A proibição da tese de legítima defesa da honra fortalece o combate à cultura de violência contra a mulher no Brasil

Diário Carioca

A história da legislação brasileira traz uma herança preocupante de normas que endossavam a violência contra a mulher.

Durante um longo período, aqui no Brasil, especificamente entre 1605 e 1830, o homem era autorizado a agir com violência contra a mulher se sentisse sua “honra lesada” devido a um suposto adultério. Embora esse contexto tenha evoluído, entre 1830 e 1890, as normas penais da época não mais permitiam o assassinato, mas ainda consideravam o adultério como um crime.

Somente com o Código Penal de 1940 a absolvição de acusados que cometiam crimes motivados por emoção ou paixão deixou de existir. No entanto, ainda hoje essa tese era usada pela defesa de acusados para justificar a inocência em casos de violência contra a mulher.

Essas disposições históricas revelam um desafio persistente enfrentado na luta contra a violência de gênero. Embora nossa legislação tenha evoluído ao longo do tempo, ainda há resquícios de mentalidades e práticas ultrapassadas que perpetuam uma cultura de violência contra a mulher.

A decisão unânime do Supremo Tribunal Federal em proibir a tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio impede que advogados defendam a absolvição de réus com base nesse argumento no Tribunal do Júri.

Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Delegada Raquel Gallinati
Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Delegada Raquel Gallinati

A maioria dos ministros já havia se pronunciado contra essa tese em sessões anteriores, e os votos finais proferidos pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber consolidaram a decisão.

Essa proibição é um marco importante na luta pela dignidade humana e contra pensamentos permeados por machismo, sexismo e misoginia, levando muitas vezes à impunidade em casos de violência contra a mulher. A ministra Cármen Lúcia ressaltou que retirar essa tese do ordenamento jurídico é um passo necessário para valorizar as mulheres e reconhecer seu direito de viver sem medo.

Já a ministra Rosa Weber lembrou como as leis brasileiras historicamente prejudicaram as mulheres, limitando sua capacidade civil plena e restringindo seu acesso a bens e à autonomia. É essencial não esquecer desse histórico enquanto buscamos uma sociedade mais equitativa e justa.

Apenas alterações na legislação não são suficientes para eliminar de forma abrangente a violência contra a mulher. Reconhecemos a importância de outras medidas complementares para enfrentar integralmente a violência contra a mulher. É essencial um esforço conjunto da sociedade para desconstruir estereótipos arraigados, garantir uma educação de qualidade acessível a todos, fomentar a conscientização sobre igualdade e fortalecer investimentos em políticas de prevenção, educação e apoio às vítimas. A transformação requer ação coletiva e engajamento contínuo rumo a uma sociedade mais segura e justa para todas as mulheres.

* Raquel Gallinati é Delegada de Polícia; pós-graduada em Ciências Penais, em Direito de Polícia Judiciária e em Processo Penal; mestre em Filosofia; diretora da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) do Brasil; e embaixadora do projeto Mulheres no Tatame e Instituto Pró-Vítima.

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