Anciã macuxi respira com dificuldade e pede ajuda em meio ao caos na saúde de Roraima

Diário Carioca

A mestra Koko Meriná Eremu, uma das anciãs mais ativas da cultura Makuxi, está contaminada por covid-19. No domingo (16), ela foi removida às pressas da comunidade do Maturuca, na Terra Indígena Raposa do Sol, para receber tratamento no Hospital Geral de Roraima (HGR), em Boa Vista – única unidade pública de saúde que atende quadros graves de infectados pelo vírus, em Roraima.

Por conta da superlotação no HGR, Vó Bernaldina José Pedro – como é conhecida a anciã indígena – teve que esperar dois dias para ser internada, respirando com bastante desconforto nos corredores do hospital.

Apenas na manhã de ontem (16), com ajuda do Conselho Indígena de Roraima e do Distrito Sanitário Especial Indígena do Leste (Dsei-Leste), foi realizado o prontuário médico de Bernaldina, que passou a ter acesso remoto a medicamentos e respiradores.  

“O estômago dela dói enquanto tosse, está gemendo de dor. Ela tira catarro com sangue quando tosse”, conta o filho Charles Gabriel, que a acompanha no hospital e também contraiu a doença: “Estou também com essa maldita”, revela o indígena. 

Até o último sábado (13), haviam 193 pacientes internados no HGR para os 138 leitos reservados ao tratamento da covid-19, incluindo os de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Em meio à superlotação, o governador Antonio Denarium (sem partido) anunciou que irá transferir pacientes infectados para o estado de Amazonas.

Assim como Bernardina, Gabriel vem tomando doses de azitromicina na tentativa de conter o agravamento da enfermidade. Nesta tarde, ele enviou um vídeo ao Brasil de Fato, mostrando o quadro de saúde de sua mãe:

Sem leitos públicos disponíveis no estado, Jaider Esbell, artista macuxi e outro filho da anciã, vem tentando articular uma transferência de Bernardina para um hospital particular. A procura por leitos em hospitais privados tem sido uma das últimas alternativas para aqueles que têm familiares com quadros graves da covid-19, em Roraima. 

Para conseguir o dinheiro da transferência, os filhos da anciã angariam apoio na internet por meio de uma vaquinha, também voltada para a compra de balões de oxigênio, remédios, roupas e itens de higiene pessoal.

“Estamos com a campanha aberta para conseguir colocá-la em um hospital particular e para manter regularmente a medicação e esses exames, que a gente não sabe qual é ainda e se o hospital vai conseguir fornecer”, alerta Esbell.

Em 2018, a “vó” ficou conhecida internacionalmente quando foi recebida no Vaticano pelo Papa Francisco. Na ocasião, ela e seu filho Esbell foram apresentar a espiritualidade e a visão indígena da etnia macuxi em relação ao “grande mundo”. No fim do ano passado, ela pisou pela  primeira vez em São Paulo (SP), trazendo a defumação do “maruai” e um pouco da espiritualidade usada na luta política de seu povo.

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Vírus chegou a Raposa Serra do sol

O contágio da Vó Bernaldina é mais uma confirmação de que o vírus vem atingindo com velocidade a Raposa Serra do Sol, que está entre os cinco territórios indígenas mais vulneráveis ao vírus, segundo estudo do Instituto Socioambiental (ISA) e o Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG), apresentado em abril.

Em março, 18 das 85 comunidades indígenas que compõem o território bloquearam o acesso às aldeias como forma de prevenção a chegada do vírus. Na época, não havia nenhum caso notificado na região. Hoje, a situação é bem diferente. 

“Tem vários casos. Ontem morreu uma liderança, o Dionito José de Souza, um dos coordenadores do Conselho Indígena de Roraima. Tem vários casos, especialmente nas comunidades da região da serra”, revela Esbell.

A morte foi divulgada pelo próprio Conselho Indígena de Roraima (CIR) na terça-feira (16). Vice-tuxaua da região das Serras, Dionito coordenava mais de 72 comunidades e foi um dos protagonistas da expulsão de não-índios da região. Diabético, o líder vinha tentando tratar o problema respiratório por meio de plantas medicinais, com base na tradição indígena. Assim como Bernaldina, ele também vivia na Maturuca.

A área da Raposa Serra do Sol, marcada pelo avanço de grileiros e do garimpo, foi reconhecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1993, e homologada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005. Anos mais tarde, o STF reconheceu a demarcação da terra e determinou a retirada de invasores do local. A partir de então, garimpeiros e arrozeiros, com apoio do governo de Roraima, pressionam para que a demarcação seja revista. 

“Nós tiramos os garimpeiros da Raposa Serra do Sol. Eu andava de noite, tirando minhas unhas porque eu queria minha terra. Nossa terra é nossa mãe. Se eu não tiver terra, como é que faz? Não têm nada. Não tem aonde a gente plantar”, afirmou a “Vó” na visita a capital paulista.

No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tentou reverter a demarcação do território de 1,7 milhão de hectares, afirmando que “é a área mais rica do mundo” e que era necessário explorar de forma racional “dando royalties e integrando o índio à sociedade”. Juristas, porém, consideram a revisão inconstitucional.

“A nossa reserva eles querem tomar de novo, eles querem voltar de novo atrás do garimpo, do mineral. A gente escuta os pistoleiros do Bolsonaro falar, mas com arma a gente não fala, a arma é nossa língua, nosso braço”, denunciou Bernaldina na ocasião. 

Estima-se que existam 140 aldeias Macuxi no Brasil e uma população de aproximadamente 50 mil pessoas. A área da Raposa Serra do Sol é a mais populosa e concentra 20% da população total da etnia. De acordo com dados da Secretaria e Distrito Sanitário Especial Indígena (Sesai), existem 70.596 indígenas em Roraima, vivendo em mais de 342 comunidades.

Edição: Rodrigo Chagas


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