das empresas dos pesticidas, como por exemplo a proibição do Paraquate, agrotóxico extremamente tóxico e perigoso, que já está com data prevista para sair do mercado. Em março, a Anvisa tentou postergar a suspensão e manter a substância nas prateleiras de todo o Brasil por mais tempo. 

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A integrante da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil acrescenta ainda a flexibilização das regras de pulverização área de agrotóxicos em plantações de banana na região do Vale do Ribeira, que impacta diretamente a saúde de comunidades tradicionais e quilombolas que vivem na região. 

Aprovada pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, a Instrução Normativa nº13 entrou em vigor há um mês, no dia 4 de maio, sem qualquer discussão ou consulta pública. 

A medida revoga instruções anteriores e passou a permitir que a pulverização acontecesse a até 250 metros de distância de bairros e vilas tradicionais próximas dos bananais. A distância mínima anterior era de 500 metros e já representava risco de exposição aos seres humanos.

Futuro tóxico

Na opinião de Marina Lacôrte, as perspectivas são as piores possíveis a partir do que o atual governo tem colocado em prática. Ela define como “inescrupulosos” os posicionamentos de ministros enquanto o Brasil quebra recordes diários de vítimas fatais da covid-19.

É um governo que vai completamente na contramão dos interesses da sociedade.

“É a fatídica frase usada pelo Salles: ‘Passa boi, passa boiada’. Não é só no ministério do Meio Ambiente. Está acontecendo com questões sociais, trabalhistas e no Ministério da Agricultura também. Passa boi e passa boiada em tudo. Eles se aproveitam de um momento triste, delicado e complexo da humanidade e sociedade brasileira, para aprovar medidas nocivas que trarão consequências sérias”, critica. 

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A ativista ambiental diz ainda que os ataques acontecem de forma tão frequente que mal conseguem ser noticiados, em meio a tantas outras coisas. 

“É um governo que vai completamente na contramão dos interesses da sociedade. Está indo na direção do interesse das indústrias, das grandes empresas, sob a argumentação da recuperação econômica, o que é uma calamidade. Estão usando uma situação gravíssima como oportunidade para passar essas medidas. Não tem outra palavra: é um escândalo. Não podemos deixar ‘essa boiada passar’”, defende. 

Confira estudo do Greenpeace Alemanha na íntegra. 


 

Edição: Rodrigo Chagas


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