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quinta-feira, novembro 21, 2024

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As perigosas vozes subterrâneas disfarçadas de intenções nobres

Nos últimos anos, as tais vozes retornaram, começando-se a articular para discutir antigos “fantasmas” como a chamada prisão automática após condenação em segunda instância, ou a restrição das saídas temporárias dos reclusos em regime semiaberto.
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As perigosas vozes subterrâneas disfarçadas de intenções nobres

Os últimos anos da História do Brasil deram conta da existência concreta de movimentos punitivistas e supremacistas que podem causar riscos sensíveis aos verdadeiros preceitos que definem o Estado Democrático de Direito que conquistamos com a Constituição de 1988. E essa oscilação pendular é bastante característica dos movimentos acadêmicos brasileiros que acabam desaguando na política criminal, por exemplo. 

A nossa reforma penal da década de 80 foi uma das mais modernas do mundo, sobretudo na sua essência abolicionista, trazendo para nossos tribunais o importante sistema penal minimalista. Dentro dessa concepção, aplicar-se-ia um paralelo do famoso laissez faire, laissez passer, nos termos de Turgot, ao tentar explicar o Liberalismo Econômico. Em matéria penal, a intervenção mínima seria esvaziar o conceito de crime e desse transferir condutas para o chamado ato ilícito, o qual seria punido com penas mais efetivas para a vítima e menos gravosas para o malfeitor. 

Em que pese possa gerar uma falsa ideia de impunidade e, consequente aparência de chancela a delinquência, acredito, sinceramente, que o efeito é absolutamente inverso. A impunidade não passa pelo encarceramento (muitas vezes indevido) do criminoso, seguido pela não solvência do dano efetivo experimentado pela vítima. Ao indivíduo que tem, por exemplo, seu carro furtado muito mais vale a pronta reposição do seu bem do que uma punição exemplar ao agente causador da indevida inversão de posse. Se imaginarmos um cenário desprovido de violência, ou grave ameaça, pressupondo-se uma vítima mediana (pessoa normal, capaz, maior de idade não senil), a pronta e intacta restituição do bem lhe é muito mais aprazível do que a mais enérgica de todas as punições ao meliante, sem a respectiva satisfação do dano cível. 

Nesse sentido, se a resposta penal do Estado é uma modalidade de vingança pública, a longa manus do Estado deve punir em exata proporção ao dano experimentado pela vítima e não de acordo com o apelo formal erigido pelo legislador quando da lavratura dos tipo penais. Tudo isso com o não tênue agravante das condutas típicas, em sua grande maioria, terem sido positivadas na década de 40, em tempos diametralmente diferentes dos atuais. Por isso, todo movimento de não punição deve ser compreendido como salutar em uma sociedade cuja violência do Estado é crescente e o grande objetivo homologado pela Carta de 1988 é o estio da paz. De toda forma, as vozes subterrâneas nunca cessam, empunhando sempre os mesmos clamores travestidos de idoneidade ímpar. 

Para contextualizar os punitivistas, dentro do que já versamos, a resposta veio com o que se chamou, no Brasil, de Movimento de Lei e Ordem, culminando-se com a “conquista” da Lei dos Crimes Hediondos, um verdadeiro retrocesso quando comparada com a reforma abolicionista. As tais vozes subterrâneas costuraram pelos meios políticos uma supressão de direitos ainda mais severa do que se observava antes da reforma, mas – inteligentemente – valendo-se do repúdio social que alguns crimes causam e, a partir desse sentimento, conquistar apoio político, sempre em nome da exemplar punição como meio de se atingir a tal almejada e, por não se dizer, utópica, paz social. 

Nos últimos anos, as tais vozes retornaram, começando-se a articular para discutir antigos “fantasmas” como a chamada prisão automática após condenação em segunda instância, ou a restrição das saídas temporárias dos reclusos em regime semiaberto. Como é de cognição geral, a retórica precisa acontecer, como volta e meia ressurge a discussão da maioridade penal e todas as admiráveis “verdades absolutas” que a justificam. Precisamos estar atentos, em defesa da nossa Democracia, pois como sempre dizia nosso querido Tom Jobim: “o Brasil é um país para profissionais”. Todo cuidado é pouco.