Quem cuida de quem cuida?

Diário Carioca

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que as mulheres são maioria entre a mão de obra informal no Brasil e também são as que apresentam a maior taxa de desocupação, situada em 14,5%. Os dados do IBGE também revelam que a taxa de desemprego das mulheres é 39,4% superior à dos homens. 

Na linha de frente do combate à covid-19, mulheres de todo o Brasil, que atuam tanto nos serviços essenciais de saúde como no sustento dos lares, conversaram com o Brasil de Fato sobre as dificuldades que enfrentam durante a pandemia, principalmente em relação à criação dos filhos. 

Bianca Duarte tem quatro filhos e trabalha em um posto de saúde na prefeitura de Praia Grande, no litoral de São Paulo. Com o início da pandemia e o trabalho no atendimento direto a pacientes com sintomas, ela e o marido passaram a restringir o contato com os filhos, que foram viver com os avós por semanas. 

“Meu filho de 9 anos é asmático, faz tempo que ele não tem crise, mas eu fico muito preocupada, porque a gente vê de perto que não é uma gripezinha, é uma situação real. As pessoas sim estão sendo afetadas, essa história de que assintomático não transmite, isso na teoria é muito lindo, mas a gente vê o que está acontecendo na prática: pessoas que chegam lá, não têm sintoma nenhum e testam positivo; quantas pessoas ela infectou pelo caminho?”, questiona.

Ela conta que a Unidade Básica de Saúde (UBS) mantém serviços como vacinações, curativos e consultas, e que os funcionários se revezam em turnos para o atendimento a pessoas que podem ter tido contato com o vírus.

“Eu acho que todo mundo que trabalha na área da saúde está bem revoltado com tudo que está acontecendo. Hoje eu vi os shoppings cheios, e a gente só fica imaginando: ‘segunda como vai tá a nossa vida’. A gente se sente secando gelo, colocando a vida das pessoas que a gente ama em risco”, explica a profissional.




A trabalhadora autônoma Rayssa Carvalho, ao lado da mãe, Docarmo, e da filha. A mãe solteira não teve acesso ao auxílio emergencial e vem sobrevivendo de bicos na área da estética / Arquivo pessoal

Autônoma e sem auxílio

Rayssa Carvalho mora em Belém e passou a depender de bicos na área da estética após ser demitida, ainda antes do início do isolamento social no estado do Pará. Ela conta que por um erro em seu registro no Dataprev – que ainda a considera como trabalhadora registrada  – não consegue ter acesso ao auxílio emergencial, e hoje depende de atendimentos aos clientes em sua própria casa, que são esporádicos, pelo “medo de não expor a filha”. 

“Querendo ou não, você acaba expondo. Você acaba não sabendo quem vai vir na sua residência, o caráter da pessoa. E se tiver uma filha, pode acontecer mil e uma coisas”, afirma. 

Carvalho conta que quando ainda estava empregada tinha que deixar a filha com vizinhos e parentes, para conseguir ir ao trabalho, e não se conforma quando “os patrões não entendem” a situação de mães como ela.“Para a gente conseguir uma vaga numa creche ou numa escola pública, a única alternativa é a escola particular, e nem sempre são preços acessíveis, ficou muito difícil. Eu fui demitida porque eu não tinha com quem deixar minha filha”, revela a trabalhadora autônoma. 

Para a mãe solo de 20 anos, além das dificuldades com a falta de renda e sustento do lar, muitas mulheres brasileiras também sofrem com o aumento da violência durante a quarentena. 

“Tem a questão de algumas mães que são casadas com pessoas que são extremamente abusivas, que não respeitam a mãe, a criança; às vezes padrastos que não aceitam essa ligação mãe e filho, que têm ciúmes. Já é difícil você hoje em dia ser mulher, com a responsabilidade da criança, com a responsabilidade do lar, se torna mil vezes pior”, diz Carvalho, que também luta por moradia através do Movimento Popular pela Reforma Urbana (MPRU).

No Brasil, apenas no mês de abril foi registrado um aumento de 38% no número de denúncias de violência doméstica no Ligue 180, do governo federal. Em relação aos feminicídios, houve um aumento de 22% no número de casos entre os meses de março e abril, segundo análise do Fórum Brasileiro de Segurança Pública realizada em 12 estados.




Fabiana da Silva com o marido e os três filhos. Trabalhadora doméstica não teve como parar durante o isolamento social / Arquivo pessoal

Sem direitos no trabalho doméstico

Na capital paulista, a empregada doméstica Fabiana Xavier da Silva teve o horário reduzido, mas não deixou de trabalhar. Beneficiária do Bolsa Família, ela conta que não consegue sustentar três crianças apenas com o que recebe da renda assistencial, e por isso necessita do serviço.

“Quando a pandemia começou, a minha patroa pediu para eu ir uma vez por semana e ela foi pra casa da filha dela porque ela tem 80 anos. Não tem como levar eles. Eles tiveram que ficar em casa, sozinhos. Deixava as coisas todas prontas, comida pra eles, para eles não ter que mexer com o fogão”, conta Fabiana. 

Segundo o IBGE, entre a categoria das trabalhadoras domésticas, atualmente cerca 70% das mulheres não têm carteira assinada. Fabiana fala da fragilidade das condições de trabalho: “É muito ruim quando você tem um emprego que não é muito beneficiado, porque empregada doméstica não é assim uma coisa assim que no futuro você vai ter ótimos benefícios porque você não vai ter”, conta a profissional.

Ela se solidariza com o caso da colega de profissão Mirtes Renata Souza, que viu o filho Miguel morrer ao cair das luxuosas “Torres Gêmeas”, em Recife, após negligência da patroa e primeira-dama do município de Tamandaré, Sari Corte Real. 

“É muito triste. Na verdade quem se prejudicou mais foi a empregada e não a patroa, porque a empregada agora, além de estar sem o filho, está sem o emprego dela”, lamenta a trabalhadora.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), junto com a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), lançou neste mês de junho um estudo em que alerta sobre a vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas durante a pandemia de covid-19, destacando o nível de informalidade, baixos salários e diferentes tipos de violências a que estão expostas as trabalhadoras.

Edição: Mauro Ramos


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